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terça-feira, 13 de setembro de 2022

A LENDA DO MILAGRE DO SENHOR DOS PASSOS E DA PROCISSÃO DA BURRINHA EM MONSARAZ

 Monsaraz A Caminhar

História, lendas e tradições da Vila de Monsaraz

A lenda do Milagre do Senhor dos Passos e da procissão da burrinha em Monsaraz




A veneração dos montesarenses e vizinhos a Nosso Senhor Jesus dos Passos era desmedida, ao qual acorriam nas aflições a suplicar auxílio, a pedir graças, e recebiam sempre os benefícios, por isso, era imensa a sua devoção.
Nos finais do mês de Abril de 1680, como habitualmente, um grupo de rapazes brincavam aos guerreiros, junto às muralhas da Vila de Monsaraz, no lugar onde existia uma escadaria que dava acesso ao topo e que eles subiam e desciam a correr, para vigiar o inimigo e preparavam-se, para defender, heroicamente a sua Vila, contra os castelhanos, resultado das conversas que ouviam no dia à dia aos mais velhos, que tinham vivido a guerra da restauração, uns anos antes.
Os rapazes brincavam naquele lugar, quase todos os dias, e por vezes caiam, mas ficavam com alguns arranhões nos joelhos que quase todos exibiam, porém, naquele dia a queda do Manelito Caeiro foi fatal, mesmo não sendo do cimo da escadaria, acabou por cair desamparado e ficou estatelado no chão, sem tugir nem mugir.
Os outros rapazes ainda o incentivaram a levantar-se, mas ele não se mexia e eles começaram a gritar por socorro, aproximaram-se logo alguns montesarenses e confirmaram que ele estava muito mal, porque tinha cara de morto, então foram a correr chamar o médico que, perante tanta aflição, correu o mais que pôde e em poucos minutos confirmou que o Manelito estava morto, adiantando que tinha a espinha e as costelas partidas, não havia dúvidas, estava morto.
A mãe do Manelito, a ti Maria Caeira, chegou a tempo de ouvir as últimas palavras do Médico e, imediatamente, começou a chorar alto e a dizer que o seu filho não podia estar morto e chegou-se junto dele para o ver, mas ele não respirava e o médico disse-lhe para o levarem para casa e podiam preparar o velório, que ele ia passar o papel para o padre fazer o funeral no dia seguinte.
As tias, vizinhas e outros montesarenses, levaram o Manelito para casa, com muito cuidado, uma vez que, conforme o médico disse, estava todo partido e começaram a prepará-lo para lhe vestirem um manto branco de anjinho para levar na sua última viagem, entretanto foram chamar o pai, o ti António Pereira ao Roncão do Conde, hoje Roncanito, onde trabalhava, para vir assistir ao velório e ao funeral do filho.
Desde o momento que a ti Maria Caeira chegou junto do Manelito, nunca aceitou que ele estava morto e começou a rezar e a implorar a Nosso Senhor Jesus dos Passos para não o deixar morrer e repetia, repetia as preces, e quando estava já em desespero eis que o Manelito deu um gemido de dor muito profundo, a mãe deu um salto e a sua esperança renasceu, mas as tias e vizinhas comentaram baixinho: - Coitadinho, só agora deu o último suspiro.
A Ti Maria Caeira, ficou ainda com mais fé e, continuou a pedir ao Senhor dos Passos para deixar viver o seu filho, fazendo algumas promessas e, logo a seguir ouviu-se outro suspiro e mais outro e o Manelito começou a respirar!
Quando o pai do Manelito entrou em casa, já o milagre de Nosso Senhor dos Passos, se tinha realizado, ele já respirava e dizia algumas palavras, queria saber o que lhe tinha acontecido para estar naquele estado, porque não se conseguia mexer.
O médico foi ver com o seus olhos o que lhe contaram, porque não acreditava, e disse: - Isto foi um grande Milagre, tenho a certeza que ele estava morto, mas já que voltou vamos tratá-lo, e receitou-lhe algumas mezinhas que, começou logo a tomar. A ti Maria Caeira, apenas repetiu: Foi um grande Milagre, se foi, só eu sei.
O Manelito passou o verão imobilizado na cama, por fim ficou melhor, mas continuava sem conseguir dar um passo e o médico dizia que não podia fazer mais nada, e que ele nunca mais conseguia andar, porque tinha partido a espinha.
A sua mãe não se conformava e continuou a pedir a Nosso Senhor Jesus dos Passos para lhe dar o andar, suplicou muito e prometeu que se o Manelito voltasse a andar, ela e o filho iam acompanhar as procissões do Senhor dos Passos até ao fim das suas vidas, nem que fossem montados numa burrinha. Na manhã seguinte, o Manelito ao acordar já mexia os dedos dos pés e partir daí começou a melhorar e, no final de Outubro já dava pequenos passinhos com a ajuda de muletas, e um ano depois, com muito treino, deixou de usar as muletas e quase não tinha mazelas.
Mais tarde, o Manelito, que ficou com este nome para o diferenciar do nome do avô materno, o ti Manuel Caeiro, aprendeu a profissão de carpinteiro com o seu padrinho, assim, não necessitava de fazer muito esforço para andar, apesar de andar bem, fez a sua vida normal, organizou a sua família e, sempre na companhia de sua mãe, lá estavam presentes nas procissões, junto à imagem de Nosso Senhor Jesus dos Passos.
Os anos foram passando e, naturalmente a ti Maria Caeira, foi ficando idosa e trôpega, até que quase deixou de andar e nesse ano na véspera das Festas do Senhor dos Passos passou três noites sem dormir a pensar como ia pagar a sua promessa, uma vez que não conseguia caminhar mesmo amparada pelos filhos, até que se lembrou das palavras que tinha proferido na promessa: - "Que ela e o Manelito acompanhavam as procissões até ao fim das suas vidas, nem que fossem montados numa burrinha", ora ali estava a solução, só faltava a autorização do Prior para permitir a burrinha na procissão.
Logo de manhãzinha, chamou os filhos que estavam por perto e disse-lhe que tinha encontrado a maneira de cumprir a promessa, e contou-lhe como ia ser, por isso, tinham de ir pedir ao Prior para ele deixar participar a burrinha na procissão.
Os filhos da ti Maria Caeira ficaram surpreendidos e com muitas dúvidas na obtenção da autorização do Prior, mas a mãe explicou-lhe como deviam fazer o pedido, e dizer-lhe que a burrinha fazia parte da promessa, e não ia envergonhar ninguém, porque seria bem limpa e enfeitada com fitinhas, sendo um cenário semelhante ao da Virgem Maria montada na burrinha e conduzida por São José que, neste caso, seria o filho Manelito a levá-la pela arreata, e por coincidência também era carpinteiro.
Os filhos da ti Maria Caeira, quando ouviram a mãe, imaginaram o dito cenário e mudaram de ideia, e foram, imediatamente falar com o Prior, explicaram-lhe ao pormenor o pedido de sua mãe, mas ele não achou graça e disse-lhe que não, porque sabia que ia haver muita chacota, e exclamou: - Onde se viu uma burra numa procissão?
Os filhos da ti Maria Caeira, não desistiram à primeira, e prontificaram-se a falar com os montesarenses, que decerto iam compreender, porque era uma necessidade já que não tinham outra forma de levar a mãe para cumprir a sua promessa, mas não conseguiam demover o Prior que, continuava a dizer, não e não, mas antes de acabar de dizer não, ouviu-se um trovão tão forte que a Vila de Monsaraz estremeceu de lés a lés, e o Prior ficou tão assustado que antes de acabar de dizer não, já estava a dizer sim, sim, pensando bem, fica tudo como disseram! Quando saíram da Igreja, o céu estava completamente limpo, sem sinais de trovoada, e ficaram com a certeza que tiveram a ajuda do Senhor dos Passos.
A burrinha foi treinada para não se assustar com a presença de tanta gente, e no dia da procissão lá estava enfeitada, com a ti Maria Caeira sentada na albarda, com as duas pernas para o mesmo lado, vestindo um lindo manto, feito e bordado por ela, e o filho Manelito, parecia São José com a arreata entre mãos e, assim, cumpriram a sua promessa, fazendo o percurso da procissão.
Na Vila de Monsaraz já toda a gente sabia da presença da burrinha na procissão, mas não sabiam que ia ter tanto êxito, não só pela fé que irradiava da ti Maria Caeira e do Manelito, mas também da burrinha que parecia entender a sua missão naquele lugar, esse cenário conquistou o coração de toda a gente e não se falava noutra coisa, os montesarenses diziam que, nunca tinham visto um quadro religioso tão lindo, ao vivo, e já ansiavam a sua repetição no ano seguinte!
Este cenário repetiu-se cinco ou seis anos, e era falado e admirado não só na Vila, mas em toda a região, em cada ano acorriam mais romeiros a Monsaraz, também, atraídos pela procissão da burrinha de Nosso Senhor Jesus dos Passos, como lhe chamavam, depois, a ti Maria Caeira foi prestar contas a Deus e acabou a sua presença e da burrinha, nas procissões do Senhor dos Passos em Monsaraz.
Fim
Texto: Manuel Correia
Fotografia: Isidro Pinto

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

A LENDA DO MILAGRE DO SENHOR DOS PASSOS, QUANDO ESCONDEU MONSARAZ

A lenda do Milagre do Senhor dos Passos, quando escondeu Monsaraz 




História, lendas e tradições da Vila de Monsaraz

A lenda do Milagre do Senhor dos Passos, quando escondeu Monsaraz

Nosso Senhor Jesus dos Passos é um título de Jesus Cristo, é uma devoção na Igreja Católica dirigida a Jesus, relembrando o trajeto percorrido na Via Dolorosa até chegar ao calvário!
A sua imagem surgiu na Villa de Monsaraz, na então Igreja do Espírito Santo, depois da Misericórdia, por doação do Duque de Bragança D. Teodósio II, talvez, cerca do ano de 1600 e, a devoção dos montesarenses pelo Senhor dos Passos, foi imediata!
Nos finais da centúria de 1600, a fama dos Milagres de Nosso Senhor Jesus dos Passos, já tinha passado a fronteira e chegado às terras da Raia em Castela, de onde chegavam cada vez mais romeiros a Monsaraz!
A devoção pelo Senhor Jesus dos Passos, em terras de Castela era tanta que, um grupo de romeiros de Figueira de Vargas, Vale de Mata Mouros, Vila Nueva del Fresno e outras localidades, engendraram um plano para roubar o Senhor e erigir-lhe uma Igreja em Figueira de Vargas, porque era muito doloroso fazer o caminho, passar o rio Guadiana e depois subir o planalto até Monsaraz!
O plano dos castelhanos foi fácil de acertar, consistia em fazer uma peregrinação a Monsaraz, composta por um grande número de romeiros, homens, mulheres e crianças já crescidas, integrado nesse grupo, seguia outro de danças e cantares com bandeiras, Pendões e estandartes que representavam as suas Vilas, depois à porta da Igreja da Misericórdia armavam um grande espetáculo e distraiam os montesarenses, entretanto, outro grupo bem treinado, envolvia o Senhor dos Passos nos Pendões e seguiam a caminho de Castela, mas no exterior da Vila entregavam o Senhor a um grupo de cavaleiros que rapidamente passaria a fronteira e, se necessário, alguns davam cobertura na retirada, embora o resultado das simulações indicavam que, quando os montesarenses dessem pela falta do Senhor, já o mesmo estaria bem escondido em Figueira de Vargas!
Os castelhanos treinaram bem, conforme o plano, foram várias vezes a Monsaraz a ensaiar e tinham a certeza que tudo ia correr bem, logo, estava garantido que tudo daria certo, assim, marcaram a sexta feira dia 5 de Agosto de 1695, um dia de semana, depois da Missa da manhã, quando os montesarenses saíssem a trabalhar nas herdades e os funcionários já estivessem nas respetivas Repartições e na Câmara, seria mais fácil, porque havia poucas pessoas por ali!
Os castelhanos começaram a juntar-se às portas de Vila Nueva del Fresno na noite de quinta feira, onde foram dadas as últimas indicações, para de madrugada estarem junto ao rio Guadiana no Lugar do Gato, onde já tinham alguns barcos para os passar para a margem portuguesa, mas a cavalaria e outras montadas passavam a nado!
Quando os castelhanos se aproximaram do rio Guadiana, não conseguiam ver um palmo à frente do nariz, ficaram espantados, porque nunca tinham assistido a um nevoeiro tão cerrado no mês de Agosto, mas pensaram que, seria passageiro e, rapidamente o dia ficaria limpo, mas quando os romeiros embarcaram era tão grande a escuridão que os barcos iam contra as rochas e alguns partiam-se e só não houve naufrágios porque o rio Guadiana naquele lugar dava pé em quase todo o lado!
Perante aquele desastre, os romeiros aflitos gritavam assustados, ouviam-se em Monsaraz e por todo o Vale das Ribeiras da Pega e do Azevel, por fim, quando conseguiram juntar o grupo, através de gritos pelos outeiros, uma vez que não viam nada, partiram sem orientação, porque não faziam ideia para que lado ficava a Vila de Monsaraz, que estava coberta pelo manto negro de nevoeiro que não deixava nenhuma pista aos castelhanos que passaram ao lado, sendo barrados na serra da Barrada, onde um grupo de cavaleiros do Regimento da Casa de Bragança os esperava e, depois de os cercarem, fizeram-nos ajoelhar e obrigaram-nos a contar o motivo daquela incursão, e os castelhanos contaram ao pormenor como tinham planeado roubar o Senhor dos Passos de Monsaraz, mas estavam muito arrependidos, e adiantaram que andavam perdidos devido ao nevoeiro cerrado!
O capitão de cavalos, ao ouvir a mesma versão a vários romeiros, não teve dúvidas que falavam verdade e, perante a presença de mulheres e crianças, mandou aplicar pequenos castigos, para não facilitar e a situação voltar a acontecer, então tiraram-lhe os cavalos e as melhores botas e calças aos homens, que seguiram descalços e em ceroulas para as suas Vilas!
Os militares portugueses levaram os castelhanos de volta ao Porto do Gato, onde chegaram muito exaustos, alguns já de gatas, entretanto, alguns guardas da Praça de Monsaraz e muitos montesarenses que tinham ouvido tanto barulho, desceram ao seu encontro, mas não lhe fizeram mal, antes pelo contrário, como conheciam alguns romeiros, até os ajudaram a passar o rio Guadiana para Castela!
Quando já estava tudo calmo, e os castelhanos a caminhar para as suas Vilas, repentinamente, desapareceu o manto de nevoeiro e ficou um lindo dia de sol, vendo-se a Vila de Monsaraz a brilhar nas alturas e, Nosso Senhor Jesus dos Passos lá ficou no seu lugar!
Depois da notícia deste acontecimento percorrer a Vila de lés a lés e toda a região, os montesarenses não tiveram dúvidas que tinha sido um Milagre de Nosso Senhor Jesus dos Passos, que escondeu a Vila de Monsaraz para não ser roubado pelos castelhanos e, ainda nesse dia, fizeram uma procissão que percorreu as ruas da Vila em sua veneração.
Fim
Texto: Manuel Correia
Fotografia: Isidro Pinto