Pesquisar neste blogue

sábado, 13 de julho de 2019

A LENDA DA PRINCESA ALANDRA


A lenda da princesa moura Alandra, de Faro e de Monsaraz



Os protagonistas desta lenda são, uma linda princesa moura de nome Alandra, filha do príncipe de al Harun, ou seja Faro e, a mais alta figura da nobreza portuguesa do reinado de D. Afonso III, D. João Peres de Aboim, nascido cerca de 1213 em Aboim da Nóbrega, uma povoação situada a sul de Ponte da Barca, no Minho!

D. João Peres de Aboim, era protegido do rei D. Afonso III, cresceram juntos, por o seu pai ser camareiro do então Príncipe e, estiveram ambos, cerca de dezasseis anos em França, por isso, tornou-se letrado, foi apoiante de D. Afonso III, contra o seu irmão D. Sancho II e, tinha liberdade para tomar algumas decisões sem o consultar! Foi conselheiro do rei, mordomo mor, Senhor de Portel, da Defesa do Esporão no Termo de Monsaraz e de muitas outras terras e Vilas! Faleceu em quinze de Março de mil duzentos e oitenta e cinco, estando sepultado no Mosteiro de Marmelar em Vera Cruz, Portel!

Após a reconquista das terras da raia do Alentejo aos mouros, D. Afonso III, sentiu o desejo de alargar os domínios do reino de Portugal! Assim, em Março de mil duzentos e quarenta e nove, acompanhado de D. João Peres de Aboim, de alguns nobres, bastardos e Ordens Militares, dirigiu-se ao Algarve, com o exército em marcha forçada até à "Terra de Todos", a Vila de Alportel, onde acamparam para dali preparar os ataques às diversas Praças mouriscas do Algarve!

Na Vila de Alportel, misturavam-se cristãos com mouros, sem represálias de parte a parte, era terra de mercadores que, no dia da feira, atraía pessoas de todas as localidades da região, incluindo príncipes e princesas!

Num desses dias, D. João Peres de Aboim, atravessava a feira envolvido numa acesa conversa com um grupo de fidalgos, quando deu por si, estava nos braços de uma linda mulher que, tinha a cara tapada por um turbante, mas com o encontrão ficou descoberta deixando ver-lhe além dos lindos olhos o seu lindo rosto!

O fidalgo ficou muito atrapalhado e pediu desculpa, mas a mulher, não respondeu, continuando o seu caminho com outras mulheres que a acompanhavam, mas a pouca distância virou-se e fitou o fidalgo, tocando-lhe o coração!

D. João Peres de Aboim ficou perturbado e perguntou aos mercadores que estavam ao lado e tinham assistido à situação, se sabiam quem era aquela mulher? Sendo imediatamente informado que, era a princesa "Alandra", filha do príncipe de al Harun (Faro)!

O nobre continuou o seu caminho, sempre com a princesa Alandra na sua mente e no seu coração, mas as reuniões do conselho de guerra com o rei eram constantes, para delinear como deviam fazer os ataques, obrigando-o a esquecer o caloroso encontro com a linda princesa Alandra!

Com a ajuda dos espiões, os portugueses foram sabendo quais as forças que os mouros dispunham em cada praça, e que não podiam ser auxiliados pelos exércitos da moirama, porque, também Castela atacava os mouros em todas as frentes, por isso, decidiram atacar a praça mais forte e importante, ou seja, al Harun, decerto as restantes, não ofereciam resistência!

No dia seguinte, o rei deu instruções a D. João Peres de Aboim para ir com os seus homens, montados nos melhores ginetes, bem treinados na arte da guerra, testar a resistência de al Harun, simulando um ataque surpresa, mas na verdade, não queriam entrar em luta com o inimigo! Partiram de Alportel e perto de Harun fizeram um pequeno acampamento, depois em grande correria, investiram contra a cidade, mas na sua frente surgiu uma figura agitando os braços no ar, obrigando-os a refrear a cavalaria! D. João Peres de Aboim, irritado, deu um salto para terra e ficou de espada em punho! A figura, tinha a cara tapada por um turbante, mas mostrou que estava desarmada e não estava ali para se bater com ele, o qual, depois de verificar que não era armadilha, que não havia movimento por perto, deu alguns passos em frente e perguntou? Quem és tu? O que quereres de mim? Então, ouviu uma vós trémula que lhe disse: Quero falar com o teu rei! D. João Peres de Aboim continuou: Se queres falar com o meu rei, porque te escondes atrás desse turbante? A figura respondeu: Bem sabes senhor, se viesse às claras, nunca me deixariam chegar até aqui, seria logo preso e eu tenho de falar com o teu rei!

Mas quem és tu? Pensas que te vou levar até junto do meu rei sem saber quem és? sabes que isso é impossível, respondeu D. João de Aboim!

Sou um guerreiro filho do príncipe de Harun que defenderá o seu senhor até à última gota de sangue, respondeu a figura!

D. João Peres de Aboim, deu mais um passo em frente e, num golpe de surpresa arrancou-lhe o turbante e aos seus olhos apareceu o rosto de uma jovem e linda mulher e exclamou: Alandra! És a princesa Alandra! O que fazes aqui?

Quero falar com o teu rei, respondeu Alandra!

D. João Peres de Aboim, delicadamente, encaminhou-a para um lugar mais afastado e seguro e perguntou-lhe o que queria falar ao rei, porque estando ele longe, quem tomava as decisões ali era ele!

Então a divina e bela Alandra disse-lhe:

Alandra: Senhor, queria que ele poupasse a vida das mulheres e crianças de Harun, nem que para isso, eu tenha de sacrificar a minha honra!

D. João Peres de Aboim: Princesa Alandra, nós não somos feras, prometo solenemente que, será cumprido o que deseja, sem que para tal, seja necessário qualquer sacrifício da sua parte!

A princesa Alandra baixou a cabeça e quando a reergueu tinha os olhos embaciados por lágrimas e continuou:

Alandra: Senhor, todos nós vivemos aterrorizados com o que tem acontecido na tomada das nossas terras, por isso, o senhor meu pai, príncipe de Harun quer entregar as chaves da cidade ao teu rei sem derramamento de mais sangue!

A princesa, levou as mãos ao rosto num jeito de assustada e as palavras saiam-lhe em soluços!

D. João Peres de Aboim, colocou a mão no ombro direito da princesa, com intenção de a acalmar, mas nesse momento sentiu nela um tremor tão forte que a retirou imediatamente e, apenas repetiu a promessa de que, as mulheres e as crianças seriam respeitadas em troca das chaves da cidade! A princesa Alandra tentou aproximar-se do fidalgo num gesto de entrega da honra, mas ele, afastou-a delicadamente e despediu-se!

No dia vinte e sete de Março de mil duzentos e quarenta e nove, o exército de D. Afonso III, estava pronto para atacar Harun, porém, de madrugada, o rei que, estava a par da situação, reuniu o conselho de guerra e pediu a D. João Peres de Aboim para falar! Então, ele disse: Senhor meu rei, sem a sua autorização prévia, já tratei de tudo, vamos tomar Harun sem derramamento de sangue, o príncipe vai entregar as chaves sem luta, mas por amor de Deus senhor meu rei, temos de respeitar as mulheres e as crianças, foi essa a condição que prometi, estou por penhor dessa condição que vale a minha honra!

D. Afonso III baixou a cabeça num gesto afirmativo, dando, assim, a devida autorização!

D. João Peres de Aboim: Então, senhor meu rei, deveis ir agora ao palácio do príncipe de Harun para que ele vos entregue as chaves da cidade!

D. Afonso III: O quê? Vou lá sozinho?

João Peres de Aboim: Não, senhor meu rei, de modo algum! Levais uma guarda de honra, constituída pelo Estêvão Anes, Afonso Peres Farinha, Gonçalo Peres e eu próprio, além de ficar preparada, por precaução, uma força de intervenção constituída pelos melhores mestres de guerra, mas sei que, não vai haver luta!

Então, D. Afonso III, acompanhado da referida guarda de honra, dirigiu-se ao palácio do príncipe de Harun onde foram recebidos com cordialidade! Acertaram alguns acordos, foram assinadas as condições honrosas para os vencidos e ainda mais para os vencedores, depois o príncipe entregou as chaves da cidade na mão do rei!

As referidas negociações, demoraram mais do que se esperava e, os homens da força portuguesa que estava de prevenção, pensando que, alguma coisa tinha corrido mal, envolveram-se em luta com os guerreiros mouros no atual Largo de S. Francisco e foi D. Afonso III que teve de correr ao centro da contenda a mandar parar a luta e a mostrar as chaves de Harun que, a partir daquele momento começou a designar-se por Santa Maria de Farum!

Como a promessa foi cumprida, no dia seguinte, a princesa Alandra, com o rosto tapado pelo turbante, dirigiu-se aos aposentos de D. João Peres de Aboim, com um grande ramo de flores vermelhas! Assim que chegou, caiu-lhe nos braços e entregou-lhe a sua honra, mesmo sabendo que, não podiam ficar juntos, estiveram envolvidos algumas horas, até se esgotar o tempo razoável que, pudesse justificar a sua ausência do palácio!

A princesa, foi seguida por espiões da confiança do príncipe seu pai que, lhe foram contar tudo o que se passou entre sua filha e D. João Peres de Aboim!

O príncipe já tinha perdido a sua honra ao entregar as chaves de Harun sem luta, agora, era a sua linda filha a traí-lo entregando voluntariamente a sua honra a um cristão, mais nada lhe restava! Esperou a chegada da princesa, chamou-a ao jardim, trocaram algumas palavras, ele disse-lhe que tinha de a encantar, porque ambos tinham perdido a honra e mais nada lhe restava, ao entregar-se a João Peres de Aboim! A princesa compreendeu o pai e não reagiu foi, imediatamente morta e encantada ali no seu jardim!

D. João Peres de Aboim, tinha trinta e seis anos e casado, havia cerca de três anos com Dona Marinha Afonso de Arganil, mas naquele momento o seu casamento estava esquecido, porque, não controlava a sua paixão pela princesa Alandra!

No dia seguinte, a meio da manhã, D. João Peres de Aboim, estava agitado, pensando na princesa com um mau pressentimento, montou o seu cavalo e, acompanhado por alguns guardas, foi dar um passeio com a intenção de passar em frente ao palácio do príncipe e poder ver Alandra a espreitar por alguma janela, mas ao chegar viu tudo atarracado, sem movimento, avançou com o cavalo na direção de um grupo de homens mouros que estavam à porta do palácio em acesa conversa, os quais, começaram a correr assustados, mas ele gritou-lhe que não lhe fazia mal, só queria uma informação sobre o príncipe! Os homens pararam logo, eram os criados do palácio, alguns tinham assistido à morte da princesa e contaram como tudo se passou e que a seguir o príncipe e a família tinham fugido num barco para as terras da moirama, deixando-os ali abandonados à sua sorte!

D. João Peres de Aboim, ficou furioso e de cabeça perdida, tentou recrutar um grupo de homens para perseguir o príncipe, mas D. Afonso III, ao inteirar-se da situação, acalmou-o e demoveu-o da ideia!

Nos dias seguintes, foram tomadas as restantes praças do Algarve, Loulé, Albufeira, Porches, Aljezur e outras, quase sem luta! D. Afonso III apressou-se a entregá-las a alguns nobres que participaram na conquista, a Ordens Militares e aos bastardos que o acompanharam!

Depois de tudo sereno, o rei e os seus exércitos deixaram o Reino dos Algarves que, embora já português, só foi reconhecido por Castela através do Tratado de Alcanizes em 1297, antes era português mas o uso e fruto era de Castela!

D. João Peres de Aboim e alguns nobres acompanharam o rei, porém, antes da partida, o fidalgo mandou arrancar e envolver em terra as plantas todas do jardim do palácio do príncipe, das quais a princesa Alandra tinha colhido as flores que lhe tinha oferecido com a sua honra, para as transplantar nas suas terras!

O rei e o exército seguiram em conjunto até Beja, onde descansaram! Antes da partida, D. Afonso III reuniu-se com D. João Peres de Aboim e disse-lhe que tinha de seguir outro caminho, por Serpa, Moura, Mourão e Monsaraz, para fazer uma avaliação das terras para demarcação de alguns Termos (Concelhos) e verificar como estavam a ser administradas, uma vez que, existiam muitas queixas contra os Alcaides-mor, entregando-lhe uma carta com poderes régios!

D. João Peres de Aboim, partiu de Beja no dia seguinte, com um grupo dos seus homens, foi cumprindo as instruções do rei, acabando por chegar a Monsaraz quinze dias depois de sair de Beja, levando consigo os arbustos vindos de Faro!

Uma das missões de D. João Peres de Aboim, era avaliar as terras de Monsaraz para, a demarcação do seu Termo, como depois aconteceu em 1265, obrigando-o a demorar-se mais do que esperava e ainda tinha de fazer a avaliação das terras da herdade de Terena, para demarcação do seu Termo como aconteceu em 1262, só depois seguia para Évora!

Então, uma noite enquanto dormia começou a sonhar com os arbustos cheios de flores vermelhas ali em Monsaraz e, no meio deles, estava a princesa Alandra! Quando acordou, o sonho não lhe saía da mente, mas ao longo do dia, foi esquecendo! A partir daí, todas as noites tinha o mesmo sonho, até que, se fez luz, D. João Peres de Aboim, percebeu que, se isso acontecia, era porque a princesa Alandra queria os arbustos plantados em Monsaraz! Chamou um criado e disse-lhe para encontrar um bom lugar, tratar bem a terra e plantar lá os arbustos e tomar bons recados para que os mesmos fossem protegidos, porque, em caso algum se podiam perder!

O criado não andou muito, encontrou um espaço com boa terra perto da rua direita e da Igreja de Nossa Senhora da Lagoa, aí plantou os arbustos e, foi dizer ao fidalgo que o trabalho estava feito! Ele deslocou-se ao lugar, acariciou as flores muito comovido, o criado estava a assistir, pediu licença e perguntou-lhe que flor era aquela que o deixava assim tão triste? D. João Peres de Aboim respondeu: Alandra, Alandra! E foi assim que, aqueles arbustos, ficaram a chamar-se alandros ou alandroeiros!

Passados três dias, D. João Peres de Aboim partiu para Terena, mas antes, foi despedir-se das suas flores, ficou muito surpreendido, porque estavam tão lindas como, quando a princesa lhe as ofereceu! Deixou uma carta na Alcaidaria mor, na qual, a responsabilizava pelo tratamento e proteção daqueles alandroeiros, como sendo património da Vila de Monsaraz e partiu!

Na noite de vinte e quatro de Junho de mil duzentos e cinquenta, à meia noite, pela primeira vez foi vista a princesa Alandra a cantar uma linda cantiga mourisca e a pentear os seu longos cabelos negros com um pente de ouro, irradiando uma ténue luz, porque, ficou encantada nos Alandros do jardim do seu palácio em Faro, os mesmos que, D. João Peres de Aboim transplantou para Monsaraz, onde a princesa Alandra ainda continua encantada e pode ser vista por momentos à meia noite de vinte e quatro de Junho de cada ano e, é nesse instante que, pode ser desencantada com estas palavras:

Alandra de Faro e de Monsaraz

O teu encanto chegou ao fim

Estás livre, vai em paz

Juntar-te a João de Aboim

Ele está em Marmelar

No Convento de Vera Cruz

Se não quiseres cá ficar

Deixa-nos a tua luz

Se não quiseres abalar

Fica aqui neste recinto

E podes ir caminhar

Com o amigo Isidro Pinto.

Fim

"Autor do texto Manuel Correia foto Isidro Pinto" para Monsaraz A Caminhar

Sem comentários:

Enviar um comentário