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segunda-feira, 3 de agosto de 2020

MONSARAZ

MEMÓRIAS DO GUADIANA III

MEMÓRIAS DO GUADIANA III

Caça aos patos



Era mais uma abertura de caça no Calvinos célebre e bonito moinho de onde guardo grandes recordações, hoje engolido pelo Alqueva. De motorizada já tinham ido alguns, eu e o meu cunhado iríamos de trator já que havia que levar o material para passar a noite tinha nessa altura um trator Styer que era sem duvida alguma um dos tratores que maior velocidade atingia em estrada, como reboque utilizava um de fabrico artesanal feito pelo meu cunhado e trazido de Cascais atrás do seu próprio carro, carregamos aí todo o material, espingardas os cobertores o farnel para a o jantar e para a noite e lá fomos nós sem incidentes dignos de nota a caminho do Calvinos, a expectativa era grande tinha-mos ido dias antes fazer os aguardos nas lagoas da Mal Cega e os patos eram às centenas apenas o Fininho e o Chico Zé Saramago ficariam nas lagoas do Porto Touro enquanto o Paraqueto e o Rela Joaquim iam para o pégo do Soldado no Azevél todos os outros que penso seria eu o Manel Rela o Zé Cardoso (meu cunhado) e o Caeiro (guarda fiscal) rumaríamos á Mal Cega tendo por barqueiro o Joaquim António (Relâmpago) que não sendo caçador sempre nos acompanhava. O jantar feito de pequenos petiscos das mais diversas procedências, era um autentico manjar, desde os jaquinzinhos no forno levados pelo Joaquim Cardoso ao presunto caseiro do Chico Zé, ou ao paio de porco preto feito em casa dos meus pais, tudo era uma delicia, eram outros tempos, os queijos eram puros, os de ovelha eram de ovelha, e os de cabra eram de cabra, os porcos eram pretos, e os frangos eram do campo, as galinhas davam ovos de gema amarela, e a fruta era doce e de sequeiro. A noite foi passada na rua do moinho e quase em claro, e entre anedotas e pequenas peripécias das quais destaco, o ter acordado incomodado em cima das rochas, já que alguém me tinha tirado o pequeno pipo do colchão insuflável que tinha levado, ou de o Relâmpago a meio da noite ter pensado que pouca sorte a sua que estendera a manta por cima de um cascalho, já que sentia um enorme vulto por debaixo da manta, palpou bem e mesmo meio adormecido fez-se um pouco de luz na sua mente e !!! MAS OS CASCALHOS NÃO SE MEXEM, era uma enorme ratazana das muitas que habitavam o moinho. Já madrugada rumamos em direção aos sítios já previamente definidos, fomos rio acima, e com a ajuda das lanternas lá nos fomos instalando, tudo á nossa volta eram ruídos e vozes abafadas, o que só por si era indicativo da quantidade de caçadores que haviam escolhido os mesmos sítios que nós, com os primeiros raios de luz chegaram os primeiros patos e os tiros não se fizeram esperar, ecoavam de todos os lados não permitindo que os patos entrassem em área de tiro, apenas eu matei dois ainda mal se via, a frustração era igual á de todos os anos mas teimosamente o ritual repetia-se, pouco passaria das nove da manhã quando decidimos regressar ao moinho, lá fomos rio abaixo deixando para traz mais um ano de expectativas goradas, fomos os primeiros a chegar já que os que tinham ido para o Azevél e para o Porto Touro ficariam até um pouco mais tarde na esperança que as rolas fossem beber por ali, eu e o meu cunhado pouco a pouco fomos carregando e acondicionando a tralha dentro do pequeno atrelado, as mantas que tinham servido para ajudar a passar a noite serviriam agora de assento para o meu cunhado junto ao pequeno taipal da traseira do atrelado, certificámo-nos que não ficava nada esquecido, e antes que o calor fosse mais intenso iniciámos o caminho de regresso, eu conduzindo o trator e o meu cunhado sentado encima das mantas. Embora o meu cunhado fosse uma pessoa bastante hábil em tudo o que fazia algo falhou na construção deste atrelado, já que tinham sido várias as vezes que se desengatava sozinho do trator, bastando para isso a carga ir um pouco traseira, a subida do moinho de Calvinos até ao monte assim como todo o percurso até ao moinho do Gato foi feito bastante devagar, já que o caminho era bastante sinuoso, ultrapassado este obstáculo e já na estrada do Gato e fazendo jus á velocidade do trator e ao sangue na guelra do tratorista acelerei um pouco mais, tinha-mos passado o monte do Formiga (ou Monte da Coutada) e descia-mos agora a uma velocidade considerável, a escassos 40 ou 50 metros do pontão e como que pressentindo algo, olhei para trás, e qual não foi o meu espanto, quando deparei com o atrelado DE LANÇA EM RISTE E TRASEIRA DE ROJO CORRENDO ATRÁS DO TRATOR, tinha-se desengatado e simultaneamente empinado felizmente parou dentro da estrada a escassos metros do pontão e de um acentuado desnível, comentava-me depois o meu cunhado que o que mais o tinha assustado ERA NÃO VER O CAMINHO mas foi de facto um grande susto para ambos. MEMÓRIAS DO SAUDOSO GUADIANA


"Texto e foto: Isidro Pinto"

RIO GUADIANA Versos

RIO GUADIANA
I
Rio Guadiana, saudade,
Água límpida, corrente
Não sei bem a tua idade
Ponte do guadiana
Só sei que estás ausente
II
Quando era mais novo
Muitos mergulhos eu dei
Junto ao teu moinho, o povo
Juro, parecia que era rei
III
No lazer, muita alegria
Maior nos fins de semana
Vinha tudo o que havia…
P’ro nosso rio Guadiana…
IV
Nas tuas margens pescava
À noite, a lua chegava Barbos, bogas e achigãs
Também apanhava rãs
V
Já agora também digo
Enquanto a barragem te tapa
Os momentos que bendigo
Apanhar peixes na lapa
VI
Tudo servia para petisco
Comido nas tuas margens
Pitéu sempre muito listo
Justificavam as viagens
VII
De ti tudo me recorda
Sempre com muita saudade
Até a nossa querida açorda
Feita com grande vontade
VIII
Das tuas muitas histórias
Não há só contos de fada
Nas tuas tristes memórias
Há muita família enlutada

IX
Do trabalho, o meu sustento
Durante quase trinta anos
Nem sempre a meu contento
Mas nunca dos meus enganos
X
Vontade, talvez desvario
Em nome do desenvolvimento
Sufocaram o nosso rio
Mataram o seu movimento.
"Autor Joaquim Frasco"

MEMORIAS DO GUADIANA I

MEMORIAS DO GUADIANA

Aventuras no Guadiana



Não consigo precisar o ano mas talvez princípios dos anos 70, apenas sei que ainda não era caçador e foi nessa condição de ajudante ou mochileiro que fui para a Mal Cega com o Joaquim Cardoso e o Manuel Rela seu irmão, combinado é combinado e às 5 da manhã lá estava eu e o Manuel, dispostos a servir de barqueiros e ajudantes do Joaquim Cardoso, este sim já feito caçador. A viagem foi feita de motorizada ainda noite completamente cerrada, já que caçar aos patos implicava estar por ali antes do nascer do dia, chegados ao Calvinos deixámos as motorizadas no cabanão anexo ao monte e com a ajuda de lanternas descemos até ao rio, onde previamente havia-mos deixado o barco do Relâmpago, (Montesarense amigo nosso, cuja alcunha vêm do facto de andar sempre muito rápido de motorizada) feito o embarque iniciámos a subida do rio, o destino seria a Foz da Areosa ou a Mal Cega, sítios de eleição para a caça aos patos. Estava uma típica noite de verão, o calor e a ausência total de vento faziam com que a única brisa fosse a resultante do movimento dos remos, o silencio era total, apenas quebrado por algum pato mais assustadiço ou pelo saltar de algum peixe de maiores dimensões, o brilho intenso das estrelas desaparecia e o dia começava a clarear, navegávamos agora sem a ajuda de lanternas e á nossa volta era um despertar de vida, os peixes saltavam agora incessantemente, ouvia-se de vez enquanto o chapinhar na água de um ou outro pato que ia levantando, do lado de Espanha na barreira sobranceira ao rio os coelhos apressavam-se a entrar para os covais, por cima de nós passavam enormes bandos de carraceiras que levantados de algum silvado junto ao rio dirigiam-se agora para sul, e ali estávamos nós insignificantes mortais metidos dentro de um pequeno barco no meio de todo este brotar de vida, era o Guadiana no seu esplendor ou o grande rio do sul como alguém um dia lhe chamou, é já ali a seguir àquelas rochas altas dizia o Joaquim Cardoso, remámos na direção da margem e procurámos uma pequena enseada onde fosse possível desembarcar com segurança, encontrámos entre as rochas uma pequena língua de areia com as condições ideais, foi aí que desembarcamos e posteriormente deixámos o barco preso. O Joaquim Cardoso apressou-se a escolher o que para si seria o sítio ideal para esperar os patos, e rapidamente improvisou um esconderijo, eu e o Manuel fomos procurar uma boa sombra que ali não era tarefa fácil, era uma zona demasiado rochosa e a única disponível era a de um raquítico freixeiro cujo solo á sua volta também era demasiado pedregoso, ficámos ambos expectantes talvez pensando como é que era possível o Freixeiro ter nascido no meio das rochas, o cansaço começava a tomar conta de nós, a noite passada em claro nas festas da Amareleja de onde tinha-mos vindo diretamente para a caça começava a cobrar o seu preço, meio sentados meio deitados tentámos acomodar-nos, enquanto tudo isto se desenrolava o Joaquim continuava impávido e sereno no seu posto esperando melhor sorte, já que até ali nada, nem um tiro, o sol não sendo ainda insuportável começava já a aquecer o dia, afinal estávamos em Agosto, á mesma velocidade do sol também nós íamos rodando na sombra do freixeiro, o dia aquecia cada vez mais as moscas e carraços também queriam cobrar a sua parte e não nos davam um minuto de descanso, como os resultados da caçada eram nulos começamos a pressionar o Joaquim Cardoso para ir embora, mas ele com a persistência própria dos caçadores novatos não arredava pé, cansados de tanto pressionar e já no limite da nossa paciência engendrámos um plano e escapámo-nos sorrateiramente até ao barco, se bem o pensámos melhor o executámos e passados poucos minutos remávamos já na direção do moinho de Calvinos deixando para trás o Joaquim Cardoso, de referir que toda esta zona é extremamente rochosa e de difícil acesso, chegados ao sitio de onde havia-mos partido de madrugada, prendemos o barco, escondemos os remos, e subimos os cento e cinquenta ou duzentos metros que nos separavam do monte e do cabanão, a dificuldade da subida e o calor que aquela hora se fazia sentir dificultava-nos a respiração, paramos para descansar, olhamos na direção do rio, e da Mal Cega e muito ao longe já se via o Joaquim Cardoso de pedra em pedra iniciando o caminho de regresso, nessa altura já as carnes lhe pesavam um pouco, imaginámo-lo completamente empapado em suor e quase a ser comido pelos carraços, não quisemos correr o risco de esperar por ele porque seguramente viria capaz de nos engolir. Espero que Deus tenha a sua alma em descanso e que ao fim de todos estes anos já nos tenha perdoado. 

"Texto e foto: Isidro Pinto"


MEMÓRIAS DO GUADIANA II

MEMÓRIAS DO GUADIANA



 PARTE II

O Guadiana era fonte de vida para todas estas gentes, era das suas águas que saía o barbo a boga e as enguias, á época espécies tão importantes na gastronomia local. Das suas margens vinha o buinho, a junça, a atabua, cujas aplicações iam desde o fundo das cadeiras até á cobertura da serra de palha, passando pelas casas dos melões e dos paios, era também com a força das suas águas que moíam o trigo, com o qual se fabricava o pão que constituía a base de alimentação. Por tudo isto o rio desempenhou um papel importantíssimo em toda a minha geração era parte das nossas vidas não tinha-mos PlayStation e muito menos computadores, um ou outro alguma bicicleta mas muito raras, era no rio que passava-mos grande parte dos nossos tempos livres, de verão eram constantes as idas e vindas ao rio era de lado de Mourão (Espanha) os melhores sítios para tomar banho havia uma cascalheira em declive que para nós era a praia perfeita a água era limpa o rio mesmo de verão tinha um caudal forte e só de barco era possível transpô-lo vezes sem conta fomos transportados pelo Ti Joaquim peixeiro, bom homem, penso que Montesarense por nascimento e pescador de profissão, que vivia numa malhada sobranceira ao rio, e que tirava dele a sua subsistência, era um homem de poucas falas curtido pelo sol e pelas agruras da vida, recordo-me que usava uns óculos muito grossos tipo fundo de garrafa e ainda hoje parece que o vejo vergado sobre o peso de uma caixa retangular de madeira onde transportava os peixes, e de onde saiam duas cordas que enfiava nos ombros, algumas vezes me interroguei sobre o porquê do aparentemente tão incomodo recipiente, mas hoje percebo que deveria ser a única forma de fazer chegar aos clientes a mercadoria em perfeitas condições, já que o percurso até às aldeias vizinhas era feito a pé e a distancia ainda era considerável. Quis o destino que o mesmo rio que lhe deu vida também lhe a tirasse, morreu afogado no Guadiana subsistindo até hoje a dúvida se foi um acidente ou se suicidou. De Inverno pescávamos á linha bogas e deitávamos os guitos e as cordas para os barbos e enguias, de primavera e verão a pesca era ao achegã, todos nos iniciávamos muito cedo nas artes da pesca normalmente pela mão dos homens mais velhos, ainda me recordo da minhas primeiras vezes não deveria ter mais que 7 ou 8 anos e precisamente por isso para a ribeira (rio) só com alguém de muita confiança, era com o Domingos Palhas e o Cacharamba que os meus pais me deixavam ir, á época não sei o que mais me seduzia se a pescaria se a viagem até ao rio já que era feita montado numa burra. Ambos eram pescadores experimentados o Domingos Palhas porque sendo um pequeno seareiro as labutas agrícolas deixavam-lhe algum tempo livre o Cacharamba tinha todo o tempo do mundo já que homem ainda jovem e em consequência de um acidente de trabalho no monte do Barrocal tinha ficado incapacitado deslocando-se com a ajuda de dois cacheiros daí a alcunha de Cacharamba, as canas normalmente eram da índia e as boias todas elas de fabrico artesanal feitas a partir de um qualquer bocado de cortiça, era de inverno e prolongando-se até ate á primavera o melhor período de pesca, era a mim que normalmente competia a tarefa de na véspera arranjar as minhocas, no dia e á hora combinada lá aparecia o Cacharamba montado na sua pequena burra branca, logo precedido pelo Domingos Palhas, que contrariamente ao habitual nesses dias montava a burra mais pequena, já que era a mais arisca, reservando-me para mim a mais mansa não queria o pobre homem arriscar, já que a preta tinha fama de vez em quando pregar com os cavaleiros no chão, o ultimo tinha sido o Elói quando uma tarde regressavam da pesca e não querendo perder pitada do relato do Sporting se lembrou de ligar o pequeno rádio portátil que tinha levado consigo, o resultado não se fez esperar e em poucos segundos estava o Elói com os canastros no chão. QUE SAUDADES DO GUADIANA.


" Texto: Isidro Pinto Foto António Caeiro"