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domingo, 20 de março de 2022

A LENDA DO ABASTECIMENTO DE ÁGUA A MONSARAZ

 

Fonte do Telheiro
Fonte do Telheiro


A LENDA DO ABASTECIMENTO DE ÁGUA AO POVO  QUE MORAVA NO CÉU, EM MONSARAZ


Num Domingo do mês de Outubro de outros tempos, durante o almoço, o avô disse ao neto que, a seguir iam dar um passeio, para ele ver uma obra de alvenaria no Monte Novo do Seixo, perto de Montes Juntos, o neto vibrou de alegria porque, como sempre, seria mais uma aventura em companhia do avô!

Feitos os preparativos, saíram para sul em direção a Montes Juntos, estava um dia ameno, mas no céu havia nuvens soltas, formando grandes castelos, mas sem ameaças de chuva! 

O neto, não cabia em si de contente e, falava, falava, fazendo comentários sobre tudo, o que viam pelo caminho, pedindo sempre a aprovação do avô, ficando muito vaidoso por já perceber dos assuntos dos homens! 

Quando entraram na herdade do Terraço, avistaram a Vila de Monsaraz, e o neto não se conteve e começou a gritar, muito entusiasmado: 

Neto: Avô, avô, olhe, olhe, lá está a tal terra no céu! 

Avô: Qual Terra no céu? Ah! É Monsaraz! Então, no dia que fomos à lenha não te disse que além era Monsaraz?

Neto: Pois disse, avô, mas já viu que hoje não está no mesmo sítio do outro dia! Hoje até está do céu para cima! 

Avô: Na verdade, até parece que tens razão, mas não tens, porque é ilusão, aqui da nossa posição parece-nos que está acima das nuvens, mas não está no céu! 

Neto: Olhe que não sei avô, não sei, eu acho que está! Então se as nuvens estão no céu, aquela Terra ainda está mais para cima das nuvens, não pode estar noutro lado, senão no céu, ou para cima dele! 

Avô: Já te disse que não passa de ilusão, mas que a Vila de Monsaraz está lá muito alta, isso está! 

Neto: Então, o avô já lá foi?

Avô: Já, já, conheço muito bem a Vila de Monsaraz, é muito bonita! 

Neto: Então e como é que o avô subiu lá para o céu? Por algumas escadas?

Avô: Oh neto, toma lá tato, a Vila de Monsaraz fica num outeiro muito alto, mas não é no céu, daqui é que parece que está pregada ao céu, mas não está! Quando lá fui, subi por uma ladeira que os homens fizeram para subir e descer a buscar as coisas que lá precisam!

Neto: Avô, têm vir buscar tudo cá abaixo, porque não têm nada lá em cima?

Avô: Têm lá muita coisa, mas vai quase tudo cá de baixo! 

Neto: Levam quase tudo para cima, menos água, não é avô? Ela vem lá de cima, devem ter lá muita água! N 

Avô: Não, neto, pelo contrário, esse é um dos maiores problemas da Vila de Monsaraz, porque a água que bebermos, nasce na terra, como lá em cima é tudo rochas, assim, o povo de Monsaraz, também tem de descer e subir, com a água às costas ou carregada por cavalos, bestas e burros, embora lá fique alguma da chuva em cisternas, mas não chega para todos! 

Neto: Eh avô, coitados, deviam passar lá muita sede! 

Avô: Não, neto, não passavam sede, porque tinham muitas maneiras de fazer o abastecimento de água, não era fácil, mas tinham água! O avô já te conta como era feito o abastecimento de água à Vila de Monsaraz noutros tempos! 

Sabes que, os primeiros povoadores que foram para lá morar, ainda antes dos Mouros, fizeram logo uma cisterna para guardar a água da chuva e essa água durava para muitos meses, mas nesse tempo, as pessoas desciam as encostas do Monte todos os dias, a trabalhar nas terras e a guardar o gado e, quando voltavam a casa levavam cá de baixo, das Fontes, a água que precisavam para beber!  

Depois, de ser dos portugueses a  Vila de Monsaraz começou a crescer e o Rei D. Dinis mandou acrescentar e reforçar o Castelo e nessa altura fizeram uma cisterna e um poço lá dentro, para abastecer de água quem lá morava, assim como a guarnição militar e para terem água em caso de cerco pelo inimigo! 

Com o passar do tempo a população foi aumentando, tinha cada vez mais pessoas, logo, era preciso mais água, porque sem água ninguém vive, então, o governador mandou abrir um poço muito fundo, chamado poço D' El-Rei que, forneceu água aos moradores de Monsaraz durante muitos séculos, porém,  deixou de ser suficiente e tiveram de encontrar outras maneiras de ter mais água e, na centúria de 1500, a Câmara mandou construir uma grande cisterna na praça da Vila, à qual chamaram cisterna da Vila com grande capacidade, era o reservatório de água mais importante da Vila e recolhia as águas das chuvas que caiam nos telhados de quase todas as casas da rua principal, chamada Rua Direita e, um sistema de caneiras faziam entrar a água nessa cisterna. pelo que,  quando chovia ficavam com muita água para todos, mas em anos secos, quando chovia pouco, havia falta de água e tinham de a carregar lá para cima!

No início dos anos de 1800, a cisterna da Vila estava muito danificada, descuidaram-se em a arranjar e começou a faltar a água, então a Câmara mandou abrir um poço na praça da Vila, com sete a dez metros de fundo, porque, pensavam que resolviam o problema, mas esse poço dava pouca água e sem qualidade, acabando por desaparecer e convenceram-se que, o melhor reservatório de água era a cisterna da Vila e foi arranjada!

Ainda havia outra cisterna em Monsaraz, mas era privada e estava no interior da casa do Juiz de Fora, o homem mais rico da Vila, à qual, os moradores não podiam chegar! 

O abastecimento de água à Vila de Monsaraz, ao longo dos tempos, foi feito por três cisternas, contando com a da praça do castelo e a particular e por três poços, o poço D' El-Rei, o poço da praça da Vila e o poço da guarnição também dentro do castelo, mas desde sempre, os montessarenses, recorreram às Fontes de boas águas em vários lugares nos arredores da Vila, sendo mais conhecidas, a Fonte do Telheiro, a Fonte dos Poços Novos e a Fonte da Colaça, sendo o transporte da água a partir dessas Fontes feito em cântaros de barro às costa dos moradores, ou em cavalos, mulas e, principalmente pelos aguadeiros, os homens que vendiam a água às portas das casas na Vila, andavam todo o dia, desde madrugada, descendo e subindo as ladeiras, chegando quase ao esgotamento e muitas vezes o cansaço era tanto que para subirem, tinham de agarrar a cauda dos burros para os ajudarem a subir, mas nunca negavam água aos montessarenses!

Sabes que, nenhuma Fonte forneceu tanta água e de boa qualidade, à Vila de Monsaraz, como a Fonte do Telheiro, a qual, mesmo nos anos muito secos, quando secavam todas as Fontes na região, esta, deu sempre água em abundância! 

Neto: Então, assim as pessoas que moravam lá no céu, não passavam sede? 

Avô: Nâo, neto, de uma maneira ou outra, tinham sempre água, quando chovia todas as vasilhas serviam para apanhar a água dos beirais, até os tachos e as panelas, porque a água da chuva é muito boa para beber e para cozinhar, não há melhor água para cozer os grãos e o feijão e, além disso, como te disse, a dita Fonte do Telheiro nunca deixou de lhes dar água em abundãncia! 

Neto: Eh, avô, eu gostava muito de ver essa Fonte e aquela Terra no céu! 

Avô: Fica descansado neto, um dia vais conhecer isso tudo.

Assim, durante a viagem, o avô contou ao neto, à sua maneira, o que sabia sobre o abastecimento de água, durante séculos, aos moradores da Vila de Monsaraz.

Fim 


Texto: Manuel Correia Manuel Fotografia: Isidro Pinto

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