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domingo, 21 de maio de 2023

HISTÓRIAS BEM CAÇADAS – CAÇADA AOS COELHOS NA SERRA DA BARRADA

 

HISTÓRIAS BEM CAÇADAS – CAÇADA  AOS COELHOS NA SERRA DA BARRADA


Lá fora a chuva caia insistentemente, estava aquilo a que se poderia chamar uma autentica manha de inverno, a caçada aos coelhos na serra da Barrada/Motrinos, havia tempo que estava combinada, de Lisboa viriam seguramente já a caminho os companheiros habituais, que desta vez a nosso convite, se faziam acompanhar de um amigo e colega de trabalho, transmontano de nascimento, mas a viver em Lisboa, onde desempenhava importante cargo na multinacional onde todos trabalhávamos, da terra estavam os habituais companheiros e muito embora, por razões profissionais não fosse companheiro de todos os dias, desta vez estava também o Lumumba, que por sua vez havia convidado um seu amigo de Reguengos, Adegueiro de profissão que trouxera com ele um outro amigo e ajudante de ofício.

A manhã e as condições naturais da vegetação da serra da Barrada, a isso obrigavam, todos nos equipamos por forma a protegermo-nos como podíamos, não só da copiosa chuva que não parava de cair, mas também das densas estevas e dos terríveis tojos gatuns. As condições eram tão adversas, que nem os cães caçavam convenientemente, fazendo que o resultado da caçada, fosse quase nulo. 
Cansados e encharcados até à medula, resolvemos reunir o grupo e fazer uma pausa, escolhemos uma pequena clareira no meio do mato, por onde passava um caminho, obviamente que o primeiro que se fez, foi tentar arranjar lenha minimamente seca para acender o lume, apesar de não ter sido tarefa fácil, após algumas tentativas, conseguimos acender um grande lume, e cada um aproveitava como podia para secar os pés e as roupas, junto ao caminho onde fizemos o lume, existia um declive próprio da abertura do mesmo, onde alguns se sentaram e de entre eles o Adegueiro, amigo do Lumumba, que inadvertida e imprudentemente tinha sobre os joelhos, a espingarda carregada e fechada, os animais sempre tão nossos amigos e como tal um dos cães do Adegueiro, empinou-se a ele tocando inadvertidamente nos gatilhos da espingarda, um enorme estrondo e um tiro disparado para o chão e para o lume, no meio de todos nós, perante a incredibilidade de todos, imediatamente o amigo do Adegueiro gritava de dores agarrado às partes intimas, enquanto o nosso amigo Transmontano fazia o mesmo, agarrado às nádegas, passados os primeiros momentos de pânico, e para avaliação da situação calças abaixo e efetivamente um estava ferido nas nádegas e outro nos genitais, eis que com o sarcasmos que lhe era conhecido diz o Meireles! ENTÃO AGORA EXPLIQUEM LÁ À GENTE EM QUE POSIÇÃO É QUE VOCÊS ESTAVAM, PARA UM FICAR FERIDO NO RABO E OUTRO NOS TINTINS. 

A explicação era simples um estava de frente para o lume e o outro estava de costas. Felizmente nenhum necessitou de tratamento hospitalar, mas poderia ter sido uma situação muito trágica.
A VIDA É FEITA DE MEMÓRIAS

"Texto e fotos de Isidro Pinto"

sexta-feira, 19 de maio de 2023

JÁ NÃO HÁ VERDEMANS NA PEGA

 JÁ NÃO HÁ VERDEMANS NA PEGA


Muito longe vão os tempos em que este pequeno afluente do Azevel, nascido perto do Baldio e atravessando toda a freguesia de Monsaraz, corria por vezes caudaloso, arrastando consigo enormes quantidades de laranjas, das muitas hortas que havia nas suas margens e que caprichosamente abandonava no espraiar das águas, junto a Ponte dos Frades, onde a rapaziada as recolhia.
Recordo-me de ir à Pega à atabua, para tapar a serra da palha, de ir ajudar o Cacharamba a recolher o buinho para o fundo das cadeiras, de irmos apanhar o aloendro para enfeitar os mastros dos santos populares, mas aquilo que não me sai mesmo da memória, foi as vezes sem conta, que calcorriando matos e restolhos, munidos de uma improvisada rede de arrasto, que não era mais que um pedaço de rede com um pau em cada extremidade, que arrastada pelo fundo do pego apanhava as tão desejadas verdemans.
Tratando-se de uma ribeira que só de inverno corria, os pegos era o garante da continuidade de biodiversidade, de uma época para a outra, recordo-me do pego do porto da Lage junto à anta do olival da Pega, do pego dos Andorinhos e do pego da Rocha do Demo, que apesar do mau acesso eram os que devido ao fundo arenoso, permitiam melhores capturas de verdemans, isco tão ao gosto dos recém introduzidos no Guadiana, Achigã. Recordo com saudade a companhia destas lides, o meu amigo Manuel Rela e a paciência infinita do Ti Rela, que nos deixou dividir ao meio o tanque da rega, para aí criarmos as condições de um suposto pego para mantermos as verdemans em cativeiro.
Jámais esquecerei o pulsar de vida que eram em alguns casos estes pequenos charcos, aqui se recolhiam verdemans, pardelhas e até as indesejáveis sanguessugas e tudo o que de aquático se podia considerar, esperando a passagem do estio e aguardando por um novo ciclo.
Nas suas redondezas sequiosos por matar a sede se concentrava toda a espécie de aves entre rolas, cotovias, trigueirões, pardais, papa-figos, abelharucos e toda uma infinidade de espécies à época tão abundantes.
Hoje infelizmente a ribeira não corre os pegos não existem e JÁ NÃO HÁ MAIS VERDEMANS NA PEGA.
Texto: Isidro Pinto

terça-feira, 9 de maio de 2023

HISTÓRIAS BEM CAÇADAS.


HISTÓRIAS BEM CAÇADAS




 Porque a vida é feita de memórias, vou hoje dar início a algumas histórias a que chamei, HISTÓRIAS BEM CAÇADAS.

Tal como costumo dizer, para tudo há um tempo na vida, muito embora tenha sido uma atividade que há muito deixei para trás, também eu tive os meus tempos de caçador, a caça era à época uma atividade de lazer muito comum principalmente nos meios rurais, foi nessa qualidade de caçador que vivenciei alguns episódios em que o seu quê de pitoresco e divertido ainda hoje recordo com saudade.
Não vou precisar o ano, mas muitas luas passaram sobre aquele dia de inverno, em que transportados no velhinho Mercedes carcomido pelo calcorrear das ruas de Lisboa como táxi e que depois de uma apurada operação de maquilhagem, tinha passado de verde a azul, e não fosse o enorme desgaste de uma longa e dura vida de trabalho, dir-se-ia que era um Mercedes e peras, recordo dele as vezes sem conta que quando da minha permanência em Sines por questões laborais, tinha que o deixar na descida para a zona ribeirinha, porque de manhã pegar não era com ele.
Era mais um dia de caça aos pombos-bravos, de Lisboa tinham vindo dois amigos e colegas de trabalho, da terra os dois ou três do costume e, porque o espaço para os ocupantes e respetivas tralhas era maior, deixamos em Monsaraz os carros dos Lisboetas e fizemo-nos transportar no velhinho Mercedes azul. O destino seria o Cerro do Grifo na herdade de Galeana, Galeana era e continua a ser uma referência no meio taurino, em virtude de ser aí que pasta a prestigiada ganadaria brava de ferro Grave.
Consciente do perigo que pressupunha, aceder ao Cerro do Grifo, por dentro de Galeana várias foram as vezes que contornamos esse obstáculo, indo pelo lado da Ameada e Orvalha, acedendo assim ao referido cabeço (cerro), sem ter que passar por inúmeras cercas pejadas de toiros bravos.
Nesse dia e mais uma vez lá fomos nós a caminho da Orvalha (pequena herdade limítrofe de Galeana). Caçar aos pombos implica estar por ali bastante cedo, sem acesso às tecnologias de hoje que há distância de uma pesquisa sabes, a que horas nasce o sol, alguém deve ter marcado a hora demasiado cedo, passado que foi o antigo posto da Guarda Fiscal da Ameada, chegamos à Orvalha ainda noite cerrada, estacionamos naquilo a que todos chamamos rua do Monte, não só pelo aspeto pouco cuidado do casario, mas também pela total ausência de sinais de habitabilidade, nem cães, nem gatos e muito menos os galos a cantar na capoeira, todos deduzimos que ali não vivia ninguém, o frio característico das gélidas manhãs de inverno, obrigou-nos a ficar dentro do carro, o embaciar dos vidros era uma constante obrigando a que de vez em quando, com o antebraço cada um fosse limpando o vidro do seu lado, enquanto ao pendura competia a tarefa de ir limpando o para-brisa. Fora a escuridão da noite era total, o que fazia com que todos os nossos sentidos e principalmente a vista reagissem ao mais ínfimo raio de luz, apenas se descortinava uma ténue claridade do branco das paredes da fachada do monte, de repente, a escassos metros de nós eis que uma porta se abre e na difusa luz que vinha de dentro, surge a silhueta de uma mulher cuja transparencia da camisa de dormir deixava antever, uma mulher jovem, trazia entre mãos um alguidar com água, provavelmente a água onde tinham feito a sua higiene matinal, a estupefação foi total para ambos os lados, dentro do carro alguém gracejou (Ó QUE BELO EXEMPLAR DE GALINHA DO CAMPO A UMA HORA DESTAS), quanto à senhora o susto de ver um carro cheio de gente à sua porta foi de tal ordem que não conseguindo segurar o alguidar deitou fora alguidar e tudo correndo a fechar-se em casa.
Supomos que a partir de ali e até ao completo raiar do dia em que saímos do carro, devemos ter estado sob a mira da espingarda de algum pastor.
A VIDA É FEITA DE MEMÓRIAS.

“Texto e foto de Isidro Pinto”

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

OS COELHOS NO PALHEIRO DO TI RELA

 MEMÓRIAS DA MINHA ALDEIA “OS COELHOS NO PALHEIRO DO TI RELA”



A gente lembra-se de cada coisa.
Hoje quando fui fazer a minha caminhada matinal passei ao que agora chamamos Monte Verde, mas que, na verdade, continua a ser conhecido por todos nós como o Monte do Ti Rela.
em outros textos referi a minha relação de amizade e proximidade com esta família, nomeadamente com o recentemente falecido Manuel Rela, com quem além da amizade desde crianças tínhamos a afinidade da idade, já que apenas 5 dias nos separavam.
Nesses tempos a debulha dos cereais era feita por máquina debulhadoras fixas e a palha daí resultante era carregada a granel em carroças previamente apetrechadas para tal fim com uma rede própria, onde muitas vezes era precioso o trabalho dos miúdos, cuja tarefa consistia em calcar a palha dentro da rede, sendo posteriormente armazenada nas célebres serras da palha ou nos palheiros, trabalho penoso a que ainda assisti e colaborei.
A parte do monte virada a poente era destinada à habitação, na parte de trás virada a nascente eram as cabanas e o palheiro, nessa época os coelhos bravos não eram propriamente uma praga, mas existiam em grandes quantidades, às vezes quase coabitando com o pessoal que vivia nos montes.
O palheiro do Ti Rela não era mais que uma dependência de 14 ou 15 metros quadrados comunicando com o exterior por uma porta de madeira com um buraco em baixo a que se chamava gateira, que tal como o nome deixa intuir servia para os gatos poderem entrar e sair dando dessa forma caça aos ratos. Já que a gateira era mesmo à sua medida, um ou outro coelho mais afoito passou também a resguardar-se no palheiro ou, porque se reproduziram ou, porque uns foram convidando os outros, eram já muitos os coelhos que tinham como esconderijo o palheiro do Ti Rela, facto esse que não passou desapercebido ao Manel.
Ó! Pessoal um dia destes temos que ir apanhar uns coelhos para o petisco lá ao meu palheiro!!
A equipa já não me recordo bem, mas devia ser a mesma de sempre Eu, o Manel, o Armando Oliveira, o Relâmpago, o Zip e provavelmente o Chico Moca, mais que a aliciante do petisco, o que mais nos movia era a parte hilariante da questão, já que antevíamos que não devia ser nada fácil apanhar os coelhos à mão no meio da palha.
O palheiro, à semelhança de quase todos os palheiros, além da porta com postigo e gateira, não, possui qualquer outra abertura que permitisse a entrada da luz, munidos com uns ramalhos de azinho, resgatados da meda da lenha e
depois de tapada a gateira entramos todos de rompante para dentro do palheiro, aqui de pilho além te ganso, não tardou nada que fruto do pó da palha a visibilidade lá dentro fosse completamente nula, a confusão era total com
verdascadas aleatórias em todos os sentidos, recordo o saudoso Armando Oliveira que dizia, PORRA ORIENTEM-SE LÁ QUE ESTOU FARTO DE LEVAR VERDASCADAS E NÃO APANHEI NENHUM COELHO!!!
Com três ou quatro coelhos para o petisco, saímos de lá cuspindo palha e como croquetes acabados de passar por farinha.
Continuo a pensar que todos aqueles que nascemos e crescemos na ruralidade de uma pequena aldeia de província fomos, na verdade, uns privilegiados.
Texto Isidro Pinto
Para o Manuel Rela e o Armando Oliveira, os meus amigos e companheiros desta e de muitas outras aventuras, que Deus tenha as suas almas em eterno descanso.

"Texto e foto Isidro Pinto"

sábado, 28 de janeiro de 2023

O TI BOLAS E O ALMOÇO NA CHANCANA.

 O TI BOLAS E O ALMOÇO NA CHANCANA.


Os tempos eram outros, os recursos naturais na maioria das vezes eram uma forma de amenizar as dificuldades do dia a dia, a caça na altura praticada por muito poucos, era muitas vezes uma forma de pôr carne na mesa e quando o excedente existia vendia-se aos vizinhos ou trocava-se por outros bens.
Daquilo que me recordo desses tempos e apesar dos mais distintos processos de captura existia uma enorme abundancia de todas as espécies, não só de caça menor (Coelhos, Lebres, Perdizes, Rolas, Tordos, Pombos e etc.) mas também de toda a espécie de passarada, guardo na memória os enormes bandos de Calhandras e Trigueirões na altura das sementeiras, ou as Abibes na altura dos alqueives, sem esquecer os Tordos, os Melros, os Papos Amarelos e os Pardais do Mato no tempo da azeitona.
As máquinas agrícolas eram quase inexistentes e todo o trabalho agrícola desde a preparação dos solos às sementeiras, às colheitas e debulha tudo era feito com bestas e à mão.
O Ti Bolas algumas vezes assalariado nas grandes herdades outras seareiro por conta própria, andava esse ano fazendo a sementeira com a ajuda da sua parelha de machos detrás da serra dos Motrinos, na Herdade da Chancana. Era prática comum nesse tempo meia dúzia de armadilhas e era caçada certa. Vendo os enormes bandos de Calhandras, Cotovias e Trigueirões e na esperança de caçada fácil, recomendou o Ti Bolas á senhora sua esposa ó Maria!! Para amanhã não precisas de mandar nada para o almoço, manda-me só aí umas pedras de sal num talego que eu levo as armadilhas e apanho uns pássaros para o almoço.
Quis o acaso que no outro dia e apesar de ter amanhecido bonito logo ás primeiras horas da manhã levantou-se um gélido e forte vento norte que não havia pássaro que parasse por aquelas bandas, chegou-se a hora do almoço e pássaros nada, olhando o céu e á passagem de um altíssimo bando de Calhandras cheio de fome mas resignado comentava para si o Bolas, OLHA LÁ ONDE VAI O MEU ALMOÇO!!!!.



terça-feira, 10 de janeiro de 2023

MEMÓRIAS DO GUADIANA

 MEMÓRIAS DO GUADIANA





São inúmeras as vezes, que já aqui referi em anteriores textos, a relação de proximidade, que todas estas povoações ribeirinhas, tinham com o Guadiana. No caso da Freguesia de Monsaraz, essa relação era transversal a todas as aldeias, sendo no entanto mais forte, em função da menor distância, a que estas se encontravam do rio, Ferragudo Telheiro e Monsaraz, eram aquelas que sentiam que do Calvinos ao Mendonça era o seu pedaço de rio.
Muitas são as memórias desse rio e desses tempos, memórias de alegria, de tristezas e algumas de um misto de sentimentos, que ainda hoje a mente teima em não querer recordar.
Não sei ao certo quantos anos teríamos, mas há muito que a puberdade tinha ficado para trás, seriamos talvez mocetões de 18 ou 19 anos.
Os invernos eram mais chuvosos e os ribeiros alimentavam o Guadiana com um caudal bastante forte até ao início do verão. O Guadiana era vida feita de ciclos e para trás tinham ficado as grandes cheias com a fertilização das margens e a subida das bogas pelos ribeiros, fazendo de Março e Abril, os meses da desova do Barbo, que consequentemente traziam ás cascalheiras, a jusante do Gato, uma abundância enorme de peixes, qualquer método de pesca era eficaz, recordo o saudoso Joaquim Cardoso, que quando pescávamos à linha na cascalheira do Gato, sempre metia dois anzois na ponta da linha, quando caía o primeiro sempre comentava! Um já lá está agora é só esperar que caia o outro, a abundância era de tal ordem, que era normal cada anzol trazer um peixe. Era a época da Tarrafa (rede de pesca) bastava deixar anoitecer e duas ou três tarrafadas na cascalheira era cesto cheio, foi numa dessas noites de pesca, que apanhei o maior susto da minha vida, e que mantive em segredo até quase aos dias de hoje e que a mente continua a ter medo de recordar.
Os barbos andam malucos! Logo a noite devíamos ir a eles! Dizia-me o Zip (alcunha do Joaquim Inácio), a reposta era quase sempre a mesma. VAMOS! Desta vez além do Zip e Eu levámos também o ti Miguel Latoeiro (pai do Zip) tendo em consideração que o Zip era o mais novo dos irmãos à época o Ti Miguel seria homem a rondar os 60 anos, já não me recordo como fizemos o percurso até ao moinho do Gato, mas provavelmente de motorizada, chegamos ao rio e havia que transpo-lo para o lado da cascalheira, que ficava do lado de Mourão. Não me recordo de quem era o barco, se do ti Joaquim Peixeiro ou do Paulino, mas havia sempre a montante do açude junto ao moinho um barco típico do Guadiana, que independentemente de quem fosse o dono, era chegar e utilizar, dado que nessa época quem por aqui deambulava era tudo gente conhecida. Atarrafas, lanternas e cestos para o peixe tudo dentro do barco e lá vamos nós na expetativa de uma boa pescaria, tanto eu como o Zip apesar de mocetões, mas por via das circunstâncias e proximidade com o rio éramos barqueiros experimentados, todos sabíamos que o açude do Gato tinha um enorme rombo que com o caudal que se fazia sentir tudo sugava com uma força aterradora, projetando toda a sua ira nas rochas a jusante do referido buraco.
Atravessar o rio a partir do moinho do Gato, pressupunha subir perpendicularmente junto a margem, 100 ou 200 m metros e só depois atravessar. Teimosia de velhos quis o Ti Miguel esse dia levar ele o barco, a noite estava escura como breu, mesmo com as lanternas o campo de visão não ultrapassaria 15 ou 20 metros. Ti Miguel olhe que tem que subir junto a margem e só depois atravessar se não, a força do rombo arrasta-nos! Recomendava eu. Está bem! Está bem! Dizia o Ti Miguel com a convicção de que naquela idade já se sabe tudo. Não sabemos ao certo se não subiu o suficiente, ou por deficiente forma de remar, foi o barco perigosamente e sem que nos déssemos conta, aproximando do rombo do açude, persentindo que algo não estava bem e, porque já era audível o assustador sussurro das águas, acendemos as lanternas e assolou-nos um tremendo calafrio, estávamos a escassos metros de uma morte certa, de onde o Ti Miguel já não nos conseguia tirar, de um gesto vigoroso e enérgico, próprio de quem sabe que está a 5 ou 6 segundos de uma enorme tragédia, o Zip derrubou literalmente o Ti Miguel do banco do remador e com o vigor próprio da juventude, lutou desesperadamente durante algum tempo, para tirar o barco daquela situação, a força exercida pelos remos, era igual à força da corrente e o barco mantinha-se estático, como flutuando entre a vida e a morte, vieram há memoria os pais, as namoradas e toda uma vida que ficava por viver, quiz Deus ou alguma força divina, que após estes angustiantes minutos o barco saísse daquela situação.
Não sei se o Zip já contou a alguém, mas subconscientemente, fizemos um pacto de silêncio, que só hoje, passados mais de 50 anos conseguimos falar do assunto. Mesmo assim, tenho SAUDADES DO GUADIANA.