HISTÓRIAS BEM CAÇADAS
Porque a vida é feita de memórias, vou hoje dar início a algumas histórias a que chamei, HISTÓRIAS BEM CAÇADAS.
Tal como costumo dizer, para tudo há um tempo na vida, muito embora tenha sido uma atividade que há muito deixei para trás, também eu tive os meus tempos de caçador, a caça era à época uma atividade de lazer muito comum principalmente nos meios rurais, foi nessa qualidade de caçador que vivenciei alguns episódios em que o seu quê de pitoresco e divertido ainda hoje recordo com saudade.
Não vou precisar o ano, mas muitas luas passaram sobre aquele dia de inverno, em que transportados no velhinho Mercedes carcomido pelo calcorrear das ruas de Lisboa como táxi e que depois de uma apurada operação de maquilhagem, tinha passado de verde a azul, e não fosse o enorme desgaste de uma longa e dura vida de trabalho, dir-se-ia que era um Mercedes e peras, recordo dele as vezes sem conta que quando da minha permanência em Sines por questões laborais, tinha que o deixar na descida para a zona ribeirinha, porque de manhã pegar não era com ele.
Era mais um dia de caça aos pombos-bravos, de Lisboa tinham vindo dois amigos e colegas de trabalho, da terra os dois ou três do costume e, porque o espaço para os ocupantes e respetivas tralhas era maior, deixamos em Monsaraz os carros dos Lisboetas e fizemo-nos transportar no velhinho Mercedes azul. O destino seria o Cerro do Grifo na herdade de Galeana, Galeana era e continua a ser uma referência no meio taurino, em virtude de ser aí que pasta a prestigiada ganadaria brava de ferro Grave.
Consciente do perigo que pressupunha, aceder ao Cerro do Grifo, por dentro de Galeana várias foram as vezes que contornamos esse obstáculo, indo pelo lado da Ameada e Orvalha, acedendo assim ao referido cabeço (cerro), sem ter que passar por inúmeras cercas pejadas de toiros bravos.
Nesse dia e mais uma vez lá fomos nós a caminho da Orvalha (pequena herdade limítrofe de Galeana). Caçar aos pombos implica estar por ali bastante cedo, sem acesso às tecnologias de hoje que há distância de uma pesquisa sabes, a que horas nasce o sol, alguém deve ter marcado a hora demasiado cedo, passado que foi o antigo posto da Guarda Fiscal da Ameada, chegamos à Orvalha ainda noite cerrada, estacionamos naquilo a que todos chamamos rua do Monte, não só pelo aspeto pouco cuidado do casario, mas também pela total ausência de sinais de habitabilidade, nem cães, nem gatos e muito menos os galos a cantar na capoeira, todos deduzimos que ali não vivia ninguém, o frio característico das gélidas manhãs de inverno, obrigou-nos a ficar dentro do carro, o embaciar dos vidros era uma constante obrigando a que de vez em quando, com o antebraço cada um fosse limpando o vidro do seu lado, enquanto ao pendura competia a tarefa de ir limpando o para-brisa. Fora a escuridão da noite era total, o que fazia com que todos os nossos sentidos e principalmente a vista reagissem ao mais ínfimo raio de luz, apenas se descortinava uma ténue claridade do branco das paredes da fachada do monte, de repente, a escassos metros de nós eis que uma porta se abre e na difusa luz que vinha de dentro, surge a silhueta de uma mulher cuja transparencia da camisa de dormir deixava antever, uma mulher jovem, trazia entre mãos um alguidar com água, provavelmente a água onde tinham feito a sua higiene matinal, a estupefação foi total para ambos os lados, dentro do carro alguém gracejou (Ó QUE BELO EXEMPLAR DE GALINHA DO CAMPO A UMA HORA DESTAS), quanto à senhora o susto de ver um carro cheio de gente à sua porta foi de tal ordem que não conseguindo segurar o alguidar deitou fora alguidar e tudo correndo a fechar-se em casa.
Supomos que a partir de ali e até ao completo raiar do dia em que saímos do carro, devemos ter estado sob a mira da espingarda de algum pastor.
A VIDA É FEITA DE MEMÓRIAS.
“Texto e foto de Isidro Pinto”
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