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segunda-feira, 6 de abril de 2020

A LENDA DO PRÍNCIPE ABDALÁ DE MONSARAZ


A lenda do príncipe Abdalá de Monsaraz que, morreu por amor à filha do Moleiro Almir

Em quase todas as terras do Sul, encontramos lendas sobre mouros e mouras, umas encantadas outras desencantadas e, também na Villa de Monsaraz, povoada por esse povo, cerca de quatro séculos, existem lendas dessa época, entre as quais, a que descrevemos.
História, lendas e tradições da Villa de Monsaraz



Nos tempos do reino Mouro de Badajoz, 1009 – 1150, quando reinava o rei Abdalá Ibne Maslam Almançor, o mesmo, nomeou o seu filho, o prínicpe Omar, governador e senhor das terras de Monsaraz, onde residia com a sua família, sendo os seus filhos educados aqui, pelos melhores mestres, vindos da Corte de Badajoz!
O filho mais velho, o príncipe Abdalá que, ostentava o mesmo nome do seu avô, era um rapaz alto, magro, moreno, atlético, de olhos verdes, senhor de grande beleza, muito cobiçado pelas princesas deste reino e, dos reinos vizinhos, mas nem Abdalá, nem os irmãos e irmãs, podiam escolher as noivas e noivos, porque, os mesmos, eram escolhidos pelas famílias, a fim de reforçar a amizade entre os reinos, era um negócio familiar, também, com a finalidade, de se evitarem guerras entre eles!
O príncipe Abdalá, já estava prometido a uma princesa do reino de Mértola, chamada Aysha e, seria impensável ele e a família não cumprirem o contrato, seria uma desonra e, podia desencadear uma guerra, pelo que, estava fora de questão o príncipe não aceitar a noiva negociada!
O seu casamento foi anunciado e, a partir desse dia, o príncipe começou a ficar triste, porque, embora ainda não conhecesse pessoalmente a sua noiva, a descrição que lhe faziam dela, não era nada agradável, por isso, tinha pesadelos onde ela lhe aparecia numa figura aterradora, mas surgia entre eles, uma linda rapariga que o salvava das garras da noiva e o deixava muito feliz!
O príncipe, andava cada vez mais triste e recolhia-se nos seus aposentos, no castelo de Monsaraz, durante semanas sem sair, começando a preocupar a família! Começou por ser observado pelos físicos (médicos) de Monsaraz que, não lhe encontravam nada, até que, o governador mandou chamar os físicos da Corte que, concluíram o mesmo, o mal do príncipe era na alma, eram nervos, por isso, receitaram-lhe algumas mezinhas e, principalmente, muitos passeios pelos campos de Monsaraz!
As mezinhas começaram logo a fazer-lhe bem aos nervos, começou a fazer passeios diários a cavalo, pelos arredores de Monsaraz em companhia dos seus mestres e amigos e, no dia a dia começaram a verificar-se melhoras! Os seus passeios eram cada vez mais longos e alargados em termos geográficos, chegando até ao rio Guadiana, onde se sentia em paz, também, devido aos aromas dos perfumes da natureza!
Num lindo dia de primavera, o príncipe Abdalá, foi fazer o passeio habitual, montando o seu cavalo branco e, pediu aos seus mestres para o deixarem só, sentia-se melhor sozinho, foi descendo pelas margens do rio Guadiana, envolto nos seus pensamentos, sobre o seu casamento com aquela figura horrível que lhe aparecia nos pesadelos! Para fugir a esse casamento, pensou em se alistar nos exércitos do reino do seu avô, mas isso, não resolvia nada, mesmo assim, tinha de casar, naquele momento, estava a passar junto do Moinho do Mendonça, o cavalo fitou as orelhas dando sinal da presença de alguém, o príncipe interrompeu os seus pensamentos, levantou os olhos e viu na sua frente uma linda rapariga a cantarolar e a dançar, estendendo roupa por cima das tamujeiras, puxou as rédeas ao cavalo para parar e, ficou abismado com o que via, era ela, a rapariga que o salvava da noiva nos pesadelos! A rapariga pressentiu que estava a ser observada, virou-se e, ficou com o seus lindos olhos fixos nos olhos verdes do príncipe Abdalá! Não disseram uma palavra, ficaram naquela posição durante alguns segundos, até que, ela sabendo quem ele era, baixou os olhos em submissão e, quando os levantou, o príncipe tinha desaparecido.
O príncipe Abdalá entrou no castelo de Monsaraz e, fechou-se nos seus aposentos, deixando os familiares intrigados, porque, estavam convencidos que ele tinha melhorado! O governador chamou os mestres para saber o que tinha acontecido durante o passeio, mas eles, como não o acompanharam, não tinham nenhuma explicação para o sucedido!
O príncipe ficou três dias, sem se levantar da cama, aumentando a preocupação da família que, não descortinava a causa de tamanha tristeza e, quando pensavam que ele já estava bem, a situação tinha-se agravado, devido a ter encontrado a linda rapariga que, o salvava das garras da noiva indesejada nos pesadelos e, pela qual, estava loucamente apaixonado! Quando se recolheu, passou algumas horas a pensar quem seria a rapariga tão simples e tão formosa e, concluiu que, pelo sítio onde estava, só podia ser uma filha do Moleiro Almir, mas não podia divulgar nada, porque, sendo uma humilde subdita, ela podia correr risco de vida!
O príncipe esteve muito doente, com febres altas que, o faziam delirar, mas ninguém percebia nada do que dizia! Depois de passar alguns dias na cama, tomando as mezinhas dos físicos, começou a melhorar, até que, um dia levantou-se, preparou-se e mandou selar o cavalo branco, pouco comeu e, informou que ia dar o seu passeio, mas não queria ninguém por perto, mas o governador, mandou que, os mestres o seguissem à distância, porque, estava muito fraco e podia precisar de ajuda, mas ele apercebeu-se e, despistou os seus seguidores, quando deu por si, estava no Moinho do Mendonça, deixando o Moleiro Almir e a sua família, muito surpreendidos, porque, sabiam quem ele era, só não sabiam o que queria dali! Como ele esperava, lá estava a rapariga que, como todos, foi apresentada pelo pai, a sua filha chamada Alita! O príncipe, não se conteve e repetiu o seu nome, Alita e fixou os seus olhos nos dela, de tal maneira que, toda a família percebeu a sua intenção! A Alita, também sabia e, sentiu-se incomodada, mas desde o dia do seu encontro, ficou perdida de amor por ele, embora, sabendo que, era um amor impossível!
O príncipe Abdalá, como não tinha outra justificação para estar ali, mostrou interesse em saber como funcionava o Moinho ou Pizão, tentando ganhar a confiança da família da Alita, mas isso, não era necessário, porque, o seu interesse por ela, era uma grande honra para a família, mas sabiam que, no caso do governador de Monsaraz, não achar graça a essa paixão entre eles, podia dar-se uma desgraça na família!
Quando o príncipe Abdalá chegou a Monsaraz, depois desta visita, parecia curado, a família ficou surpreendida, sem perceber o que tinha acontecido! As suas visitas ao Moinho do Mendonça passaram a ser diárias, assim como, os encontros com Alita, com a cobertura das suas irmãs que, também andavam muito felizes por ela andar envolvida com um príncipe! O governador, era informado sobre as voltas que o filho dava, mas estava longe de imaginar, qual era o motivo que o levava, diariamente, ao Moinho do Mendonça, pensou que, era mais um devaneio na cabeça do filho e, se ele andava bem, deixá-lo andar!
O príncipe Abdalá, andava tão feliz que, não se lembrava da data do seu casamento, o qual, estava cada vez mais próximo e, foi quando a família o informou, sobre o começo dos preparativos que, ficou destroçado! Sabia que, não se podia negar a casar com Aysha, ou desonrava a sua família, incluindo o reino de Badajoz, onde o seu avô continuava a reinar!
No dia seguinte, no encontro com Alita, contou-lhe, o dilema em que se encontrava e, depois da troca de ideias, nenhuma fazia sentido, acabando por cair nos braços um do outro a chorar como crianças!
No dia seguinte, chegaram a Monsaraz, familiares e gentes da Corte de Badajoz que, iniciaram os preparativos para o casamento do príncipe, mas ele piorou e fechou-se nos seus aposentos, ficou novamente na cama e, à medida que o fatídico dia se aproximava, mais doente ele ficava, mas mesmo doente, tinha de casar!
Numa sexta-feira de Março, um mês muito chuvoso, amanheceu um lindo dia de sol, o príncipe, para alegria da família, melhorou consideravelmente, levantou-se, comeu alguma coisa, preparou-se, mandou selar o cavalo branco, informou que, ia dar o seu passeio habitual e não queria ninguém atrás! Quando saiu de Monsaraz, apercebeu-se que, os mestres o seguiam, mas como conhecia muito bem o terreno, seguiu na direção da serra da Barrada, mas deu umas voltas e despistou os mestres, eles deixaram de o ver e pensaram logo, que o seu destino era a casa do Moinho do Mendonça, para onde seguiram, mas foram enganados, o príncipe chegou ao rio Guadiana que, tinha grande caudal, meteu o cavalo à água, começando este a nadar sem dificuldade , mas quando ia a meio do rio, caiu do cavalo e desapareceu envolto na corrente!
Os pescadores que por ali andavam, assim que o viram entrar na água, não o perderam de vista, ficaram admirados, mas pensaram que ele ia atravessar o rio para seguir para Badajoz, assim que, o príncipe caiu na água, foram logo a nadar e em barcos em seu auxílio, mergulharam com risco de vida, durante horas, por toda a área onde o tinham visto desaparecer, mas não o encontraram!


As pessoas que andavam a trabalhar por perto, ouviram o pedido de socorro dos pescadores e foram a correr a ajudar, procuraram o príncipe, dentro e fora de água, pelo rio abaixo, mas não encontraram nenhum sinal dele! A notícia chegou rapidamente a Monsaraz, acorreram os familiares e os homens do governador para o procurar, mas só encontraram o seu cavalo branco, na manhã seguinte, a pastar, serenamente, na margem esquerda do rio Guadiana, na direção do Moinho do Mendonça!
Durante os dias e semanas seguintes, o príncipe Abdalá, continuou a ser procurado pelo rio Guadiana abaixo, até às terras dos reinos de Mértola e dos Algarves, mas sem sucesso, era um mistério para alguns que, diziam ter sido o afogamento encenado para fugir, porque não batia bem da cabeça, mas o príncipe não fugia, abandonando o seu grande amor, a Alita!
A causa do triste acontecimento, só a Alita a sabia e, passou por grande desgosto, mas foi muito apoiada pela família, acabando por, mais tarde, lhe contar o segredo, que levou o príncipe ao suicídio no rio Guadiana e, todos concordaram que, ficava só entre eles, não podia chegar aos ouvidos do governador de Monsaraz, porque, decerto, seria ela considerada a culpada e condenada à morte!
A seguir, a Alita disse-lhe que, ainda havia outro segredo, não menos perigoso e que, também, não podia chegar aos ouvidos da família do príncipe, então, a Alita contou que esperava uma criança do príncipe! A família ficou alarmada, mas combinaram que tinham de a proteger e traçaram um plano, ficaria escondida em casa, diziam que estava doente e como uma das irmãs também esperava uma criança, diriam que tinham nascido gémeos, ficando essa criança como sendo filha da sua irmã!
O plano correu bem e as crianças nasceram com alguma diferença de dias, mas isso foi resolvido, eram ambos do sexo masculino e foram criados como irmãos, mas à medida que o filho da Alita crescia, mais desconfiadas ficavam as pessoas, porque, a sua aparência com o príncipe Abdalá era evidente de mais e, exclamavam: O gaiato é tal e qual o príncipe Abdalá! E o rapaz respondia: Sou um príncipe Moleiro! Outras pessoas comentavam: Só lhe falta o cavalo branco, para ser o príncipe! E ele respondia: Não tenho cavalo branco, mas tenho a burra branca do Moinho! As pessoas achavam graça, mas diziam que havia ali algum mistério por desvendar, deixando a suposta mãe em maus lençóis!
O filho de Alita foi criado no Moinho do Mendonça, aprendendo com o avô, todas as artes do Moinho e, ao mesmo tempo, outros trabalhos na agricultura, era dotado de grande inteligência, educado, afável e, sempre pronto a ajudar os que mais precisavam!
A vida da família decorria normalmente, até que, um dia a Alita adoeceu, pensaram que era doença passageira, mas não era, o seu estado de saúde agravou-se, rapidamente e, como se sentia cada vez pior, chamou a família e disse-lhe que, não podia partir sem contar toda a verdade ao filho, ainda foi contrariada, mas ela disse que se não o fizesse, não partia em paz! Perante o seu derradeiro desejo, a família, concordou e o avô foi encarregado de o preparar, sem lhe contar o que devia ser contado pela sua mãe!
O rapaz chegou à cabeceira da cama de sua mãe que, ele pensava ser a tia, a qual, já o esperava e, a conversa começou, imediatamente, porque, a hora da Alita partir estava próxima e, podia não ter tempo de deixar tudo esclarecido! A Alita contou-lhe todos os pormenores sobre o seu grande amor pelo príncipe Abdalá e ele por ela, o que se tinha passado até ao dia do seu nascimento, assim como, os motivos, porque a família lhe tinha escondido a sua identidade! Depois de ouvir a mãe com muita atenção, compreendeu o motivo do mistério, abraçou-a e não a largou até à sua partida, a qual, minutos depois, faleceu nos seus braços.



No dia seguinte, com muito pesar, levou a mãe à sepultura e recolheu-se em casa, mas como já andava a pensar em partir para Badajoz, depois de, uma conversa com a família, pediu um pão ao avô, meteu-o num saco, pegou numa manta, despediu-se de todos, com a promessa que voltaria e, partiu pelo rio Guadiana acima, até à capital do Reino! Como sabia que, o reino de Badajoz estava a recrutar gente para o seu exército, dirigiu-se ao Castelo, apresentou-se e indicaram-lhe uma fila, onde estavam mais rapazes para o mesmo fim! Quando se movimentava para esse lugar, o rei que observava os rapazes que chegavam, teve uma visão, aquele rapaz parecia-lhe o seu sobrinho Abdalá, no entanto, sabia que isso não era possível, mas estava perante um mistério, por isso, mandou-o chamar à sua presença!
O rei perguntou-lhe quem era e de onde vinha e, quando o rapaz respondeu que, era ajudante de Moleiro, natural de Monsaraz, o rei estremeceu, porque, ficou sem dúvida que o rapaz era um bastardo, filho do seu sobrinho Abdalá! Mandou que voltasse à fila do recrutamento e, disse ao seu mestre de guerra que, aquele rapaz era especial, mas devia passar pelo mesmo treino de todos os outros!
O rapaz começou a dura instrução militar que, chegando, sempre ao fim de cada fase com grande êxito o que, não passavam despercebidos ao rei! Depois de demonstrar que, era um dos melhores infantes, do esquadrão, um dia foi chamado pelo mestre de guerra que, lhe entregou um cavalo para aprender a montar, era um presente do rei, por ele lhe ser tão dedicado e afeiçoado! O rapaz que montava as burras do Moinho desde criança, em pelo, sem albarda, montou o cavalo, deixando o mestre de guerra abismado, pela sua destreza e valentia, no domínio do animal, porém a rigorosa instrução na cavalaria continuou por algum tempo, mas à medida que ultrapassava as metas definidas recebia uma promoção, tendo começado em soldado de cavalos!



O rei, por vezes ia observá-lo e ficava orgulhoso, mesmo sem o reconhecer, ele era um dos seus! Quando chegou ao nível de mestre de guerra, ou mestre de campo, em termos de sabedoria, foi autorizada a sua incorporação no exército real, com o posto de tenente, comandante de uma companhia que, começou logo por se destacar nas batalhas contra os cristãos!
Nesta época, a guerra, era contra os cristãos que, atacavam os pequenos reinos do Al Andaluz, descendo do norte da Peninsula Ibérica e, foi contra eles que o tenente se destacou, tornando-se um temível guerreiro!
Quando a situação estava mais calma nas fronteiras do reino, as suas tropas recolhiam a Badajoz, entretanto, foi nomeado, mestre guerreiro do reino e, com a justificação de reconhecimento da fronteira do reino de Badajoz, descia o Rio Guadiana com o seu esquadrão de 1.000 cavalos, até Monsaraz e, visitava a família no Moinho do Mendonça!
Este mestre guerreiro mouro, acabou por ser morto às mãos do exército cristão comandado pelo notável cavaleiro espanhol Múnio Afonso, Alcaide-Mor de Toledo, porém, deixou para sempre, o seu nome em Monsaraz, perto do lugar onde nasceu e que, os cristãos, não tiveram coragem de apagar, ainda hoje, lá está a Ribeira com o seu nome, Azevel, filho do príncipe Abdalá de Monsaraz e da Alita, filha do Moleiro Almir, do Moinho do Mendonça!
Parte das ossadas do seu pai, o príncipe Abdalá, foram encontradas no fim do verão do ano do seu desaparecimento, no rio Guadiana, no lugar do pulo do lobo, no reino de Mértola, muito próximas da sua noiva a Aysha dos seus pesadelos!
Os físicos (médicos) da Corte de Badajoz, foram chamados a Monsaraz e, como tinham os seus dados clínicos completos, através de medidas ósseas e outras técnicas de então, garantiram que, eram mesmo dele, ficando os seus restos mortais sepultados no castelo de Monsaraz, onde, ainda hoje se encontram.
FiM
"Texto de Manuel Correia Fotos Isidro Pinto"




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