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segunda-feira, 15 de junho de 2020

PARÒDIA NO GUADIANA

PARÒDIA NO GUADIANA





Estória romanceada baseada em factos reais, mas cujos nomes são fictícios e qualquer semelhança com algum nome real será pura coincidência.
Tal como tenho vindo a referir em anteriores textos, o Guadiana durante várias gerações desempenhou para toda a nossa freguesia um importantíssimo papel, quer do ponto de vista económico, quer social. Por questões de acesso, proximidade, ou afinidade com os moleiros, foram os moinhos do Gato e Calvinos os que faziam as preferências das gentes dos Motrinos, Telheiro, Ferragudo e Monsaraz, enquanto a Volta e o Miguens eram os preferidos das gentes do Outeiro.
Era á época muito comum ir de paródia para o Guadiana, bastando para tal a vontade de quatro ou cinco amigos e todos os pretextos eram bons para uma paródia, desde o fim das ceifas, á debulha, ou o aniversário de alguém.
Os Motrinos devido á sua implantação geográfica no sopé da serra do mesmo nome e rodeado de férteis terras, sempre foi terra de seareiros, que arrancavam aos produtivos ferragiais abundantes colheitas, sendo isso por vezes motivo de comemoração para uma paródia no Guadiana.
Foi nessa condição de amigos e companheiros de labutas agrícolas que quatro amigos dos Motrinos combinaram ir para o Guadiana passar dois dias de paródia, o objetivo era comemorar um excecional ano de colheitas, desta vez iria o Manuel da Charrete, o Chico das Pedras, o Inácio das Bolas, e o António das Vinhas. Havia já alguns dias que tinham combinado tudo, mas foi na véspera que numa das vendas (taberna) da aldeia ultimaram os pormenores, o Manel da Charrete lembrava que no dia seguinte á levantada da sésta deveriam estar todos prontos para sair, penso que é boa hora, dizia ele, com certeza concordavam todos os outros ao mesmo tempo que o Manel acrescentava, ó António tu não te esqueças de levar a concertina, tá descansado Manel já está preparada lá ao pé da porta, respondia o António das vinhas, ao mesmo tempo que também ele lembrava ao Chico das Pedras,… ó Chico e tu não te esqueças de levar um garrafão ou dois daquela pinga lá da tua vinha, olha que ela este ano trás lá outra vez uma boa camada, não sejas unhas-de-fome, estejam descansados respondia o Chico das Pedras ao mesmo tempo que lembrava ao Inácio das Bolas, ò Inácio e tu vê lá se levas um bom naco de presunto e uma ou duas palaias grossas, está combinado respondia calmamente o Inácio. Tudo combinado no dia seguinte á hora marcada lá foi o Manel da Charrete recolhendo os amigos e todo o material necessário, lembrando á ultima hora, vocês não se esqueçam de uma manta para passar a noite, olhem que eu cá não dou agasalho a ninguém. Seria tarde já avançada quando chegaram ao moinho do Gato, por sorte não havia mais ninguém o que de certa forma lhe agradou, já que estariam mais á vontade, descarregada toda a tralha junto ao moinho e como toda a zona envolvente é bastante rochosa logo se apressou o Manel da Charrete a ir cuidar da sua égua voltando um pouco atrás, vindo a deixa-la e á charrete junto á foz do Azevél que distaria do moinho mais ou menos duzentos ou trezentos metros, mas onde as sombras e a erva fresca eram abundantes. Depois de tudo arrumado dentro do moinho a preocupação era agora estar atento á outra margem para logo que o vissem chamar o Ti Joaquim Peixeiro, e encomendar o peixe para a açorda do dia seguinte, tarefa nada difícil já que vivendo numa choça no cabeço em frente ao moinho sempre estava atento á chegada de parodiantes, porque isso para ele representava negócio. Muito embora nenhum de eles fosse pescador experimentado, todos tinham levado ou improvisado uma rudimentar cana de pesca, que aos poucos mesmo junto ao moinho lá iam apanhando uns pequenos peixes que o Inácio das Bolas ia fritando para o petisco, foi aí que alguém aproveitando uma momentânea distração do Manel da Charrete lhe meteu um peixe frito no anzol, enquanto outro lhe gritava ó Manel vem ver a tua cana olha que a boia já não aparece, navalha para um lado, pedaço de pão e chouriço para o outro, passo acelerado, e lá vai o Manel cheio de entusiasmo puxar a linha, qual não é o seu espanto quando se apercebe que tinha apanhado um peixe mas já frito, entre a gargalhada geral, mostrou-se o Manel da Charrete resignado á brincadeira e jurando pela pele ao autor de tal façanha, pensou para si, não me as ficas a dever. A noite foi chegando e com ela o jantar, que havia de ser um belo gaspacho terminado com um bom naco de presunto e umas boas rodelas de paio, o resto da noite correu sem sobressaltos e animada por algumas modas alentejanas acompanhadas á concertina, embalada pelo sussurrar das águas do açude e por alguns copinhos, não tardou que o sono chegasse sem que se voltasse a falar do peixe frito. Já a manhã ia alta quando o Ti Joaquim Peixeiro recém-chegado da pesca veio trazer os peixes da açorda, de que o Chico das Pedras se haveria de encarregar, não porque tivesse mais dotes culinários, mas de entre todos era ele o que estava mais familiarizado com a cozinha já que tinha sido manteeiro no Barrocal (nome dado á pessoa que nas grandes herdades tinha como funções ir ao campo levar as refeições aos ranchos de trabalhadores, nomeadamente nas ceifas quando estas eram a de comer). Almoço bem comido e bem regado e quase a terminar quando alguém se lembrou, isto agora encima da açorda sabia bem um peixinho frito, ó Manel devias ir um bocadinho á pesca porque tu apanha-los já fritos e poupavas-nos trabalho dizia o Inácio das Bolas, sorria timidamente o Manel indiferente á provocação e pensando para si, não falta muito já lhe dou o peixe frito. Barriguinha cheia não tardou muito que o corpo não pedisse uma boa sésta, exceção feita ao Manuel da Charrete, passado meia hora cada um dormia para seu lado, só este aproveitando tal facto se esgueirou na direção da sua égua e da respetiva charrete, cujo animal ao sentir o aproximar do dono o saudou com um estridente relincho a que o Manel da Charrete respondia, cala-te Paloma, que a gente não pode fazer barulho, despeou a égua meteu-lhe o respetivo cabresto e molin e engatou-a na charrete, passados poucos minutos percorria já a estrada junto ao monte da Coutada completamente fora do alcance da vista de quem que quer estivesse no moinho do Gato, descarregado como vou depressa estarei nos Motrinos pensou para si. Enquanto isto no moinho do Gato dormia-se profundamente só passado uma ou duas horas começaram a despertar e deram pela falta do Manel da Charrete, perguntava o António das Vinhas, onde terá ido o Manel ? Talvez ver se a égua estava á sombra respondia o Chico das Pedras, beberam um copinho mais e só quando a demora os começou a preocupar resolveram ir procurar o Manel, ó Chico vai lá tu procurar o homem que tu é que lhe meteste o peixe no anzol, dizia o Inácio das Bolas, não não, vamos todos, sabe Deus o que é que para aí aconteceu, esta demora já não é normal, respondia o Chico, não demorou muito e chegados ao local onde estava a égua e a charrete depressa imaginaram o que se tinha passado, e, o que lhe ia passar a eles, era certo que teriam que regressar aos Motrinos a pé e carregadas com toda a tralha. Olhem lá meus amigos, isto aqui não há nada a fazer, logo quando faltarem duas horas para o sol-posto, tralha ás costas e botas á estrada dizia o Chico das Pedras, mas se temos que ir, porque não vamos mais cedo, dizia o Inácio das Bolas, ó Inácio tu parece que és parvo, queres entrar nos Motrinos de dia com este disfarce ? Então é que não vai faltar falatório, concluía o Chico das Pedras, lá isso é verdade concordava o Inácio. Chegada a hora da partida cada um tentou minimizar ao máximo a carga e distribui-la pelo corpo da melhor forma possível, apenas o António das Vinhas e o Chico das Pedras tinham a tarefa um pouco mais complicada, o primeiro porque dada a sua forma, poucas voltas havia a dar há concertina, teria que a levar às costas, o segundo porque sendo seu o tacho da açorda tão pouco o podia deixar e a forma mais cómoda de o levar, seria passar uma asa pelo cinto das calças e levá-lo pendurado. Mantas ao ombro tacho à tiracolo e concertina às costas não demorou muito e já avistavam as primeiras casas do Ferragudo, um pouco mais e estavam no Telheiro onde decidiram fazer uma pausa para descansar um pouco, mas não sem antes se terem cruzado com um grupo de moçoilas do Telheiro, que de cântaros aos quadris se dirigiam à fonte, e, que com a jovialidade própria da idade ao cruzarem-se com tão invulgar grupo de caminheiros uma comentou, olhem lá raparigas,!! Preparem-se olhem que esta noite vamos ter balho, já aqui vai o acordeonista,!! Cá por mim deve ser orquestra, aquele do tacho pendurado deve ser o baterista dizia outra,!! com um sorriso meio contido aguentaram os três amigos a pequena humilhação sem responderem. Por sorte a taberna não tinha quase ninguém, boa tarde Ti Domingos, boa tarde rapazes, onde Diabo é que vocês vão com essa estrugia toda às costas, perguntava o taberneiro? Vamos para casa respondia o Chico das Bolas, mas então esperem lá aí, eu ontem vi-os passar na charrete do Manel e agora estão aqui sozinhos, vocês não me diga que guerrearam lá para a ribeira? Dizia o Ti Domingos, nada disso Ti Domingos nós somos todos amigos, respondia o Chico das Pedras a que o António das Bolas acrescentava, é que o Manel, é esquisito com a cama do acárro, e veio mais cedo para dormir a sesta em casa, está bem, está bem, dizia o taberneiro, mas olhem que de aqui até aos Motrinos mesmo pelas veredas ainda tem muito que andar, lá havemos de chegar se a Sra. do Carmo nos acompanhar responderam quase em coro. Entraram nos Motrinos já noite cerrada não dando azo a mais falatórios, continuaram amigos por muitos e bons anos, recordando com agrado estas pequenas peripécias que em nada afetaram a sua amizade. SAUDOSO GUADIANA. 
"Texto e foto: Isidro Pinto"

1 comentário:

  1. Eram assim as amizades e ainda hoje existem algumas assim, bonita história, bem haja

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