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sábado, 5 de dezembro de 2020

A LENDA DO CORDÃO DE OURO DO MOURO DE MONSARAZ

A lenda do cordão de ouro do mouro de Monsaraz

História, lendas e tradições da Vila de Monsaraz 

Na madrugada do dia 20 de maio de 1300, pelas três horas da madrugada, uma sexta-feira, a porta da Cristã Ti Maria Thereza, parteira de Monsaraz, quase saiu dos cachimbos devido às pancadas fortes dadas por um homem que a chamava em grande aflição! 

Ela levantou-se da cama estremunhada, gritando que já ali estava e perguntando o que queria? O homem pediu-lhe para o acompanhar, porque a esposa estava a dar à luz mas o parto não corria bem e precisavam muito da sua ajuda! 

A Ti Maria Thereza que, até ali só tinha um olho aberto, ao conhecer o homem, abriu os dois e disse-lhe: 

Ti Maria: Olhe lá, você não é daqueles que moram lá para os fundos, na mouraria? 

Mouro: Sou, sou, mas precisamos da sua ajuda, a minha esposa está em risco de vida e só a senhora a pode salvar! 

Ti Maria: Mas porquê eu? Não têm lá a sua parteira? Eu não sei se posso lá ir! 

Mouro: Por favor, tem mesmo de ir, eu pago o que quiser, está lá a nossa parteira, mas ela não pode fazer mais nada e mandou chamá-la! 

Ti Maria: Então se foi ela que mandou, eu vou, mas não posso garantir que vou salvar a vida da sua esposa! Acho melhor chamar o físico! 

Mouro: Não, não, o físico não! Tem de ser a senhora, foi o que disse a nossa parteira! 

Ti Maria: Então, vou preparar-me, espere que já lá vamos! 

A Ti Maria foi contar ao marido o que se passava e disse-lhe que tinha de lá ir, assim, se corresse mal, ficava de consciência tranquila! Preparou-se e seguiu com o mouro para a sua casa! 

Quando a ti Maria Thereza chegou, ouviu a versão da outra parteira sobre o ponto da situação, depois preparou-se, pediu água quente, muito sabão, toalhas e continuou o trabalho de parto que, com muitas dificuldades, durou quase uma hora, mas finalmente conseguiu trazer um mourinho ao mundo, sem nenhum defeito! 

A mãe moura ficou esgotada e, enquanto a outra parteira tratou da criança, a Ti Maria tratou da moura e no fim da madrugada a mãe e o filho estavam bem e livres de perigo! 

A Ti Maria tinha o seu trabalho feito e muito bem-feito, despediu-se e, naquele momento, o pai mouro perguntou-lhe quanto lhe devia! A Ti Maria respondeu que não levava nada a ninguém, cada um dava-lhe o que podia e entendia! 

O mouro agradeceu-lhe por ter salvo as vidas da sua esposa e do filho e como reconhecimento apanhou um cesto muito bonito, todo trabalhado, tapado com um pano de linho, entregou-o à Ti Maria e avisou-a bem avisada que não podia, em caso algum, dizer mal dele ou da sua família, porque levava ali parte de um tesouro da família e se ela não cumprisse, a peça desaparecia, era uma maldição e ela ficava sem nada! 

A Ti Maria não percebeu nada do que o mouro lhe disse, mas exclamou. Ora essa! Porque havia eu de dizer mal de si ou da sua família? Fique descansado homem, isso nunca vai acontecer!

Quando pegou no cesto ficou desconfiada, porque estava a pensar que o cesto estava cheio de queijos, uma vez que eles tinham uma queijaria, por isso, ficou admirada por não pesar quase nada, mas agradeceu e saiu! 

A curiosidade da Ti Maria pelo que levava no cesto era tanta que, ao afastar-se da casa do mouro, não aguentou e levantou o pano de linho, meteu a mão e só encontrou palha lá dentro e por mais voltas que deu, não encontrou mais do que palha, naquele momento, chegou-lhe a mostarda ao nariz e começou a chamar todos os nomes ao mouro e à sua família, dizendo que, era velhaco, tinha-se servido dela para salvar as vidas da  esposa e do filho e, agora pagava-lhe com um cesto cheio de palha, era fazer pouco dela! 

A Ti Maria continuava o caminho para casa, ia encontrando vizinhança que lhe perguntavam o que lhe tinha acontecido para ir tão zangada! 

Ela não explicava que vinha da casa do mouro, mas continuava  a praguejar contra ele e sua família, antes de chegar a casa havia uma estrumeira e lembrou-se de despejar a palha, não a queria para nada, assim, ao menos aproveitava o cesto que era muito bonito, como estava quase a nascer o sol já se via bem, tirou a palha e reparou que, no fundo do cesto ficou um objeto a brilhar, meteu a mão para ver o que era e verificou que era um lindo cordão de ouro trabalhado, como ela nem imagina que existisse, deixou-o ficar debaixo do pano e seguiu o caminho, mas com outra alma, de tão contente que ficou, em vez de continuar a praguejar, começou a cantar! 

A Ti Maria chegou à porta de casa e antes de entrar, não se conteve e tirou o seu lindo cordão de ouro do cesto e com ele pendurado entre os dedos levantou-o à altura dos olhos para o ver melhor e deu um grito: Meu Deus, eu estou rica! O marido estava acabando de comer umas migas para sair, ouviu o grito tão estridente da mulher, deu um salto e ficou entre portas, surpreendido com o que viu, a Ti Maria andava de gatas arranhando o chão com as unhas e balbuciando palavras que ele não entendia! 

Quando a Ti Maria olhava para o seu lindo cordão de ouro, assim que lhe deu o sol, ele deslizou-lhe pelos dedos, caiu no chão e desapareceu! A Ti Maria estava de cabeça perdida, o marido não percebia nada do que ela dizia, mas pensou que era doença repentina, ajudou-a a levantar-se levou-a para dentro de casa e meteu-a na cama, onde esteve dois dias sem se levantar! 

A ti Maria Thereza foi melhorando e depois de lhe passar pela memória  o que tinha acontecido, compreendeu que a culpa tinha sido dela, por ter falado antes de tempo, tinha sido apressada a julgar o mouro, antes de ver o que estava no fundo do cesto, tinha sido bem avisada para em caso algum dizer mal dele ou da família e não tinha cumprido o prometido, por isso, não podia estar contra o mouro! 

Foi uma grande lição de vida para a ti Maria Thereza que, a partir daquele dia passou a ser outra pessoa, mais humana, mais solidária e mais prudente e ficou sem nenhuma repulsa contra o mouro e sua família!

Sobre o lindo cordão de ouro oferecido pelo mouro, a ti Maria Thereza nunca mais lhe encontrou o rasto, mas até ao fim da sua vida, cada vez que entrava ou saia de casa, os seus olhos fixavam-se no lugar onde ele se tinha sumido, onde ainda hoje se encontra, na Rua dos Celeiros em Monsaraz. 

 

Fim  

"Texto: Correia Manuel 

Fotografia: Isidro Pinto"

2 comentários:

  1. Quando passar na rua dos celeiros em Monsaraz, vou fixar o meu olhar no chão, para ver se encontro o tal cordão de ouro! Se não encontrar, pelo menos lembro me da historia.

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  2. "Foi uma grande lição de vida para a ti Maria Thereza que, a partir daquele dia passou a ser outra pessoa, mais humana, mais solidária e mais prudente e ficou sem nenhuma repulsa contra o mouro e sua família!"

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