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domingo, 20 de dezembro de 2020

A MOURA ENCANTADA QUE APARECIA DE MADRUGADA EM MONSARAZ

 

A lenda da moura encantada que aparecia de madrugada em Monsaraz 


História, lendas e tradições da Vila de Monsaraz 



Quando em 1232 a Vila de Monsaraz foi reconquistada, muitos mouros encantaram as filhas, porque sabiam que não escapavam às mãos dos Cristãos, dos quais, se podiam tornar escravas, por isso, existem muitas mouras encantadas e tesouros na Vila de Monsaraz! 

Há cerca de quinhentos anos, durante as madrugadas aparecia uma rapariga trigueirinha a deambular pelas ruas de Monsaraz, os moradores que tinham de sair cedo para trabalhar cruzavam-se com ela, cumprimentavam-na, mas como não a conheciam não metiam conversa com ela! Esta situação começou a ser falada pela Vila, mas ninguém tinha explicação sobre quem era, de onde vinha e onde se recolhia, uma vez que, durante o dia não era vista! 

O tempo foi passando e como ela andava quase sempre na mesma rua, encontrava-se todas as madrugadas com o Manuel Fragoso, até que ele meteu conversa com ela: 

Manuel: Bom dia! A menina não é daqui, pois não? Então de onde é que é?

Moura: Bom dia! Sou, sou, sou daqui, mas não sou de agora! Nasci aqui e sempre tenho estado aqui! 

Manuel: Essa agora! Não percebi nada! Mas é daqui? Ou não é daqui? Não entendo nada! Então, se é daqui é filha de quem? 

Moura: Não conhece os meus pais, moravam aqui nesta rua, naquela casa, mas já há muitos anos! 

Manuel: Ah eram daqui, mas abalaram! Já não são do meu tempo! Então e a menina agora voltou para cá? E mora onde?

Moura: Não voltei, estive sempre aqui, porque eu sou uma moura encantada, quando vieram os cristãos o meu pai encantou-me e ainda hoje estou aqui à espera do desencantamento! 

Manuel: Ai, ai, ai! Oh menina, não mangue comigo, eu acredito lá em mouras encantadas! Isso são contos para os gaiatos! Olhe, passe bem que  já estou atrasado para o trabalho, se me descuido ainda levo algum puxão de orelhas do meu patrão! 

O Manuel apressou-se a caminho do trabalho, mas a conversa com a rapariga não não lhe saia da cabeça! No dia seguinte cruzou-se, novamente com a moura, mas apenas a cumprimentou, bom dia e não parou! Como a situação se repetia todas as madrugadas o Manuel decidiu meter conversa com a moura: 

Manuel: Olhe lá menina, então se é uma moura encantada, pode dizer-me o que é preciso fazer para a desencantar? 

Moura: Posso, sim posso! O meu desencantamento passa por um caminho muito perigoso, por isso, é que ainda ando aqui na Vila de Monsaraz! 

Manuel: Não digo que não! Mas diga lá, pode ser que eu possa ajudar,  já me custa vê-la aqui neste sofrimento todas as madrugadas! 

Moura: Sabe que, o homem que fizer o meu desencantamento, tem de me acompanhar durante a noite, desde esta rua até a margem esquerda do Rio Guadiana quando ele for com cheia e levar duas lamparinas de azeite acesas até lá, se chegarmos à outra margem com as duas lamparinas acesas eu fico desencantada e o homem recebe um cofre com o tesouro da minha família e fica rico, mas se alguma das lamparinas se apagar no barco ele afunda-se, não há desencantamento, o homem morre afogado e até hoje já lá ficaram três que tentaram desencantar-me, por isso eu ainda aqui ando! 

Manuel: Ora essa! Então e porque deixaram apagar as lamparinas? Não as abrigaram no fundo do barco? 

Moura: Já fizeram de muitas maneiras, mas o barco é muito velho e deixa entrar alguma água e se as levantam o vento apaga-as, tem de ser um homem muito esperto, para descobrir uma maneira de não deixar apagar nenhuma das lamparina! 

Manuel: Olhe, lá isso, não é para me gabar, eu sou muito esperto, mas não entro nisso, sei lá se está lá algum cofre com o tesouro, ou se é conversa fiada! 

Moura: Então, se não acredita, uma vez que eu vou consigo, se não for como lhe digo, pode fazer tudo o que quiser de mim, até me pode matar!

Manuel: Não, não, cheira-me a esturro, passe bem que eu não ando atrás dessas fantasias! Olhe, arranje outro!

O Manuel foi trabalhar e durante o dia não lhe saia da cabeça, andava num trabalho tão duro, era um autentico escravo, até chicotadas levava para trabalhar mais e começou a pensar na conversa da moura encantada, se fosse verdade o que ela lhe disse e ficasse rico, aquilo acabava! 

Todas as madrugadas lá encontrava a moura na sua rua e todas as madrugadas ao chegar ao trabalho era mal tratado, até que, depois de ter estudado a maneira de levar as lamparinas acesas até à margem esquerda do Rio Guadiana com cheia, disse-lhe que estava disposto a desencantá-la, apenas queria saber como eram as lamparinas! 

A moura explicou-lhe todos os pormenores e o Manuel disse-lhe que aceitava, mas precisava de alguns dias para se preparar! Na noite e hora combinado, noite dentro, o Manuel foi ter com a moura na sua rua, recebeu as lamparinas e meteu-as dentro de umas panelas grandes de barro com asas e respiradores especiais, de maneira a não deixarem entrar nem água nem vento, feitas por um bom oleiro de S. Pedro do Corval que, em resposta à exigência do Manuel, garantiu-lhe que uma lamparina lá dentro não se apagava, porque havia ar suficiente para respirar  e a água só entrava se fosse totalmente coberta! 

O Manuel ligou umas cordas às asas das panelas e fez umas pegas que facilitaram o transporte, fez o percurso com a moura até ao rio Guadiana, lá estava um barco velho e desconjuntado, ligou-lhe uma corda bem apertada da ré á proa, apanhado todo em volta para unir bem as tábuas, colocou as panelas com as lamparinas lá dentro a meia altura do barco, em cima de umas tábuas, ajudou a moura a entrar e começou a remar para a outra margem, passou por muitas dificuldades e alguns sustos, mas cumpriu o que era exigido no desencantamento e quando chegaram à margem esquerda do rio Guadiana, faltava a altura de dois dedos para a água chegar ao respirador das panelas, não podia tirar água, porque ao largar os remos do barco, já não o segurava na forte corrente e afogava-se, chegou com elas acesas e quando puseram os pés em terra deu-se o desencantamento, a moura entregou-lhe o cofre com o tesouro da sua família e desapareceu por terras de Castela a caminho da moirama! 

O Manuel Fragoso levou o cofre dentro de um saco de serapilheira e escondeu-o bem escondido em casa, nesse dia já não foi trabalhar e com algumas moedas de ouro, começou a comprar boas roupas, botas caras e passados uns meses comprou uma grande casa na melhor rua da Vila de Monsaraz! 

Os montesarenses andavam intrigados e perguntavam-lhe onde tinha arranjado o dinheiro para aqueles luxos e a resposta do Manuel era que tinha recebido uma herança de uns tios lá da Guarda de onde eram os pais, que não tinham filhos e a herança veio parar-lhe às mãos e, quase todos acreditaram! 

O Manuel começou a ajudar os montesarenses mais pobres e, depressa se tornou muito popular em Monsaraz! O seu estatuto social mudou completamente e começaram a surgir muitas pretendentes, entretanto começou a namorar com a filha de um lavrador da Vila e passado cerca de um ano estava casado, comprou algumas terras e chegou a ser o homem mais ricos da Vila  Monsaraz! 

Quando falavam em mouras encantadas na Vila de Monsaraz, ele era o primeiro a afirmar que não acreditava nisso, porque não passavam de contos para gaiatos, para ele, tinha sido um sonho, dentro do qual viveu o resto da sua vida.

Fim 

"Texto: Correia Manuel "

"Fotografia: Isidro Pinto"



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