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domingo, 21 de maio de 2023

HISTÓRIAS BEM CAÇADAS – CAÇADA AOS COELHOS NA SERRA DA BARRADA

 

HISTÓRIAS BEM CAÇADAS – CAÇADA  AOS COELHOS NA SERRA DA BARRADA


Lá fora a chuva caia insistentemente, estava aquilo a que se poderia chamar uma autentica manha de inverno, a caçada aos coelhos na serra da Barrada/Motrinos, havia tempo que estava combinada, de Lisboa viriam seguramente já a caminho os companheiros habituais, que desta vez a nosso convite, se faziam acompanhar de um amigo e colega de trabalho, transmontano de nascimento, mas a viver em Lisboa, onde desempenhava importante cargo na multinacional onde todos trabalhávamos, da terra estavam os habituais companheiros e muito embora, por razões profissionais não fosse companheiro de todos os dias, desta vez estava também o Lumumba, que por sua vez havia convidado um seu amigo de Reguengos, Adegueiro de profissão que trouxera com ele um outro amigo e ajudante de ofício.

A manhã e as condições naturais da vegetação da serra da Barrada, a isso obrigavam, todos nos equipamos por forma a protegermo-nos como podíamos, não só da copiosa chuva que não parava de cair, mas também das densas estevas e dos terríveis tojos gatuns. As condições eram tão adversas, que nem os cães caçavam convenientemente, fazendo que o resultado da caçada, fosse quase nulo. 
Cansados e encharcados até à medula, resolvemos reunir o grupo e fazer uma pausa, escolhemos uma pequena clareira no meio do mato, por onde passava um caminho, obviamente que o primeiro que se fez, foi tentar arranjar lenha minimamente seca para acender o lume, apesar de não ter sido tarefa fácil, após algumas tentativas, conseguimos acender um grande lume, e cada um aproveitava como podia para secar os pés e as roupas, junto ao caminho onde fizemos o lume, existia um declive próprio da abertura do mesmo, onde alguns se sentaram e de entre eles o Adegueiro, amigo do Lumumba, que inadvertida e imprudentemente tinha sobre os joelhos, a espingarda carregada e fechada, os animais sempre tão nossos amigos e como tal um dos cães do Adegueiro, empinou-se a ele tocando inadvertidamente nos gatilhos da espingarda, um enorme estrondo e um tiro disparado para o chão e para o lume, no meio de todos nós, perante a incredibilidade de todos, imediatamente o amigo do Adegueiro gritava de dores agarrado às partes intimas, enquanto o nosso amigo Transmontano fazia o mesmo, agarrado às nádegas, passados os primeiros momentos de pânico, e para avaliação da situação calças abaixo e efetivamente um estava ferido nas nádegas e outro nos genitais, eis que com o sarcasmos que lhe era conhecido diz o Meireles! ENTÃO AGORA EXPLIQUEM LÁ À GENTE EM QUE POSIÇÃO É QUE VOCÊS ESTAVAM, PARA UM FICAR FERIDO NO RABO E OUTRO NOS TINTINS. 

A explicação era simples um estava de frente para o lume e o outro estava de costas. Felizmente nenhum necessitou de tratamento hospitalar, mas poderia ter sido uma situação muito trágica.
A VIDA É FEITA DE MEMÓRIAS

"Texto e fotos de Isidro Pinto"

sexta-feira, 19 de maio de 2023

JÁ NÃO HÁ VERDEMANS NA PEGA

 JÁ NÃO HÁ VERDEMANS NA PEGA


Muito longe vão os tempos em que este pequeno afluente do Azevel, nascido perto do Baldio e atravessando toda a freguesia de Monsaraz, corria por vezes caudaloso, arrastando consigo enormes quantidades de laranjas, das muitas hortas que havia nas suas margens e que caprichosamente abandonava no espraiar das águas, junto a Ponte dos Frades, onde a rapaziada as recolhia.
Recordo-me de ir à Pega à atabua, para tapar a serra da palha, de ir ajudar o Cacharamba a recolher o buinho para o fundo das cadeiras, de irmos apanhar o aloendro para enfeitar os mastros dos santos populares, mas aquilo que não me sai mesmo da memória, foi as vezes sem conta, que calcorriando matos e restolhos, munidos de uma improvisada rede de arrasto, que não era mais que um pedaço de rede com um pau em cada extremidade, que arrastada pelo fundo do pego apanhava as tão desejadas verdemans.
Tratando-se de uma ribeira que só de inverno corria, os pegos era o garante da continuidade de biodiversidade, de uma época para a outra, recordo-me do pego do porto da Lage junto à anta do olival da Pega, do pego dos Andorinhos e do pego da Rocha do Demo, que apesar do mau acesso eram os que devido ao fundo arenoso, permitiam melhores capturas de verdemans, isco tão ao gosto dos recém introduzidos no Guadiana, Achigã. Recordo com saudade a companhia destas lides, o meu amigo Manuel Rela e a paciência infinita do Ti Rela, que nos deixou dividir ao meio o tanque da rega, para aí criarmos as condições de um suposto pego para mantermos as verdemans em cativeiro.
Jámais esquecerei o pulsar de vida que eram em alguns casos estes pequenos charcos, aqui se recolhiam verdemans, pardelhas e até as indesejáveis sanguessugas e tudo o que de aquático se podia considerar, esperando a passagem do estio e aguardando por um novo ciclo.
Nas suas redondezas sequiosos por matar a sede se concentrava toda a espécie de aves entre rolas, cotovias, trigueirões, pardais, papa-figos, abelharucos e toda uma infinidade de espécies à época tão abundantes.
Hoje infelizmente a ribeira não corre os pegos não existem e JÁ NÃO HÁ MAIS VERDEMANS NA PEGA.
Texto: Isidro Pinto

terça-feira, 9 de maio de 2023

HISTÓRIAS BEM CAÇADAS.


HISTÓRIAS BEM CAÇADAS




 Porque a vida é feita de memórias, vou hoje dar início a algumas histórias a que chamei, HISTÓRIAS BEM CAÇADAS.

Tal como costumo dizer, para tudo há um tempo na vida, muito embora tenha sido uma atividade que há muito deixei para trás, também eu tive os meus tempos de caçador, a caça era à época uma atividade de lazer muito comum principalmente nos meios rurais, foi nessa qualidade de caçador que vivenciei alguns episódios em que o seu quê de pitoresco e divertido ainda hoje recordo com saudade.
Não vou precisar o ano, mas muitas luas passaram sobre aquele dia de inverno, em que transportados no velhinho Mercedes carcomido pelo calcorrear das ruas de Lisboa como táxi e que depois de uma apurada operação de maquilhagem, tinha passado de verde a azul, e não fosse o enorme desgaste de uma longa e dura vida de trabalho, dir-se-ia que era um Mercedes e peras, recordo dele as vezes sem conta que quando da minha permanência em Sines por questões laborais, tinha que o deixar na descida para a zona ribeirinha, porque de manhã pegar não era com ele.
Era mais um dia de caça aos pombos-bravos, de Lisboa tinham vindo dois amigos e colegas de trabalho, da terra os dois ou três do costume e, porque o espaço para os ocupantes e respetivas tralhas era maior, deixamos em Monsaraz os carros dos Lisboetas e fizemo-nos transportar no velhinho Mercedes azul. O destino seria o Cerro do Grifo na herdade de Galeana, Galeana era e continua a ser uma referência no meio taurino, em virtude de ser aí que pasta a prestigiada ganadaria brava de ferro Grave.
Consciente do perigo que pressupunha, aceder ao Cerro do Grifo, por dentro de Galeana várias foram as vezes que contornamos esse obstáculo, indo pelo lado da Ameada e Orvalha, acedendo assim ao referido cabeço (cerro), sem ter que passar por inúmeras cercas pejadas de toiros bravos.
Nesse dia e mais uma vez lá fomos nós a caminho da Orvalha (pequena herdade limítrofe de Galeana). Caçar aos pombos implica estar por ali bastante cedo, sem acesso às tecnologias de hoje que há distância de uma pesquisa sabes, a que horas nasce o sol, alguém deve ter marcado a hora demasiado cedo, passado que foi o antigo posto da Guarda Fiscal da Ameada, chegamos à Orvalha ainda noite cerrada, estacionamos naquilo a que todos chamamos rua do Monte, não só pelo aspeto pouco cuidado do casario, mas também pela total ausência de sinais de habitabilidade, nem cães, nem gatos e muito menos os galos a cantar na capoeira, todos deduzimos que ali não vivia ninguém, o frio característico das gélidas manhãs de inverno, obrigou-nos a ficar dentro do carro, o embaciar dos vidros era uma constante obrigando a que de vez em quando, com o antebraço cada um fosse limpando o vidro do seu lado, enquanto ao pendura competia a tarefa de ir limpando o para-brisa. Fora a escuridão da noite era total, o que fazia com que todos os nossos sentidos e principalmente a vista reagissem ao mais ínfimo raio de luz, apenas se descortinava uma ténue claridade do branco das paredes da fachada do monte, de repente, a escassos metros de nós eis que uma porta se abre e na difusa luz que vinha de dentro, surge a silhueta de uma mulher cuja transparencia da camisa de dormir deixava antever, uma mulher jovem, trazia entre mãos um alguidar com água, provavelmente a água onde tinham feito a sua higiene matinal, a estupefação foi total para ambos os lados, dentro do carro alguém gracejou (Ó QUE BELO EXEMPLAR DE GALINHA DO CAMPO A UMA HORA DESTAS), quanto à senhora o susto de ver um carro cheio de gente à sua porta foi de tal ordem que não conseguindo segurar o alguidar deitou fora alguidar e tudo correndo a fechar-se em casa.
Supomos que a partir de ali e até ao completo raiar do dia em que saímos do carro, devemos ter estado sob a mira da espingarda de algum pastor.
A VIDA É FEITA DE MEMÓRIAS.

“Texto e foto de Isidro Pinto”

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

OS COELHOS NO PALHEIRO DO TI RELA

 MEMÓRIAS DA MINHA ALDEIA “OS COELHOS NO PALHEIRO DO TI RELA”



A gente lembra-se de cada coisa.
Hoje quando fui fazer a minha caminhada matinal passei ao que agora chamamos Monte Verde, mas que, na verdade, continua a ser conhecido por todos nós como o Monte do Ti Rela.
em outros textos referi a minha relação de amizade e proximidade com esta família, nomeadamente com o recentemente falecido Manuel Rela, com quem além da amizade desde crianças tínhamos a afinidade da idade, já que apenas 5 dias nos separavam.
Nesses tempos a debulha dos cereais era feita por máquina debulhadoras fixas e a palha daí resultante era carregada a granel em carroças previamente apetrechadas para tal fim com uma rede própria, onde muitas vezes era precioso o trabalho dos miúdos, cuja tarefa consistia em calcar a palha dentro da rede, sendo posteriormente armazenada nas célebres serras da palha ou nos palheiros, trabalho penoso a que ainda assisti e colaborei.
A parte do monte virada a poente era destinada à habitação, na parte de trás virada a nascente eram as cabanas e o palheiro, nessa época os coelhos bravos não eram propriamente uma praga, mas existiam em grandes quantidades, às vezes quase coabitando com o pessoal que vivia nos montes.
O palheiro do Ti Rela não era mais que uma dependência de 14 ou 15 metros quadrados comunicando com o exterior por uma porta de madeira com um buraco em baixo a que se chamava gateira, que tal como o nome deixa intuir servia para os gatos poderem entrar e sair dando dessa forma caça aos ratos. Já que a gateira era mesmo à sua medida, um ou outro coelho mais afoito passou também a resguardar-se no palheiro ou, porque se reproduziram ou, porque uns foram convidando os outros, eram já muitos os coelhos que tinham como esconderijo o palheiro do Ti Rela, facto esse que não passou desapercebido ao Manel.
Ó! Pessoal um dia destes temos que ir apanhar uns coelhos para o petisco lá ao meu palheiro!!
A equipa já não me recordo bem, mas devia ser a mesma de sempre Eu, o Manel, o Armando Oliveira, o Relâmpago, o Zip e provavelmente o Chico Moca, mais que a aliciante do petisco, o que mais nos movia era a parte hilariante da questão, já que antevíamos que não devia ser nada fácil apanhar os coelhos à mão no meio da palha.
O palheiro, à semelhança de quase todos os palheiros, além da porta com postigo e gateira, não, possui qualquer outra abertura que permitisse a entrada da luz, munidos com uns ramalhos de azinho, resgatados da meda da lenha e
depois de tapada a gateira entramos todos de rompante para dentro do palheiro, aqui de pilho além te ganso, não tardou nada que fruto do pó da palha a visibilidade lá dentro fosse completamente nula, a confusão era total com
verdascadas aleatórias em todos os sentidos, recordo o saudoso Armando Oliveira que dizia, PORRA ORIENTEM-SE LÁ QUE ESTOU FARTO DE LEVAR VERDASCADAS E NÃO APANHEI NENHUM COELHO!!!
Com três ou quatro coelhos para o petisco, saímos de lá cuspindo palha e como croquetes acabados de passar por farinha.
Continuo a pensar que todos aqueles que nascemos e crescemos na ruralidade de uma pequena aldeia de província fomos, na verdade, uns privilegiados.
Texto Isidro Pinto
Para o Manuel Rela e o Armando Oliveira, os meus amigos e companheiros desta e de muitas outras aventuras, que Deus tenha as suas almas em eterno descanso.

"Texto e foto Isidro Pinto"

sábado, 28 de janeiro de 2023

O TI BOLAS E O ALMOÇO NA CHANCANA.

 O TI BOLAS E O ALMOÇO NA CHANCANA.


Os tempos eram outros, os recursos naturais na maioria das vezes eram uma forma de amenizar as dificuldades do dia a dia, a caça na altura praticada por muito poucos, era muitas vezes uma forma de pôr carne na mesa e quando o excedente existia vendia-se aos vizinhos ou trocava-se por outros bens.
Daquilo que me recordo desses tempos e apesar dos mais distintos processos de captura existia uma enorme abundancia de todas as espécies, não só de caça menor (Coelhos, Lebres, Perdizes, Rolas, Tordos, Pombos e etc.) mas também de toda a espécie de passarada, guardo na memória os enormes bandos de Calhandras e Trigueirões na altura das sementeiras, ou as Abibes na altura dos alqueives, sem esquecer os Tordos, os Melros, os Papos Amarelos e os Pardais do Mato no tempo da azeitona.
As máquinas agrícolas eram quase inexistentes e todo o trabalho agrícola desde a preparação dos solos às sementeiras, às colheitas e debulha tudo era feito com bestas e à mão.
O Ti Bolas algumas vezes assalariado nas grandes herdades outras seareiro por conta própria, andava esse ano fazendo a sementeira com a ajuda da sua parelha de machos detrás da serra dos Motrinos, na Herdade da Chancana. Era prática comum nesse tempo meia dúzia de armadilhas e era caçada certa. Vendo os enormes bandos de Calhandras, Cotovias e Trigueirões e na esperança de caçada fácil, recomendou o Ti Bolas á senhora sua esposa ó Maria!! Para amanhã não precisas de mandar nada para o almoço, manda-me só aí umas pedras de sal num talego que eu levo as armadilhas e apanho uns pássaros para o almoço.
Quis o acaso que no outro dia e apesar de ter amanhecido bonito logo ás primeiras horas da manhã levantou-se um gélido e forte vento norte que não havia pássaro que parasse por aquelas bandas, chegou-se a hora do almoço e pássaros nada, olhando o céu e á passagem de um altíssimo bando de Calhandras cheio de fome mas resignado comentava para si o Bolas, OLHA LÁ ONDE VAI O MEU ALMOÇO!!!!.



terça-feira, 10 de janeiro de 2023

MEMÓRIAS DO GUADIANA

 MEMÓRIAS DO GUADIANA





São inúmeras as vezes, que já aqui referi em anteriores textos, a relação de proximidade, que todas estas povoações ribeirinhas, tinham com o Guadiana. No caso da Freguesia de Monsaraz, essa relação era transversal a todas as aldeias, sendo no entanto mais forte, em função da menor distância, a que estas se encontravam do rio, Ferragudo Telheiro e Monsaraz, eram aquelas que sentiam que do Calvinos ao Mendonça era o seu pedaço de rio.
Muitas são as memórias desse rio e desses tempos, memórias de alegria, de tristezas e algumas de um misto de sentimentos, que ainda hoje a mente teima em não querer recordar.
Não sei ao certo quantos anos teríamos, mas há muito que a puberdade tinha ficado para trás, seriamos talvez mocetões de 18 ou 19 anos.
Os invernos eram mais chuvosos e os ribeiros alimentavam o Guadiana com um caudal bastante forte até ao início do verão. O Guadiana era vida feita de ciclos e para trás tinham ficado as grandes cheias com a fertilização das margens e a subida das bogas pelos ribeiros, fazendo de Março e Abril, os meses da desova do Barbo, que consequentemente traziam ás cascalheiras, a jusante do Gato, uma abundância enorme de peixes, qualquer método de pesca era eficaz, recordo o saudoso Joaquim Cardoso, que quando pescávamos à linha na cascalheira do Gato, sempre metia dois anzois na ponta da linha, quando caía o primeiro sempre comentava! Um já lá está agora é só esperar que caia o outro, a abundância era de tal ordem, que era normal cada anzol trazer um peixe. Era a época da Tarrafa (rede de pesca) bastava deixar anoitecer e duas ou três tarrafadas na cascalheira era cesto cheio, foi numa dessas noites de pesca, que apanhei o maior susto da minha vida, e que mantive em segredo até quase aos dias de hoje e que a mente continua a ter medo de recordar.
Os barbos andam malucos! Logo a noite devíamos ir a eles! Dizia-me o Zip (alcunha do Joaquim Inácio), a reposta era quase sempre a mesma. VAMOS! Desta vez além do Zip e Eu levámos também o ti Miguel Latoeiro (pai do Zip) tendo em consideração que o Zip era o mais novo dos irmãos à época o Ti Miguel seria homem a rondar os 60 anos, já não me recordo como fizemos o percurso até ao moinho do Gato, mas provavelmente de motorizada, chegamos ao rio e havia que transpo-lo para o lado da cascalheira, que ficava do lado de Mourão. Não me recordo de quem era o barco, se do ti Joaquim Peixeiro ou do Paulino, mas havia sempre a montante do açude junto ao moinho um barco típico do Guadiana, que independentemente de quem fosse o dono, era chegar e utilizar, dado que nessa época quem por aqui deambulava era tudo gente conhecida. Atarrafas, lanternas e cestos para o peixe tudo dentro do barco e lá vamos nós na expetativa de uma boa pescaria, tanto eu como o Zip apesar de mocetões, mas por via das circunstâncias e proximidade com o rio éramos barqueiros experimentados, todos sabíamos que o açude do Gato tinha um enorme rombo que com o caudal que se fazia sentir tudo sugava com uma força aterradora, projetando toda a sua ira nas rochas a jusante do referido buraco.
Atravessar o rio a partir do moinho do Gato, pressupunha subir perpendicularmente junto a margem, 100 ou 200 m metros e só depois atravessar. Teimosia de velhos quis o Ti Miguel esse dia levar ele o barco, a noite estava escura como breu, mesmo com as lanternas o campo de visão não ultrapassaria 15 ou 20 metros. Ti Miguel olhe que tem que subir junto a margem e só depois atravessar se não, a força do rombo arrasta-nos! Recomendava eu. Está bem! Está bem! Dizia o Ti Miguel com a convicção de que naquela idade já se sabe tudo. Não sabemos ao certo se não subiu o suficiente, ou por deficiente forma de remar, foi o barco perigosamente e sem que nos déssemos conta, aproximando do rombo do açude, persentindo que algo não estava bem e, porque já era audível o assustador sussurro das águas, acendemos as lanternas e assolou-nos um tremendo calafrio, estávamos a escassos metros de uma morte certa, de onde o Ti Miguel já não nos conseguia tirar, de um gesto vigoroso e enérgico, próprio de quem sabe que está a 5 ou 6 segundos de uma enorme tragédia, o Zip derrubou literalmente o Ti Miguel do banco do remador e com o vigor próprio da juventude, lutou desesperadamente durante algum tempo, para tirar o barco daquela situação, a força exercida pelos remos, era igual à força da corrente e o barco mantinha-se estático, como flutuando entre a vida e a morte, vieram há memoria os pais, as namoradas e toda uma vida que ficava por viver, quiz Deus ou alguma força divina, que após estes angustiantes minutos o barco saísse daquela situação.
Não sei se o Zip já contou a alguém, mas subconscientemente, fizemos um pacto de silêncio, que só hoje, passados mais de 50 anos conseguimos falar do assunto. Mesmo assim, tenho SAUDADES DO GUADIANA.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

A LENDA DO MILAGRE DO SENHOR DOS PASSOS E DA PROCISSÃO DA BURRINHA EM MONSARAZ

 Monsaraz A Caminhar

História, lendas e tradições da Vila de Monsaraz

A lenda do Milagre do Senhor dos Passos e da procissão da burrinha em Monsaraz




A veneração dos montesarenses e vizinhos a Nosso Senhor Jesus dos Passos era desmedida, ao qual acorriam nas aflições a suplicar auxílio, a pedir graças, e recebiam sempre os benefícios, por isso, era imensa a sua devoção.
Nos finais do mês de Abril de 1680, como habitualmente, um grupo de rapazes brincavam aos guerreiros, junto às muralhas da Vila de Monsaraz, no lugar onde existia uma escadaria que dava acesso ao topo e que eles subiam e desciam a correr, para vigiar o inimigo e preparavam-se, para defender, heroicamente a sua Vila, contra os castelhanos, resultado das conversas que ouviam no dia à dia aos mais velhos, que tinham vivido a guerra da restauração, uns anos antes.
Os rapazes brincavam naquele lugar, quase todos os dias, e por vezes caiam, mas ficavam com alguns arranhões nos joelhos que quase todos exibiam, porém, naquele dia a queda do Manelito Caeiro foi fatal, mesmo não sendo do cimo da escadaria, acabou por cair desamparado e ficou estatelado no chão, sem tugir nem mugir.
Os outros rapazes ainda o incentivaram a levantar-se, mas ele não se mexia e eles começaram a gritar por socorro, aproximaram-se logo alguns montesarenses e confirmaram que ele estava muito mal, porque tinha cara de morto, então foram a correr chamar o médico que, perante tanta aflição, correu o mais que pôde e em poucos minutos confirmou que o Manelito estava morto, adiantando que tinha a espinha e as costelas partidas, não havia dúvidas, estava morto.
A mãe do Manelito, a ti Maria Caeira, chegou a tempo de ouvir as últimas palavras do Médico e, imediatamente, começou a chorar alto e a dizer que o seu filho não podia estar morto e chegou-se junto dele para o ver, mas ele não respirava e o médico disse-lhe para o levarem para casa e podiam preparar o velório, que ele ia passar o papel para o padre fazer o funeral no dia seguinte.
As tias, vizinhas e outros montesarenses, levaram o Manelito para casa, com muito cuidado, uma vez que, conforme o médico disse, estava todo partido e começaram a prepará-lo para lhe vestirem um manto branco de anjinho para levar na sua última viagem, entretanto foram chamar o pai, o ti António Pereira ao Roncão do Conde, hoje Roncanito, onde trabalhava, para vir assistir ao velório e ao funeral do filho.
Desde o momento que a ti Maria Caeira chegou junto do Manelito, nunca aceitou que ele estava morto e começou a rezar e a implorar a Nosso Senhor Jesus dos Passos para não o deixar morrer e repetia, repetia as preces, e quando estava já em desespero eis que o Manelito deu um gemido de dor muito profundo, a mãe deu um salto e a sua esperança renasceu, mas as tias e vizinhas comentaram baixinho: - Coitadinho, só agora deu o último suspiro.
A Ti Maria Caeira, ficou ainda com mais fé e, continuou a pedir ao Senhor dos Passos para deixar viver o seu filho, fazendo algumas promessas e, logo a seguir ouviu-se outro suspiro e mais outro e o Manelito começou a respirar!
Quando o pai do Manelito entrou em casa, já o milagre de Nosso Senhor dos Passos, se tinha realizado, ele já respirava e dizia algumas palavras, queria saber o que lhe tinha acontecido para estar naquele estado, porque não se conseguia mexer.
O médico foi ver com o seus olhos o que lhe contaram, porque não acreditava, e disse: - Isto foi um grande Milagre, tenho a certeza que ele estava morto, mas já que voltou vamos tratá-lo, e receitou-lhe algumas mezinhas que, começou logo a tomar. A ti Maria Caeira, apenas repetiu: Foi um grande Milagre, se foi, só eu sei.
O Manelito passou o verão imobilizado na cama, por fim ficou melhor, mas continuava sem conseguir dar um passo e o médico dizia que não podia fazer mais nada, e que ele nunca mais conseguia andar, porque tinha partido a espinha.
A sua mãe não se conformava e continuou a pedir a Nosso Senhor Jesus dos Passos para lhe dar o andar, suplicou muito e prometeu que se o Manelito voltasse a andar, ela e o filho iam acompanhar as procissões do Senhor dos Passos até ao fim das suas vidas, nem que fossem montados numa burrinha. Na manhã seguinte, o Manelito ao acordar já mexia os dedos dos pés e partir daí começou a melhorar e, no final de Outubro já dava pequenos passinhos com a ajuda de muletas, e um ano depois, com muito treino, deixou de usar as muletas e quase não tinha mazelas.
Mais tarde, o Manelito, que ficou com este nome para o diferenciar do nome do avô materno, o ti Manuel Caeiro, aprendeu a profissão de carpinteiro com o seu padrinho, assim, não necessitava de fazer muito esforço para andar, apesar de andar bem, fez a sua vida normal, organizou a sua família e, sempre na companhia de sua mãe, lá estavam presentes nas procissões, junto à imagem de Nosso Senhor Jesus dos Passos.
Os anos foram passando e, naturalmente a ti Maria Caeira, foi ficando idosa e trôpega, até que quase deixou de andar e nesse ano na véspera das Festas do Senhor dos Passos passou três noites sem dormir a pensar como ia pagar a sua promessa, uma vez que não conseguia caminhar mesmo amparada pelos filhos, até que se lembrou das palavras que tinha proferido na promessa: - "Que ela e o Manelito acompanhavam as procissões até ao fim das suas vidas, nem que fossem montados numa burrinha", ora ali estava a solução, só faltava a autorização do Prior para permitir a burrinha na procissão.
Logo de manhãzinha, chamou os filhos que estavam por perto e disse-lhe que tinha encontrado a maneira de cumprir a promessa, e contou-lhe como ia ser, por isso, tinham de ir pedir ao Prior para ele deixar participar a burrinha na procissão.
Os filhos da ti Maria Caeira ficaram surpreendidos e com muitas dúvidas na obtenção da autorização do Prior, mas a mãe explicou-lhe como deviam fazer o pedido, e dizer-lhe que a burrinha fazia parte da promessa, e não ia envergonhar ninguém, porque seria bem limpa e enfeitada com fitinhas, sendo um cenário semelhante ao da Virgem Maria montada na burrinha e conduzida por São José que, neste caso, seria o filho Manelito a levá-la pela arreata, e por coincidência também era carpinteiro.
Os filhos da ti Maria Caeira, quando ouviram a mãe, imaginaram o dito cenário e mudaram de ideia, e foram, imediatamente falar com o Prior, explicaram-lhe ao pormenor o pedido de sua mãe, mas ele não achou graça e disse-lhe que não, porque sabia que ia haver muita chacota, e exclamou: - Onde se viu uma burra numa procissão?
Os filhos da ti Maria Caeira, não desistiram à primeira, e prontificaram-se a falar com os montesarenses, que decerto iam compreender, porque era uma necessidade já que não tinham outra forma de levar a mãe para cumprir a sua promessa, mas não conseguiam demover o Prior que, continuava a dizer, não e não, mas antes de acabar de dizer não, ouviu-se um trovão tão forte que a Vila de Monsaraz estremeceu de lés a lés, e o Prior ficou tão assustado que antes de acabar de dizer não, já estava a dizer sim, sim, pensando bem, fica tudo como disseram! Quando saíram da Igreja, o céu estava completamente limpo, sem sinais de trovoada, e ficaram com a certeza que tiveram a ajuda do Senhor dos Passos.
A burrinha foi treinada para não se assustar com a presença de tanta gente, e no dia da procissão lá estava enfeitada, com a ti Maria Caeira sentada na albarda, com as duas pernas para o mesmo lado, vestindo um lindo manto, feito e bordado por ela, e o filho Manelito, parecia São José com a arreata entre mãos e, assim, cumpriram a sua promessa, fazendo o percurso da procissão.
Na Vila de Monsaraz já toda a gente sabia da presença da burrinha na procissão, mas não sabiam que ia ter tanto êxito, não só pela fé que irradiava da ti Maria Caeira e do Manelito, mas também da burrinha que parecia entender a sua missão naquele lugar, esse cenário conquistou o coração de toda a gente e não se falava noutra coisa, os montesarenses diziam que, nunca tinham visto um quadro religioso tão lindo, ao vivo, e já ansiavam a sua repetição no ano seguinte!
Este cenário repetiu-se cinco ou seis anos, e era falado e admirado não só na Vila, mas em toda a região, em cada ano acorriam mais romeiros a Monsaraz, também, atraídos pela procissão da burrinha de Nosso Senhor Jesus dos Passos, como lhe chamavam, depois, a ti Maria Caeira foi prestar contas a Deus e acabou a sua presença e da burrinha, nas procissões do Senhor dos Passos em Monsaraz.
Fim
Texto: Manuel Correia
Fotografia: Isidro Pinto

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

A LENDA DO MILAGRE DO SENHOR DOS PASSOS, QUANDO ESCONDEU MONSARAZ

A lenda do Milagre do Senhor dos Passos, quando escondeu Monsaraz 




História, lendas e tradições da Vila de Monsaraz

A lenda do Milagre do Senhor dos Passos, quando escondeu Monsaraz

Nosso Senhor Jesus dos Passos é um título de Jesus Cristo, é uma devoção na Igreja Católica dirigida a Jesus, relembrando o trajeto percorrido na Via Dolorosa até chegar ao calvário!
A sua imagem surgiu na Villa de Monsaraz, na então Igreja do Espírito Santo, depois da Misericórdia, por doação do Duque de Bragança D. Teodósio II, talvez, cerca do ano de 1600 e, a devoção dos montesarenses pelo Senhor dos Passos, foi imediata!
Nos finais da centúria de 1600, a fama dos Milagres de Nosso Senhor Jesus dos Passos, já tinha passado a fronteira e chegado às terras da Raia em Castela, de onde chegavam cada vez mais romeiros a Monsaraz!
A devoção pelo Senhor Jesus dos Passos, em terras de Castela era tanta que, um grupo de romeiros de Figueira de Vargas, Vale de Mata Mouros, Vila Nueva del Fresno e outras localidades, engendraram um plano para roubar o Senhor e erigir-lhe uma Igreja em Figueira de Vargas, porque era muito doloroso fazer o caminho, passar o rio Guadiana e depois subir o planalto até Monsaraz!
O plano dos castelhanos foi fácil de acertar, consistia em fazer uma peregrinação a Monsaraz, composta por um grande número de romeiros, homens, mulheres e crianças já crescidas, integrado nesse grupo, seguia outro de danças e cantares com bandeiras, Pendões e estandartes que representavam as suas Vilas, depois à porta da Igreja da Misericórdia armavam um grande espetáculo e distraiam os montesarenses, entretanto, outro grupo bem treinado, envolvia o Senhor dos Passos nos Pendões e seguiam a caminho de Castela, mas no exterior da Vila entregavam o Senhor a um grupo de cavaleiros que rapidamente passaria a fronteira e, se necessário, alguns davam cobertura na retirada, embora o resultado das simulações indicavam que, quando os montesarenses dessem pela falta do Senhor, já o mesmo estaria bem escondido em Figueira de Vargas!
Os castelhanos treinaram bem, conforme o plano, foram várias vezes a Monsaraz a ensaiar e tinham a certeza que tudo ia correr bem, logo, estava garantido que tudo daria certo, assim, marcaram a sexta feira dia 5 de Agosto de 1695, um dia de semana, depois da Missa da manhã, quando os montesarenses saíssem a trabalhar nas herdades e os funcionários já estivessem nas respetivas Repartições e na Câmara, seria mais fácil, porque havia poucas pessoas por ali!
Os castelhanos começaram a juntar-se às portas de Vila Nueva del Fresno na noite de quinta feira, onde foram dadas as últimas indicações, para de madrugada estarem junto ao rio Guadiana no Lugar do Gato, onde já tinham alguns barcos para os passar para a margem portuguesa, mas a cavalaria e outras montadas passavam a nado!
Quando os castelhanos se aproximaram do rio Guadiana, não conseguiam ver um palmo à frente do nariz, ficaram espantados, porque nunca tinham assistido a um nevoeiro tão cerrado no mês de Agosto, mas pensaram que, seria passageiro e, rapidamente o dia ficaria limpo, mas quando os romeiros embarcaram era tão grande a escuridão que os barcos iam contra as rochas e alguns partiam-se e só não houve naufrágios porque o rio Guadiana naquele lugar dava pé em quase todo o lado!
Perante aquele desastre, os romeiros aflitos gritavam assustados, ouviam-se em Monsaraz e por todo o Vale das Ribeiras da Pega e do Azevel, por fim, quando conseguiram juntar o grupo, através de gritos pelos outeiros, uma vez que não viam nada, partiram sem orientação, porque não faziam ideia para que lado ficava a Vila de Monsaraz, que estava coberta pelo manto negro de nevoeiro que não deixava nenhuma pista aos castelhanos que passaram ao lado, sendo barrados na serra da Barrada, onde um grupo de cavaleiros do Regimento da Casa de Bragança os esperava e, depois de os cercarem, fizeram-nos ajoelhar e obrigaram-nos a contar o motivo daquela incursão, e os castelhanos contaram ao pormenor como tinham planeado roubar o Senhor dos Passos de Monsaraz, mas estavam muito arrependidos, e adiantaram que andavam perdidos devido ao nevoeiro cerrado!
O capitão de cavalos, ao ouvir a mesma versão a vários romeiros, não teve dúvidas que falavam verdade e, perante a presença de mulheres e crianças, mandou aplicar pequenos castigos, para não facilitar e a situação voltar a acontecer, então tiraram-lhe os cavalos e as melhores botas e calças aos homens, que seguiram descalços e em ceroulas para as suas Vilas!
Os militares portugueses levaram os castelhanos de volta ao Porto do Gato, onde chegaram muito exaustos, alguns já de gatas, entretanto, alguns guardas da Praça de Monsaraz e muitos montesarenses que tinham ouvido tanto barulho, desceram ao seu encontro, mas não lhe fizeram mal, antes pelo contrário, como conheciam alguns romeiros, até os ajudaram a passar o rio Guadiana para Castela!
Quando já estava tudo calmo, e os castelhanos a caminhar para as suas Vilas, repentinamente, desapareceu o manto de nevoeiro e ficou um lindo dia de sol, vendo-se a Vila de Monsaraz a brilhar nas alturas e, Nosso Senhor Jesus dos Passos lá ficou no seu lugar!
Depois da notícia deste acontecimento percorrer a Vila de lés a lés e toda a região, os montesarenses não tiveram dúvidas que tinha sido um Milagre de Nosso Senhor Jesus dos Passos, que escondeu a Vila de Monsaraz para não ser roubado pelos castelhanos e, ainda nesse dia, fizeram uma procissão que percorreu as ruas da Vila em sua veneração.
Fim
Texto: Manuel Correia
Fotografia: Isidro Pinto

quinta-feira, 5 de maio de 2022

A LENDA DA MOURA ENCANTADA E DO AJUDA DE GADO DE MONSARAZ

 A lenda da moura encantada e do ajuda de gado de Monsaraz




Numa noite de São João, nos tempos de outrora, quando o Manuel Sarugas seguia em passo largo para se preparar para o baile, antes de entrar na Vila de Monsaraz, ouviu chamar pelos seu nome e pensou que era alguma vizinha ou familiar que também se dirigia para sua casa, mas assim que virou a cabeça, ficou abismado e exclamou: - Meu Deus, que mulher tão linda!
A mulher misteriosa que o chamava, estava em pé em cima de uma rocha a sorrir e envolvida por um suave e brilhante nevoeiro dourado e pediu-lhe para se aproximar, depois disse-lhe que se chamava Zaya e que era princesa moura, do Reino de Badajoz que, como outras mouras, esteve refugiada na Vila de Monsaraz, o último bastião do seu Reino, a cair nas mãos dos cristãos e contou-lhe que tinha sido encantada pelo seu pai naquele lugar para não se tornar escrava dos cristãos, por isso, pediu-lhe para a desencantar, porque ele tinha no bornal o que era necessário para o fazer e em troca recebia o tesouro que estava associado ao encantamento e ficava muito rico.
O Manuel Sarugas olhava para ela de boca aberta, por fim, disse-lhe que não acreditava em encantamentos de mouras, mas fosse como fosse, estava disposto a fazer tudo por ela, era só dizer-lhe o que tinha de fazer.
A princesa moura disse-lhe que, teria de lhe dar o pão que levava no bornal, mas antes, colocava-o em cima da rocha, à qual daria três voltas dizendo as palavras mágicas: “Zaya estás livre, leva este pão e vai para a moirama” e, em cada volta à rocha dava um beijo no pão, depois recebia o tesouro e seguia o seu caminho, mas sem olhar para trás, sem olhar para trás, senão o desencantamento ficava sem efeito, e por consequência ele ficava sem o tesouro e o encantamento seria dobrado, estas palavras foram repetidas duas vezes.
O Manuel Sarugas fez tudo o que a princesa lhe indicou e no final recebeu o tesouro, meteu-o no bornal e seguiu o caminho para casa, mas ficou de cabeça perdida por ela e lembrou-se que devia tê-la convidado para ir com ele ao baile, ou podia ter exigido, afinal era um rapaz rico e começou a imaginar que dançava com ela no baile de Monsaraz, tanto dançou até que fez um rodopio que o obrigou a olhar para trás.
Quando entrou em casa ia eufórico, gritando que estavam ricos, os pais e os irmãos olharam uns para os outros e pensaram que ele estava parvinho, mas ele exibiu o bornal e pediu que o alumiassem com a candeia, dizendo que, estava cheio de moedas de ouro, mas todos confirmaram que não era verdade, estava cheio, mas de pedacinhos de ferro.
O Manuel Sarugas tinha visto o seu bornal cheio de moedas de ouro, por isso, não acreditava no que estava a ver, então lembrou-se das palavras da princesa, “não podia olhar para trás” e ele ao fazer aquele rodopio na dança, tinha olhado para trás e passado os olhos pela rocha, tentando vislumbrar a princesa, por isso, estava visto que o desencantamento tinha ficado sem efeito e o ouro do tesouro tinha-se transformado em ferro.
O Manual Sarugas ficou revoltado e já não foi ao baile, correu à rocha da princesa a tentar emendar o seu erro, chamou, chamou, disse as palavras mágicas muitas vezes e andou em redor da rocha até se cansar, mas nada aconteceu, então, zangado, atirou os pedacinhos de ferro pela ladeira de Monsaraz, chegando alguns à Aldeia do Telheiro e, ainda hoje, por ali se encontram alguns pedacinhos ferrosos.
O Manuel Sarugas, voltou para o curral do gado e nunca mais ficou bom da cabeça, em todas as conversas envolvia a princesa moura, como se estivesse presente e passou as noites de São João do resto da sua vida a andar em redor da dita rocha, dizendo as palavras mágicas e a dar beijos num pão.
Quanto à princesa Zaya, parece que, continua encantada nessa rocha, debutando misticismo à entrada da Vila de Monsaraz.
Fim
Texto: Manuel Correia
Fotografia: Isidro Pinto

domingo, 20 de março de 2022

A LENDA DO ABASTECIMENTO DE ÁGUA A MONSARAZ

 

Fonte do Telheiro
Fonte do Telheiro


A LENDA DO ABASTECIMENTO DE ÁGUA AO POVO  QUE MORAVA NO CÉU, EM MONSARAZ


Num Domingo do mês de Outubro de outros tempos, durante o almoço, o avô disse ao neto que, a seguir iam dar um passeio, para ele ver uma obra de alvenaria no Monte Novo do Seixo, perto de Montes Juntos, o neto vibrou de alegria porque, como sempre, seria mais uma aventura em companhia do avô!

Feitos os preparativos, saíram para sul em direção a Montes Juntos, estava um dia ameno, mas no céu havia nuvens soltas, formando grandes castelos, mas sem ameaças de chuva! 

O neto, não cabia em si de contente e, falava, falava, fazendo comentários sobre tudo, o que viam pelo caminho, pedindo sempre a aprovação do avô, ficando muito vaidoso por já perceber dos assuntos dos homens! 

Quando entraram na herdade do Terraço, avistaram a Vila de Monsaraz, e o neto não se conteve e começou a gritar, muito entusiasmado: 

Neto: Avô, avô, olhe, olhe, lá está a tal terra no céu! 

Avô: Qual Terra no céu? Ah! É Monsaraz! Então, no dia que fomos à lenha não te disse que além era Monsaraz?

Neto: Pois disse, avô, mas já viu que hoje não está no mesmo sítio do outro dia! Hoje até está do céu para cima! 

Avô: Na verdade, até parece que tens razão, mas não tens, porque é ilusão, aqui da nossa posição parece-nos que está acima das nuvens, mas não está no céu! 

Neto: Olhe que não sei avô, não sei, eu acho que está! Então se as nuvens estão no céu, aquela Terra ainda está mais para cima das nuvens, não pode estar noutro lado, senão no céu, ou para cima dele! 

Avô: Já te disse que não passa de ilusão, mas que a Vila de Monsaraz está lá muito alta, isso está! 

Neto: Então, o avô já lá foi?

Avô: Já, já, conheço muito bem a Vila de Monsaraz, é muito bonita! 

Neto: Então e como é que o avô subiu lá para o céu? Por algumas escadas?

Avô: Oh neto, toma lá tato, a Vila de Monsaraz fica num outeiro muito alto, mas não é no céu, daqui é que parece que está pregada ao céu, mas não está! Quando lá fui, subi por uma ladeira que os homens fizeram para subir e descer a buscar as coisas que lá precisam!

Neto: Avô, têm vir buscar tudo cá abaixo, porque não têm nada lá em cima?

Avô: Têm lá muita coisa, mas vai quase tudo cá de baixo! 

Neto: Levam quase tudo para cima, menos água, não é avô? Ela vem lá de cima, devem ter lá muita água! N 

Avô: Não, neto, pelo contrário, esse é um dos maiores problemas da Vila de Monsaraz, porque a água que bebermos, nasce na terra, como lá em cima é tudo rochas, assim, o povo de Monsaraz, também tem de descer e subir, com a água às costas ou carregada por cavalos, bestas e burros, embora lá fique alguma da chuva em cisternas, mas não chega para todos! 

Neto: Eh avô, coitados, deviam passar lá muita sede! 

Avô: Não, neto, não passavam sede, porque tinham muitas maneiras de fazer o abastecimento de água, não era fácil, mas tinham água! O avô já te conta como era feito o abastecimento de água à Vila de Monsaraz noutros tempos! 

Sabes que, os primeiros povoadores que foram para lá morar, ainda antes dos Mouros, fizeram logo uma cisterna para guardar a água da chuva e essa água durava para muitos meses, mas nesse tempo, as pessoas desciam as encostas do Monte todos os dias, a trabalhar nas terras e a guardar o gado e, quando voltavam a casa levavam cá de baixo, das Fontes, a água que precisavam para beber!  

Depois, de ser dos portugueses a  Vila de Monsaraz começou a crescer e o Rei D. Dinis mandou acrescentar e reforçar o Castelo e nessa altura fizeram uma cisterna e um poço lá dentro, para abastecer de água quem lá morava, assim como a guarnição militar e para terem água em caso de cerco pelo inimigo! 

Com o passar do tempo a população foi aumentando, tinha cada vez mais pessoas, logo, era preciso mais água, porque sem água ninguém vive, então, o governador mandou abrir um poço muito fundo, chamado poço D' El-Rei que, forneceu água aos moradores de Monsaraz durante muitos séculos, porém,  deixou de ser suficiente e tiveram de encontrar outras maneiras de ter mais água e, na centúria de 1500, a Câmara mandou construir uma grande cisterna na praça da Vila, à qual chamaram cisterna da Vila com grande capacidade, era o reservatório de água mais importante da Vila e recolhia as águas das chuvas que caiam nos telhados de quase todas as casas da rua principal, chamada Rua Direita e, um sistema de caneiras faziam entrar a água nessa cisterna. pelo que,  quando chovia ficavam com muita água para todos, mas em anos secos, quando chovia pouco, havia falta de água e tinham de a carregar lá para cima!

No início dos anos de 1800, a cisterna da Vila estava muito danificada, descuidaram-se em a arranjar e começou a faltar a água, então a Câmara mandou abrir um poço na praça da Vila, com sete a dez metros de fundo, porque, pensavam que resolviam o problema, mas esse poço dava pouca água e sem qualidade, acabando por desaparecer e convenceram-se que, o melhor reservatório de água era a cisterna da Vila e foi arranjada!

Ainda havia outra cisterna em Monsaraz, mas era privada e estava no interior da casa do Juiz de Fora, o homem mais rico da Vila, à qual, os moradores não podiam chegar! 

O abastecimento de água à Vila de Monsaraz, ao longo dos tempos, foi feito por três cisternas, contando com a da praça do castelo e a particular e por três poços, o poço D' El-Rei, o poço da praça da Vila e o poço da guarnição também dentro do castelo, mas desde sempre, os montessarenses, recorreram às Fontes de boas águas em vários lugares nos arredores da Vila, sendo mais conhecidas, a Fonte do Telheiro, a Fonte dos Poços Novos e a Fonte da Colaça, sendo o transporte da água a partir dessas Fontes feito em cântaros de barro às costa dos moradores, ou em cavalos, mulas e, principalmente pelos aguadeiros, os homens que vendiam a água às portas das casas na Vila, andavam todo o dia, desde madrugada, descendo e subindo as ladeiras, chegando quase ao esgotamento e muitas vezes o cansaço era tanto que para subirem, tinham de agarrar a cauda dos burros para os ajudarem a subir, mas nunca negavam água aos montessarenses!

Sabes que, nenhuma Fonte forneceu tanta água e de boa qualidade, à Vila de Monsaraz, como a Fonte do Telheiro, a qual, mesmo nos anos muito secos, quando secavam todas as Fontes na região, esta, deu sempre água em abundância! 

Neto: Então, assim as pessoas que moravam lá no céu, não passavam sede? 

Avô: Nâo, neto, de uma maneira ou outra, tinham sempre água, quando chovia todas as vasilhas serviam para apanhar a água dos beirais, até os tachos e as panelas, porque a água da chuva é muito boa para beber e para cozinhar, não há melhor água para cozer os grãos e o feijão e, além disso, como te disse, a dita Fonte do Telheiro nunca deixou de lhes dar água em abundãncia! 

Neto: Eh, avô, eu gostava muito de ver essa Fonte e aquela Terra no céu! 

Avô: Fica descansado neto, um dia vais conhecer isso tudo.

Assim, durante a viagem, o avô contou ao neto, à sua maneira, o que sabia sobre o abastecimento de água, durante séculos, aos moradores da Vila de Monsaraz.

Fim 


Texto: Manuel Correia Manuel Fotografia: Isidro Pinto

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

A ORIGEM DAS CALÇADAS DE MONSARAZ

 IMPORTANTE E BONITO TEXTO DO NOSSO AMIGO Francisco Capelas SOBRE  A ORIGEM DAS CALÇADAS DE MONSARAZ



 Monsaraz

As antigas calçadas das ruas da vila e dos seus acessos.

Sabe-se que , ao lado da posse de altos cargos administrativos e de títulos nobiliárquicos os nobres portugueses continuaram no século XV a receber diversos privilégios fiscais .

Em tempos de D. João I, Monsaraz e o seu termo foi integrado na sereníssima Casa de Bragança, por doação de D. Nuno Alvares Pereira em 1422, ao seu neto D. Fernando passando em matéria de tributação fiscal, a constituir um dos mais preciosos e fartos vínculos desta grande casa ducal portuguesa.

Desde os tempos de D. João I , era uma terra imune, por ser couto de homiziados, destinado a atrair moradores e a tentar a sua expansão demográfica a custa de criminosos foragidos à justiça e recrutados na escória Humana do Pais, caracterizada pelo não pagamento de impostos à coroa, onde a entrada de funcionários régios era proibida, e onde todas a funções administrativas dependiam da sereníssima Casa de Bragança, que nomeava o juiz ou ouvidor para fazer justiça, o cobrador de impostos, vigários e meirinhos, e onde também mantinha as suas próprias tropas.

Na história de Monsaraz, encontramos períodos de graves e perigosas crises de despovoamento derivado ao fato da vila ser «fragosa e de má serventia» situação ,aliás, que originava um fenómeno periódico e repetido, com carater fatalista , dadas as frequentes crises demográficas.

A sua importância estratégica como povoação fortificada próxima da fronteira com Castela, recomendava o seu forte povoamento, e para isso havia que criar condições que levasse a fixação dos seus moradores.

Por isso D. Afonso V nas cortes de 16 Dezembro de 1439,terá atendido de imediato aos apelos formulados pelo procurador do concelho, concedendo a Monsaraz todos os privilégios.(1)

O grande investigador da história regional Dr. José Pires Gonçalves escreveu a propósito o seguinte:

«E tão grave se manifestou esta crise demográfica que , nas cortes celebradas em tempos de D. Afonso V, o procurador do concelho de Monsaraz, Diogo Lourenço, apelou ao rei e solicita para os moradores da vila e do seu termo, como medida repovoadora, a isenção dos tributos a que se encontravam obrigados, alegando ainda, à concessão com clarividência politica, que essa isenção devia ser extensiva «aos judeus e mouros que ali fossem morar»

O rei com exata noção da realidade local, não só atendeu as reclamações formuladas por Diogo Lourenço em matéria administrativa e fiscal, como também, para facilitar o acesso dos moradores da vila, mandar pavimentar as congochas que pelos flancos do outeiro ascendem ás portas da muralha e alarga a sua generosidade até à conceção do grande previlégio urbanístico do calcetamento das ruas no interior da povoação.

Este calcetamento foi executado com material lítico pobre do Xisto regional e para maior segurança ambulatória das cavalgaduras e dos próprios homens, movendo-se nas ruelas de acentuado desnível, a técnica aplicada foi o da calçada em cutelo, com os toscos blocos de lage implantados de gume no leito da pavimentação, como ainda hoje ali de pode observar nos troços mais antigos do empedramento»(2)

Estes grandes obras de beneficiação da vila e dos seus acessos, terão decerto necessitado de muita mão de obra escrava, naquele tempo abundante no termo de Monsaraz.

Não conheço nenhum documento que me permita afirmar como verdade histórica, de onde foram extraídas as pedras de xisto necessárias para estes pavimentos, mas,… é na toponomia do tablado físico do antigo concelho de Monsaraz que ainda hoje existe o topónimo” Serra das Pedras”. Não me custa acreditar que terão sido dos afloramentos de xisto existentes naquela serra (próxima de Monsaraz), que terão sido extraidas as pedras para os penosos trabalhos de calcetamento das ruas e acessos á vila medieval de Monsaraz.

Texto: FRANCISCO CAPELAS

Fotos: Porta d´Évora -José Rosado de Carvalho

E Monsaraz A Caminhar 

Referências:

(1)-A.N.T.T., Chancelaria de D. Afonso V, Livro 19, fól. 70

(2)-Monraraz- Vida morte e ressureição de uma vila alentejana-Joé Pires Gonçalves




quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

A lenda do Milagre do Senhor Jesus dos Passos no Terramoto de 1755

 

História, lendas e tradições da Vila de Monsaraz 

A lenda do Milagre do Senhor Jesus dos Passos no Terramoto de 1755 

Na madrugada do dia 01 de Novembro de 1755, a aurora não apresentava nenhum sinal diferente das anteriores, anunciava mais um lindo dia de sol brilhante e, mesmo sendo o dia de Todos os Santos, a vida do campo não podia parar, embora, as sementeiras estivessem feitas, o trabalho nunca acabava, assim, após assistirem à primeira missa da manhã, os moradores da Vila de Monsaraz, trabalhadores rurais, dirigiram-se aos respetivos Montes e herdades, mas os funcionários do Reino e da Sereníssima Casa de Bragança, a donatária da Vila, sendo feriado, estavam aliviados das suas funções e, com as suas famílias, foram assistir à Missa das nove horas na Igreja de Santa Maria da Lagoa! 

Cerca das nove horas e trinta e cinco minutos, da manhã, a Vila de Monsaraz estremeceu com tão grande intensidade que, as suas muralhas, muito degradadas desmoronaram, imediatamente, assim como  parte do Castelo, porém, os edifícios e as Igrejas do interior da Vila, pouco sofreram, apenas ficaram algumas rachas e cairam uns pedaços de paredes velhas e de rebocos, sem fazer nenhuma vítimas! 

Naquela manhã, a Igreja de Nossa Senhora da Lagoa estava cheia de fiéis, a assistir à Missa de Nossa Senhora do Rosário que, era cantada com orgão e assistida por oito sacerdotes e, no momento em que a Igreja sofreu o grande impacto do terramoto, caiu muito pó e rebocos e, algumas Imagens foram afastadas dos lugares nos seus altares, os fiéis entraram em pânico, mas não houve nenhum perigo para as pessoas que se achavam na Igreja, apenas ficaram muito empoeiradas, sendo a sua proteção atribuída a Nossa Senhora do Rosário, a qual todos os fiéis durante o terramoto, com vozes e lágrimas invocaram! 

Passados poucos minutos, ficou um medonho silêncio, sem ninguém se mover do lugar onde se encontrava, com receio que o seu movimento desencadeasse a queda das paredes e, começaram a ouvir-se gritos de aflição no exterior, porque, as pessoas não viam sair ninguém e pensaram  que, a abóboda da Igreja de Santa Maria da Lagoa tinha desabado e estavam lá todos sepultados!

Assim que, o povo e as autoridades se certificaram da ausência de réplicas do terramoto, ainda desorganizados, começaram a correr pelas ruas, pelos campos, por todo o lado, à procura dos seus amigos e familiares, dando lugar a grande confusão! 

O tempo foi passando e antes do meio dia, já havia grupos organizados para prestar ajuda, começaram por visitar as casas e os seus moradores, avaliando o nível de destruição e se era necessário dar alguma ajuda, foram entrando nos edifícios e nas Igrejas da Vila e, quando um grupo entrou na Igreja da Misericórdia deparou-se com um cenário que os deixou abismados, não mexeram em nada e, algumas pessoas saíram a correr a chamar as autoridades, os guardas, militares e padres e com eles veio muita gente atraída pelo alarido! 

Na Igreja da Misericórdia, Nossa Senhora da Piedade com sua criança, tinha o seu lugar no segundo Altar colateral da parte da Epístola e, durante o terramoto caiu no meio da Igreja em frente de Nosso Senhor Jesus dos Passos, ficando a seus pés, em posição de suplício, por isso, foi logo assumido pelos devotos que Nossa Senhora movida da sua piedade se prostrou por terra a suplicar a seu Bendito Filho, para salvar a Vila de Monsaraz e seu Termo, (Concelho) da destruição, e de verdade, não houve ruína de relevo nos edifícios da Vila e, as gentes não sofreram o menor dano físico! 

A notícia de que o Senhor Jesus dos Passos tinha feito um Milagre ao salvar a Vila de Monsaraz e seu Termo da destruição, depressa se espalhou e, em poucas horas o povo juntou-se na Igreja da Misericórdia, onde decidiram continuar a juntar-se durante nove dias seguidos a fazer Preces e no fim fizeram uma procissão e Missa cantada para lhe dar as graças! 

Os montesarenses reconheceram o grande benefício, sem dúvida, que foi um Milagre, por isso, continuaram a dar as graças a Nosso Senhor Jesus dos Passos, tornando-se excessiva a sua devoção para com a sua soberana Imagem, havendo devotos que a visitavam todos os dias, mas o dia da visita comum, estava assente que seria às Sextas - Feiras! 

Os montesarenses são muito devotos de Nosso Senhor Jesus dos Passos, continuando a venerá-lo, de entre outras formas de fé, através da realização da Festa em sua honra no segundo fim de semana do mês de Setembro. 


Fim

Texto: Manuel Correia 

Fotografia: Isidro Pinto 


Nossa Senhora da Piedade - Monsaraz 


domingo, 30 de janeiro de 2022

O TI GARRANA A VENDA DO BENTO E A TROVOADA

 O TI GARRANA A VENDA DO BENTO E A TROVOADA


Já aqui referi em alguns textos, que o Telheiro provavelmente devido á sua privilegiada localização geográfica, desempenhou importante papel socioeconómico durante várias décadas, nomeadamente, nas de 50/60/70 proporcionando como tal uma enorme oferta de serviços das mais variadas profissões, foi nessa condição, que atraído pela prosperidade do Telheiro e pela consequente oferta de trabalho, oriundo dos Motrinos chegou ao Telheiro o Ti Garrana, onde durante longos anos, desempenhou o papel de malhador de ferro na oficina dos LOPES, com o passar dos anos e o vício a corroer-lhe o físico, acabou por passar os últimos anos da sua vida, sozinho numa improvisada choça, junto ao tronco de uma milenar oliveira, que ainda hoje existe, na tapada da fonte quase a chegar ao posto de aquilo que era a Guarda Fiscal do Telheiro.
Sem meios próprios de subsistência, vivia da caridade alheia e da boa vontade de um ou outro que lhe pagavam um copinho.
Foram épocas duras para todos, de uma maneira geral, as mercearias e tabernas ou vendas como também se designavam eram pequenos negócios familiares, na maioria dos casos repartidos com outras atividades, ou pequenos seareiros ou até assalariados de outros nas grandes herdades, como era o caso do Bento à época, carreiro no Azinhalinho, ficando durante o dia o negócio entregue à esposa.
O ti Bernardino Garrana apesar de entregue ao álcool e das precárias condições em que vivia era bom homem, respeitador e educado, sendo por isso respeitado por toda a gente, nesse dia e como de costume, foi já perto da hora de almoço até á Venda do Bento no Ferragudo, quem sabe aparecia alguém capaz de lhe pagar um copinho, quis o destino, que enquanto estava por ali, se armou trovoada tamanha, que foi a Chica Viola que apavorada com o medo dos trovões lhe disse, AÍ Ti BERNARDINO!!!!! Deixe-se estar aqui que eu e a minha Maria Antónia temos muito medo das trovoadas e assim sempre nos faz companhia, respondia o BERNARDINO, OH CHICA!!!!!! está descansada que pelo menos aqui não me cai a água em cima, a trovoada foi-se aproximando, os relâmpagos e trovões eram cada vez mais frequentes e fortes, aproximando-se a hora do almoço e incapazes de comer com medo dos trovões, trouxe a CHICA VIOLA as sopas de feijão, que estavam ao lume na panelinha de barro e que tinha preparadas para si e para a filha, comentando para o Ti Bernardino OLHE Ti BERNARDINO!!!! Coma as nossas sopas que a gente com a trovoada não somos capazes de comer, enquanto a Chica Viola e a Filha a cada relâmpago forte se benziam, AI JESUS SANTO NOME DE JESUS, SANTA BARBARA NOS ACOMPANHE!!!!! Impávido e sereno a tudo isto ia o Bernardino banqueteando-se com as sopinhas de feijão e o copinho de vinho, já bem comido e quase a terminar a refeição, num gesto tão próprio de quem não usa guardanapo, limpou os beiços as costas da mão, lambeu os lábios e exclamou, AI VIRGEM SANTÍSSIMA, ASSIM FIZESSE TRAVOADA TODOS OS DIAS!!!!!!
O orgulho nas nossas origens é aquilo que nos diferencia e nos engrandece a Chica Viola e o Bento eram os meus pais e a Maria Antónia a minha irmã.
“Texto Isidro Pinto”
“Foto da Net”