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sábado, 31 de outubro de 2020

O RAMPELHÃO E OS BARRENOS DA PORTA DO BURACO


 

O Rampelhão e os Barrenos da Porta do Buraco.




Estaríamos talvez na década de 50/60 e a falta de maquinaria apropriada e á época pouco desenvolvida obrigava a que as enormes camadas de xisto que se interpunham no caminho tivessem que ser removidas com a ajuda de explosivos. Trabalho árduo e perigoso para alguns, motivo de brincadeira e adrenalina para outros. Quanto mais a estrada se aproximava de Monsaraz mais compacta a rocha se tornava, e mais frequentes eram os barrenos (nome dado às explosões dentro da rocha). Os miúdos de Monsaraz não tinham agora que se deslocar muito para assistir de perto a toda aquela azáfama que tanto os divertia. João não vais lá pró pé dos homens do fogo, recomendava a sua mãe, ó mãe quando o Ti Arrenca grita, FOGO, FUJAM, eu sou dos primeiros a fugir para baixo do arco da Porta do Buraco, e sou dos que corro mais as pedras não me apanham, está bem está bem concluía a mãe. O Rampelhão rapazolas Montesarense todo espevitado, não queria perder pitada dos Barrenos tendo já consciência como se preparavam e dos efeitos demolidores daquela coisa, a sua presença junto dos homens do fogo tornou-se de tal maneira assídua que estes já não sabiam que fazer para se livrar da rapaziada e principalmente do Rampelhão, até que um dia, como era frequente naquela época alguém se lembrou, este um dia temos que o entalar (enganar) e mandamo-lo ir buscar a pedra de afiar os picaretos que ele anda aí um dia inteiro carregado com um barcoeiro, (pedra grande) esperem lá rapazes dizia o Ti Arrenca, tenho ideia melhor, deixem comigo. Um belo dia logo que a rapaziada se aproximou, diz o Ti Arrenca, olhem lá rapazes! qual de vocês é que quer fazer um favor á gente? eu, eu, responderam quase em coro todos os miúdos de onde sobressaía a voz traquinas do Rampelhão, vai o Rampelhão que ele é o mais forte, concluía o Arrenca, o bom do rapaz enchia o peito de ar e dizia para os outros sou o mais forte, então vais lá aos correios lá no largo da Igreja, na casa do Herculano Pinto buscar uma encomenda, mas olha que aquilo é dinamite para os Barrenos e tu tens que ter muito cuidado dizia o Arrenca, eu sei que aquilo é muito perigoso, o outro dia estava eu amagado (agaixado, escondido) debaixo da Porta do Buraco e quando vossemecê gritou Fogo saltou de lá uma pedra prá aí quase do seu tamanho que subiu mais alto que o Varandil, dizia o Rampelhão. Terminado o diálogo apressou-se o Rampelhão a cumprir tão importante missão, Monsaraz à época fervilhava de gente, todas as casas estavam habitadas e de uma maneira geral as famílias eram numerosas o que pressuponha sempre pessoas na rua, passava o Rampelhão a caminho dos Correios e os bons dias eram constantes, não necessitavam que lhe perguntassem onde ia, vaidoso com tão nobre tarefa que lhe haviam confiado, era ele que dizia, vou aos Correios a casa do Herculano Pinto buscar uma encomenda de fogo pró Ti Arrenca, vê lá rapaz olha que isso é muito perigoso, argumentavam alguns, já estou habituado, todos os dias vejo os homens deitarem os Barrenos lá na trincheira da Porta do Buraco dizia o Rampelhão. Sempre bem falante dizia o Rampelhão, bom dia Ti Herculano, olhe venho buscar a encomenda para o Ti Arrenca, olha lá rapaz olha que isto é muito pesado e perigoso não a podes deixar cair senão isto arrebenta tudo, advertia o Herculano, já estava previamente embalado um enorme pedregulho que o Ti Herculano ajudou a meter às costas do rapaz, aguentas-te Perguntava o Herculano? aguento, mas isto é muito pesado, respondia o miúdo, tens razão isso é muita pólvora que aí vai, isso que aí está, dá para rebentar com Monsaraz inteiro, continuava a advertir o Herculano, por isso vê lá se te aguentas. Os primeiros metros foram feitos com alguma facilidade, mas não tardou que os efeitos do excessivo peso se começassem a notar, o cansaço já era evidente, o suor corria-lhe pela face enquanto que as pernas lhe tremiam que nem varas verdes, queria aguentar mas não era capaz, tomou uma decisão, aproveitaria o poial á porta da taberna e tentaria descansar aí um pouco, o dia estava chuvoso e muitos homens não tinham ido trabalhar o que fazia com que a taberna estivesse cheia dentro e fora de portas, e porque também aquela hora já se tinha espalhado a noticia que o Rampelhão havia caído no engano, alheio a tudo isto e tentando ignorar toda esta gente caminhava com imenso esforço o Rampelhão, o poial parecia-lhe cada vez mais longe, finalmente chegou e encostou-se à parede para que com a ajuda desta a carga fosse deslizando suavemente até à altura do poial, aos poucos ia inclinando o franzino corpo e deixando que o próprio peso da carga o fosse empurrando para a frente e deslizando pouco a pouco os pés, esqueceu-se porém que nesse tempo havia imensas galinhas na rua e que para azar o seu uma havia deixado uma enorme larada sobre as pedras no sítio onde agora estavam os seus pés, o escorregão foi de tal ordem que se deu por feliz não ter ficado debaixo da pedra que caiu com um enorme estrondo sobre o poial, de repente lhe veio á cabeça as palavras do Herculano Pinto HÁ AÍ PÓLVORA PARA DERRUBAR MONSARAZ INTEIRO, sem qualquer hesitação desatou rua abaixo numa corrida desenfreada gritando, FUJAM FUJAM, QUE ISTO ARREBENTA TUDO.

Esta é a nossa forma de homenagear e preservar as memórias das nossas gentes. Obrigada a todos os Rampelhões, Serranos, Zé Ferreiras e muitos outos que escreveram as ultimas páginas da História de Monsaraz enquanto Vila VIVA.

Obrigado amigo António Rodrigues (Marreneco) por me ter contado esta estória.

Um grande obrigado á Maria João Ramalho por me ter autorizado a relembrar aqui o seu pai. 

Testo e foros de Isidro Pinto

 

 



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