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segunda-feira, 2 de novembro de 2020

O PAPELA E OS PEIXES NAS ARMADILHAS

 O PAPELA E OS PEIXES NAS ARMADILHAS




Era um mês de Dezembro já avançado, tinha chovido bastante esse inverno e os ribeiros tinham engrossado o Guadiana que tinha perdido a sua calma e corria agora turbulento em direção a terras mais a sul. As águas iam agora turvas e isso era um bom pronuncio para boas pescarias com os guitos (corda de nylon com um ou dois anzóis) e as cordas (semelhante aos guitos mas normalmente com muitos anzóis, 10, 20,30, dependendo se era lançada de barco ou de margem). A dois passos do Guadiana no monte do Xerês viviam agora o Espenica e o seu irmão Papela, já que o seu progenitor ti Manuel era ali o moiral das porcas, o Espenica sendo o mais velho contribuía já para o sustento da família com o magro soldo de ajuda do seu pai, o Papela um pouco mais novo passava os dias aos grilos e aos pássaros com as armadilhas. Nesse dia era Domingo e como tal apesar de não ser dia de folga era o ti Manel um pouco mais condescendente não obrigando o Espenica a acompanhá-lo no maneio das porcas, sabendo ele disso tinha de véspera preparado os guitos e já muito á tardinha depois de encerrado o gado deu um salto ao rio e uns com minhoca outros com lesma lá os foi lançando á água antes que escurecesse, agora era só esperar e voltar na manhã seguinte. O Papela sabia muito bem como se armavam as armadilhas tinha passado o dia de sábado aos bichos e á tardinha quase noite umas com bicho outras com azeitonas lá as foi armando por forma aproveitar as melhores horas que são as primeiras da manhã. Já o dia começava a clarear quando o Espenica por força do hábito acordou, lembrou-se que não tinha que ir com o seu pai e deu mais uma volta na tarimba que ficava ao lado da do Papela que dormia ainda profundamente, tentou dormir mais um pouco mas a claridade que entrava já através da cortina da pequena janela e a excitação do que podia ter nos guitos não deixaram, levantou-se, afastou a cortina que servia de porta, e já na cozinha calçou as botas de borracha, junto ao lume a velha panelinha de barro com o café esperava-o, espreitou para o armário de madeira com portas ás ripinhas, onde a sua mãe guardava a comida, para se certificar se havia sobrado algum toucinho cozido das sopas de couve do dia anterior, pouca sorte a sua não havia nada, apenas um bocado de queijo e algum pão, felizmente o pão era mole, o avio (designação que se dava ao aprovisionamento dos bens alimentícios para a semana ou quinzena conforme os casos) era feito ao sábado no Telheiro á da Carminda ou no Ferragudo á do Bento para toda a semana. Era um domingo solarengo com a luminosidade própria dos frios dias de Inverno, bebeu o café, comeu um naco de pão, e, estava pronto para sair, abriu a porta da rua e o branco das ervas deixava adivinhar as características geadas próprias desta época do ano, voltou ao quarto para procurar algo mais de agasalho, o Papela ainda dormia, mas agora um pouco mais agitado, talvez esteja a sonhar com os tordos que terá nas armadilhas pensou o Espenica. A geada estalava-lhe debaixo dos pés, tomou o caminho do ribeiro da tapada do Xerez por ser dos mais curtos e por saber que os guitos estavam na foz do referido ribeiro, cujas águas cristalinas vindas das ábas da Serra e da Fonte dos Sapateiros formavam pequeninas cascatas quebrando o silêncio dos campos e dando a este quadro o mágico ruido de um ribeiro a correr, caminhava já á algum tempo e o campo fervilhava de vida, os coelhos corriam as dezenas á sua frente a esconderem-se nos cováis, (buracos no solo que comunicam entre si e que servem de esconderijo aos coelhos) os tordos e os melros chilreavam nas milenares oliveiras, aqui e ali assobiava uma cotovia, mais além ouviam-se cantar as perdizes, de tão absorvido por tudo isto quase ia pondo o pé encima de uma armadilha, salvou no ultimo momento ter visto a terra mexida, eram as armadilhas do Papela, sempre ávido por lhe pregar partidas logo começou a magicá-la, mas ficaria para depois, agora a prioridade era ir ver os guitos, tinha feito alguns sinais para não os perder, á sua frente estava já uns ramos de piorneira partidos, era o sinal ali estava uma corda com alguns anzóis, pegou na ponta e começou a puxar com algum cuidado par não encalhar, primeiro anzol não tinha nada continuou e ao todo essa corda tinha três barbos pequenos, passou á seguinte e essa sim tinha dois barbos grandes e um enguia, tirou ao todo quatro ou cinco quilos de barbos e duas enguias, meteu tudo dentro da sacola e retomou o mesmo caminho de regresso ao monte, ao todo o Papela teria armado sete oito armadilhas, a esta hora algumas já teriam pássaros, passou pela primeira que era a ultima porque agora vinha em sentido inverso, e essa tinha um papinho amarelo, deixou-o ficar, a seguinte tinha um melro e também ficou, a terceira não tinha nada e essa sim, tirou um peixe da sacola e meteu-o na armadilha como se este tivesse mordido o isco e caído na armadilha, fez este procedimento a mais duas ou três e seguiu para o monte imaginando antecipadamente a cara do Papela ao ver os peixes nas armadilhas. Ao chegar ao monte já o irmão com o passo acelerado que lhe hera característico dava passadas largas na direção do ribeiro do monte, viu as primeiras duas armadilhas e estas sim tinham pássaros, uma um tordo e outra um melro, caminhou um pouco mais na direção das outras e á distancia que estava olhou e viu que algo de anormal se passava, não conseguia ver o que era, mas pensou, talvez uma abibe, era demasiado grande para tordo, apressou um pouco o passo e já mais perto nem queria acreditar tinha apanhado um enorme peixe na armadilha, continuou e tirou mais alguns peixes e pássaros, o resultado não se fez esperar, passado algum tempo vinha o Papela que não cabia em si de contente de sacola ás costas na direção do monte, ainda faltavam alguns metros para a entrada da casa e já ele gritava pai, mãe, !!!! venham ver o que eu apanhei, e ali mesmo na rua do monte pegou pelo fundo do saco, e entre armadilhas e pássaros havia também peixes, só depois de uma exaustiva explicação dos progenitores percebeu que tinha sido enganado pelo irmão, ficou de tal maneira ofendido que ainda hoje passados cinquenta anos ninguém lhe podia perguntar pelos peixes. Que descanses em paz Joaquim.
"Foto da Net Texto Isidro Pinto"
Obrigado aos familiares do Espenica e do Papela pela permissão para publicar esta história.

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