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domingo, 28 de fevereiro de 2021

A ROCHA DA NOIVA (A nossa história)

 A ROCHA DA NOIVA


Importa relembrar aquilo que não vem nos anais da história e que só as gentes da terra sabem. É esta  a história com que se escreve a  identidade de um povo.

Hoje vamos falar da ROCHA DA NOIVA, se recuarmos até antes dos meados do século XVIII, as aldeias, daquilo que é hoje a freguesia de Monsaraz e que à época era freguesia de São Tiago, não tinham igrejas, só a partir de 1750 se construía a igreja dos Motrinos e muito posteriormente, já na década de 60 do século passado, se construio a da Barrada e do Outeiro. Como facilmente se depreende a Vila de Monsaraz, era não só  sede administrativa, como também  religiosa. Há ainda entre nós quem se recorde perfeitamente, dos casamentos vindo das aldeias vizinhas. Monsaraz, pela orografia do terreno, sempre primou pela enorme dificuldade de acessos, a atual estrada, que hoje conhecemos também ela é obra recente, finais dos anos 50/60 do século passado. Como tal, vir casar a Monsaraz, implicava vir de carroça até ao Telheiro, e a partir de aí, o percurso era feito a pé, pela ladeira da fonte, entrando pela porta de Évora e é aí, que um pouco antes da porta, ainda hoje existe uma rocha a que todos chamamos a ROCHA DA NOIVA, era  a escassos metros da entrada da vila, e depois da íngreme subida, que a noiva e acompanhantes paravam para repor  fôlego, trocar os sapatos, ou dar os últimos retoques na maquilhagem, existindo até na própria rocha, uma pequena reentrância em forma de assento, que era onde a noiva se sentava.

É esta a história que só as gentes da terra sabem, e que nos compete deixar ás gerações vindouras.


“Texto e fotos Isidro Pinto”

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

AS TRADIÇÕES DE ANTIGAMENTE FESTAS DA SANTA CRUZ.

 AS TRADIÇÕES DE ANTIGAMENTE 


FESTAS DA SANTA CRUZ.
ANOS 60



 AS FESTAS DA SANTA CRUZ. são conhecidas em vários locais do país emergindo sob diversas formas de manifestação, designadamente no Alentejo.
Realizadas originariamente nos primeiros dias de maio, estas Festas foram, como, aliás aconteceu com quase todo o calendário festivo e religioso, objeto de alteração da sua data, dado que as populações adaptaram a sua realização aos ritmos contemporâneos da vida urbana que permite maior disponibilidade aos fins-de-semana. 
Esta festa não conta com a participação de qualquer elemento do clero ou representante da Igreja Católica, caracterizando-se por ser uma manifestação popular organizada, gerida, ensaiada e concretizada, desde que há memória, pelas mulheres da vila.

Quando o espaço está arranjado, a vila espera por começar a ouvir o som agudo e quase estridente com que as vozes das mulheres enchem o espaço, entoando uma ladainha que se assemelha a um “pranto” e a que chamam “cântico”; as mulheres surgem organizadas em dois grupos distintos, um dos quais desce, enquanto o outro sobe, a rua principal da Vila até se encontrarem na pequena mesa preparada para o efeito. O grupo que desce rumo à encruzilhada é liderado pela Mordoma, vestida de branco e transportando nas mãos, a chamada Santa Cruz, enfeitada com ouro emprestado pelos residentes na aldeia para o efeito; o grupo que sobe para o local do encontro é liderado pela Madalena, vestida de negro e transportando nas mãos um pano com o rosto de Cristo coroado de espinhos. Cada grupo é constituído por um conjunto feminino formado por  figura feminina central, ladeada por 2 madrinhas em cuja retaguarda seguem 4 cantadeiras com pandeiretas e por um conjunto masculino constituído por 3 atiradores que caminham de cada lado do grupo. O rito integra, portanto, 26 jovens, distribuídos em 2 grupos de 13 jovens cada um (7 raparigas e 6 rapazes). 





                   


sábado, 20 de fevereiro de 2021

O DIABO QUE FUGIO DE MONSARAZ E A LENDA DA ROCHA DO DEMO

 O DIABO QUE FUGIO DE MONSARAZ E A LENDA DA ROCHA DO DEMO




Tinha que sair de ali o mais urgente possível depois do incidente do baile, a notícia depressa se espalhou e toda a gente correu a casa à procura de uma foice, uma gadanha ou uma forquilha, a partir daquele momento estava aberta a caça ao Diabo, o pai da Maria Gracinda sentindo que ele tinha desrespeitado a sua filha não queria que se fizesse justiça por mãos alheias e gritava! Se alguém o apanhar entreguem-mo a mim que eu ensino-lhe o caminho para o inferno, os guardas das portas perante tamanha algazarra e os gritos do gentio de ANDA AQUI O DIABO, correram a fechar as portas deixando apenas semiaberta a Porta da Vila. Sentia-se encurralado, mas manhoso como o diabo aproveitou a distração dos guardas e esgueirou-se pela pequena abertura da porta. Sentiu que alguns dos perseguidores vinham atrás de si, mas na escuridão da noite tudo era mais fácil, a vantagem agora era sua, mas mesmo assim não podia descurar, apanhou a primeira ladeira que encontrou, que nada tinha que ver com aquela por onde entrara, entrara pela Ladeira da Fonte e agora saia pela Ladeira do Convento, que o havia de levar até à ribeira da Pega, andou Pega abaixo Pega acima à procura de um sítio para passar, sabia que havia por ali um porto com passadeiras a que chamavam o Porto de Chefes, e cuja estrada ia a dar aos Montes Juntos para onde queria regressar, caminhou parte da noite entre estevas e tojos encontrou um fraguedo de tal ordem que não mais conseguiu sair de ali, no seio das enormes rochas estava uma lapa que lhe serviria de abrigo, e que parecia até já ter servido de abrigo a alguma alma penada. De manha quando despertou descobriu que, no fundo, de tão grande fraga havia um moinho e um moleiro, com quem viria a coabitar até ao dia em que estando o moleiro a assar um bocado de chouriço, num lume que tinha feito na rua do moinho apareceu o diabo com um lagarto e disse Ó! Moleiro deixa-me assar aí o meu lagarto! tudo bem, mas não o deixes chegar ao pé do meu chouriço, que nem te passe essa ideia pela cabeça, dizia o moleiro enquanto ia de vez em quando tirando o chouriço do lume e deixando que este pingasse em cima do pão que tinha na outra mão, também me podias dar um bocado de pão, dizia o Diabo, não, só tenho este e não te dou pão, assa lá o lagarto e já vais com sorte, e não o deixes chegar ao meu chouriço, concluía o moleiro, perante a ameaça do lagarto perto do chouriço o moleiro voltava a lembrar OLHA O LAGARTO, enquanto o diabo cantava PINGA PINGA LAGARTO, LAGARTO INTEIRO, PINGA PINGA LAGARTO, NO PÃO DO MOLEIRO, e nesse momento deixou que o lagarto desse uma dentada no chouriço do moleiro.
Enraivecido o moleiro tinha perto de si a agulha de ferro com que movia as mós do moinho e deu com ela na cabeça do diabo, arrancando-lhe uma orelha, este ao ver tanto sangue e a orelha no chão jurou vingança e disse VOU-TE AFOGAR A TI E AO MOINHO, e nessa mesma noite construiu no meio da fraga e a jusante do moinho, uma enorme parede, que chegou até aos nossos dias, dando o nome à fraga que ainda hoje se chama FRAGA DA ROCHA DO DEMO.
Obrigado ao Francisco Gonçalves por me teres contado esta lenda da Rocha do Demo que o teu saudoso pai o Ti João Catacu nos deixou, e que muito poucos ou nenhuns saberiam.
“Texto e Fotos Isidro Pinto”



terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

A LENDA DO BAILE DO DIABO NA "VILLA DE MONSARAZ"

 A Lenda do baile do diabo, na Villa de Monsaraz **



Quando o mafarrico andava pela Terra à pesca de almas, um dia ao lusco-fusco estava em Capelins, onde tinha feito uma boa colheita, quando ouviu a conversa entre dois rapazes a combinar a sua viagem até à Vila de Monsaraz, para assistir a um grandioso baile, como nunca se tinha realizado nesta Vila!
Como não era uma viagem fácil, devido ao percurso de hora e meia, nas suas burras, que tinham de deixar na propriedade de um amigo na Aldeia de Telheiro e depois fazer o resto a pé e antes passar a Ribeira do Azevel no Porto do Outeiro que, levava muita água, já de noite, era perigoso e tinha de ser feito com muito cuidado! O diabo, ainda não tinha ido à Vila de Monsaraz, não lhe agradava entrar dentro das muralhas com poucas oportunidades de saída em caso de aflição e onde havia muitos padres, logo, muitas cruzes, o seu terror, mas viu ali duas oportunidades, com sorte para ele, os rapazes podiam ter algum azar no caminho e eram duas boas almas que podia pescar e no baile, alguma alma havia de arranjar!
O diabo seguiu os rapazes desde Capelins que, para sua decepção nada de mal lhe aconteceu e chegaram sãos e salvos a Monsaraz, conheciam muito bem o caminho e, na hora do começo do grande baile, já lá estavam, em companhia de alguns amigos, companheiros de trabalho nas herdades de Capelins e de Monsaraz!
O baile nessa noite era abrilhantado por um, conjuntos de Jaz Band muito admirado na região, composto pela Lolita e os seus Muchachos, era uma espanhola de Vila Nueva del Fresno que se amigou com um rapaz de Monsaraz e tinham ambos muito, talento para a música, tocavam e cantavam como rouxinóis, acompanhados dos seus três filhos!
O baile começou e, era tanta gente que mal cabiam no recinto e não paravam de chegar pessoas, as raparigas da Vila de Monsaraz já rodopiavam nos braços dos rapazes e havia algumas que, eram mais pretendidas do que outras, ou, porque dançavam bem ou, porque eram muito bonitas, como a Maria Gracinda, uma das raparigas mais bonitas da Vila de Monsaraz e, das mais cobiçada pelos rapazes da região, por isso, era muito protegida pela mãe, era a luz dos seus olhos, não lhe deixava pôr o pé fora de casa sem ser debaixo da sua asa e, andava sempre a comentar com as vizinhas: - A minha Maria Gracinda é tão bonita, só pode ser para um fidalgo! Quando algum rapaz de Monsaraz se aproximava dela, como não era fidalgo, era logo enxotado pela ti Maria Ribeiro!
Naquela noite do grandioso baile, a Maria Gracinda ainda estava mais bonita, irradiava beleza da cabeça aos pés, os rapazes amontoavam-se no lugar onde lhe podiam pôr os olhos em cima, porque sabiam que, as suas mãos ásperas do trabalho, não lhe podiam tocar, ainda mais, ela só podia dançar com os rapazes que a mãe permitia, acenando com a cabeça, em sinal de sim, ou não, só algum conhecido da família ou bem trajados, como prova de melhor vida, era assim o controlo feito no baile e fora dele, pela sua mãe, a ti Maria Ribeiro!
Quando o baile estava no auge entrou um rapaz desconhecido que, quase fez parar a função, ouviu-se um grande burburinho e até a Lolita que estava a cantar uma das suas lindas cantigas se engasgou, o rapaz vestia um lindo fato de seda que brilhava com a luz dos candeeiros e usava um chapéu nunca visto por estas bandas, era um traje de príncipe da Corte! O baile continuou, mas os olhos das pessoas estavam pregados no suposto príncipe e alguns, em bicos de pés, afirmavam que era mesmo um príncipe, porque conheciam muitos fidalgos da região e nenhum vestia assim!
Assim que, a série da dança acabou e os rapazes começaram a marcar par, para a seguinte, o suposto príncipe com muita calma e altivez dirigiu os olhos à Maria Gracinda e fez-lhe sinal para dançar, ela hesitou, mas olhou para a mãe que já estava há muito tempo a dar à cabeça para baixo e para cima, em sinal de consentimento e, a sua cabeça fervilhava e pensava: - Eu queria um fidalgo para a minha linda filha, mas enviaram-me um príncipe!
O suposto príncipe envolveu a Maria Gracinda e o baile em tanta magia que, as pessoas entraram em transe, num sonho mágico, os pares flutuavam e, até a Lolita e os seus Muchachos, sem darem por isso, tocavam e cantavam lindas canções que desconheciam e, a Maria Gracinda e o seu par encantavam toda a gente!
Devido ao transe a ti Maria Ribeiro passou pelas brasas e começou a sonhar que a sua linda filha dançava com Principie das Trevas, fez um esforço para acordar e naquele momento, ainda assarapantada viu o par mesmo na sua frente e os olhos do diabo fixaram-se nos seus, ainda ensonada, mas não teve dúvida que ele era a figura que viu no sonho e olhando-o de frente, não se conteve e gritou: - Oh meu Deus! É o diabo, e fez o sinal da cruz! Como o diabo não podia ver a cruz e soube que estava descoberto, largou a Maria Gracinda, ouviu-se um grande estrondo, os candeeiros a petróleo apagaram-se, ficando uma escuridão e ele desapareceu, mas a ti Maria Ribeiro não parou de gritar que estava ali o diabo!
O diabo saiu do baile a correr e dirigiu-se à porta da muralha, por onde tinha entrado atrás dos rapazes de Capelins, mas essa porta estava fechada e o diabo em corrida, perdeu-se pelas ruas de Monsaraz, aquela hora, por motivo de segurança, só já estava uma porta aberta, com guardas e o portageiro que, ao ouvirem gritar que andava ali o diabo, prepararam as armas e uma grande cruz para não o deixar sair, as pessoas correram a chamar os padres que vieram logo, mesmo em ceroulas a benzer as ruas da Vila e os Montesarenses foram a suas casas buscar cruzes, armas, machados, gadanhas, forquilhas, marretas e outros instrumentos e cercaram o mafarrico que, não conseguindo sair por nenhuma porta, encontrou um lugar de acesso à muralha, por onde saltou e desapareceu na escuridão!
O baile parou e já não continuou, algumas pessoas foram para casa, outras andaram pelas ruas e, até saíram da Vila e seguiram a direção das pegadas dos cascos do bode, mas nunca mais foi visto pelas terras de Monsaraz!
A Maria Gracinda, durante o baile e perante tanta magia, não resistiu a entregar a sua alma ao diabo e, a partir daquela noite, nunca mais foi a mesma, continuou bonita, mas muito apática, acabando por casar com um pobre jornaleiro e no fim da sua vida, quando partiu, o dono da sua alma não apareceu a recolhê-la, por isso, dizem que, ainda hoje, anda penando pelas ruas da Vila de Monsaraz, onde o mafarrico, nunca mais voltou.
Fim
"Texto: Manuel Correia"
"Fotografia: Isidro Pinto"
VARANDIL (local onde eram feitos os bailes)


sábado, 13 de fevereiro de 2021

O RAMPELHÃO E OS GAMBOZINOS

 O RAMPELHÃO E OS GAMBOZINOS


Era normal principalmente nas grandes herdades, onde os miúdos chegavam por volta dos 10 ou 11 anos como ajudas de qualquer moral pregarem-lhe partidas, o que era visto à época como uma forma de praxe ou iniciação à vida do campo, muitos eram os que carregavam enormes pedregulhos, pensando tratar-se da pedra de afiar picaretas ou algo parecido, ou até em alguns casos ir aos Gambozinos, que na prática não é nada, nem ninguém sabe o que é, mas cujo objetivou era enganar os miúdos, e deixa-los de noite sozinhos no campo.
Tinha o Rampelhão, chegado ao monte do Xerez como ajuda de Ti Manel Palrrusso, moral das éguas, nesse tempo e para os trabalhadores contratados vivia-se no monte das herdades, sendo a cama uma tarimba junto ao gado que lhe estava destinado, e os serões passados na casa da malta que eram de alguma forma centros de socialização, e aprendizagem para os mais novos, foi aí, que um dia alguém se lembrou e disse, Ó! Pessoal! Olhem lá que um dia destes temos que levar o Rampelhão aos Gambozinos, sempre colaborante logo respondia o rapazola VAMOS EMBORA.
Chegou o dia, ou melhor, a noite, em que depois da ceia, tudo se conjugou para irem aos gambozinos com o Rampelhão, foi o Bolas como um dos mais brincalhões que tomou a iniciativa e disse, Ó! Rampelhão vai lá à cabana das éguas, buscar uma saca vazia daquelas da ração, que é para irmos aos gambozinos, traz uma das maiores que é para caberem muitos, e tu ó Morais arranja lá aí o lampião para termos luz para o caminho.
Estava uma típica noite de inverno, escura como breu onde apenas a difusa luz do lampião rasgava a escuridão dos campos. Saíram do monte, pelo lado direito, contornando-o na direção da tapada do Xerez, que tinha na extremidade sul e na parte mais baixa ao nível do solo uns agulheiros na parede, (buracos pequenos) cuja função era deixar sair a água impedindo que ela se acumulasse na tapada.
Já estamos perto dizia o ti Bolas! Ó! Rampelhão, agora quando chegarmos põe a saca no buraco e ficas aí à espera, nós vamos bater os gambozinos, dito e feito o bom do Rampelhão posicionou a saca, de maneira que esta cobrisse o buraco e lá ficou à espera dos gambozinos, os outros, a caminho do monte e para que o engano parecesse mais real lá iam gritando e batendo numas latas que tinham levado consigo, estariam já quase a chegar ao monte e começaram a ouvir o Rampelhão gritando a plenos pulmões JÁ CÁ ESTÁ UM – já lá está um? O que é que o gaiato grita dizia o ti Bolas? Ó ti Bolas ele diz que já lá tem um, dizia o Morais, cala-te rapaz, os gambozinos não existem dizia o Ti Bolas, está bem! mas ele diz que têm lá um, respondia o Morais, um pouco mais velho que o Rampelhão, mas com a ingenuidade própria dos miúdos que cresciam à pressa para se fazerem homens. Ele deve é estar a borrar-se todo de estar ali sozinho no meio do campo, vamos pró-monte que ele há-de lá aparecer dizia o Bolas. Não tardou muito apareceu o Rampelhão de saca às costas, todo contente exclamando TENHO AQUI UM, e ainda apanhei um belo cagaço com outro que me passou por debaixo das pernas, dá cá a saca dizia o Bolas, que continuando a apertar a boca da saca para que nada saísse foi dando largas à imaginação, o que é que ele aqui terá? Algum gato-maltês desses que andam aqui à roda do monte, ou alguma ratazana das cabanas, ou até algum saca rabos daqueles que costumam pela calada da noite vir ás galinhas, fosse o que fosse, destas espécies não podia correr o risco de meter a mão dentro da saca, era arranhadela ou mordidela segura, foi aos poucos aliviando a pressão das mãos, sobre a boca da saca e com todo o cuidado possível ia espreitando para o seu interior, tragam lá prá qui, o candeeiro, a ver se eu consigo ver melhor, com a luz mais próxima e a abertura da saca um pouco maior fez-se luz nos seus olhos e exclamou, ENTÃO O CABRÃO DO GAIATO NÃO APANHOU UMA LEBRE! Amanhã temos feijão com lebre, logo o ganhão das parelhas, respondia isso era melhor com batatas que dava para todos, outra voz se levantou e disse, pois, nem com batatas, nem com feijão, ó Morais ajuda lá o gaiato a tirar as tripas à lebre e pendurem-na aí na madre, dentro de uma saca por mode das moscas, enquanto se virava para o Manel Palrrusso e dizia ó Manel! Amanhã dás a solta (fim do período diário de trabalho) mais cedo ao João para ele ir a Monsaraz levar a lebre à mãe, era a voz de autoridade, mas respeitada ali por todos do Ti Tonho Caeiro, feitor da herdade que até ali tinha estado calado. O ÚLTIMO A RIR É O QUE RI MELHOR, LÁ VEIO O RAMPELHÃO NO OUTRO DIA A MONSARAZ LEVAR A LEBRE À MÃE.
“Texto Isidro Pinto
" Foto: Net"

sábado, 6 de fevereiro de 2021

A LENDA DO MOURO ENCANTADO, NO CASTELO DE MONSARAZ

 

História, lendas e tradições da Vila de Monsaraz 

A lenda do mouro encantado, no Castelo de Monsaraz 



Em meados do mês de Abril do ano de mil duzentos e trinta e dois, o governador mouro da Vila de Monsaraz foi informado pelos seus espiões que a cristandade se preparava para atacar a sua Vila e o pior era que os atacantes eram os temíveis Templários que nunca falhavam nas suas conquistas! 

O governador ficou muito preocupado e como tinha tempo para tomar medidas, abasteceu e armou bem a Vila, mandou treinar os seus guerreiros, reforçou a Fortaleza e mandou emissários a pedir reforços aos reinos vizinhos, à Taifa de Sevilha e ao Califado de Córdova para onde seguiu a sua esposa, filhos mais novos e outras mulheres e crianças, ficando junto dele o filho mais velho, chamado Azmir, um rapaz de vinte e cinco anos, dono de uma nobre figura, corpo atlético, de pele trigueira e olhos negros,  muito cobiçado pelas mouras da região, era muito astuto, por isso, ganhou o cognome de raposa de Monsaraz!   

Sem surpresa para a moirama, passados poucos dias, a Vila de Monsaraz acordou cercada pelo exército dos templários, muito bem organizados, não permitiam a passagem de viva alma para um e outro lado e, quando raiou a aurora mandaram um emissário exigir a rendição do governador e com a mensagem que se não o fizesse a Vila seria saqueada e arrasada! 

O governador recebeu o emissário, ouviu a proposta que, em caso de rendição, garantia não haver derramamento de sangue, apenas teriam de entregar os seus bens e se quisessem podiam partir, ou podam ficar mediante severas condições, mas com vida! 

Quando o governador estava prestes a aceitar render-se, foi pressionado pelo seu filho para não o fazer, embora muito novo era um destemido guerreiro, treinado por grandes mestres de guerra, desenvolvendo muitas aptidões, entre as quais, a de ludibriar as sentinelas, subindo e descendo pelas paredes do Castelo sem ser visto e aparecia de surpresa simulando o inimigo! 

O guerreiro Azmir disse ao pai que sabia de fonte segura, que estava a chegar um grande exército do Califado de Córdova que vinha em seu auxílio e a reconquistar as praças perdidas, por isso, tinham de resistir ao cerco até à sua chegada e, assim convenceu o governador a rejeitar a proposta da rendição aos templários! 

O governador de Monsaraz, sabia que não ia receber auxílio, mas fez a vontade ao filho, até porque, havia tempo para se render, queria evitar um banho de sangue, mas a rendição era uma grande desonra e vergonha e ficaria condenado o resto da sua vida,  por isso, tinha de fazer alguma resistência aos templários e no momento da sua entrada no Castelo logo se rendia!

Na noite seguinte, o Azmir raposa, aproveitou a escuridão, desceu as paredes do Castelo e como conhecia muito bem a região, conseguiu rastejar como uma cobra, entre pedras e rochas e furou o cerco, iludindo homens, cavalos e cães, porque aplicou odores dos animais no seu corpo e conseguiu entrar no acampamento dos templários que estava instalado onde hoje se situa a Ermida de Santa Catarina, com intenção de matar o maior número possível, rapidamente degolou cinco ou seis homens que dormiam nas suas tendas e, se não fosse descoberto por um cão treinado do acampamento, atraído pelo sangue, tinha feito grande mortandade, teve de fugir e voltou ao Castelo passando novamente o cerco e sem as suas sentinelas darem por nada, mas ele, depois contou ao pai e a outros guerreiros, a sua façanha! 

Depois de averiguações, os templários foram informados pelos espiões que tinha sido obra do raposa, pelo que, depois de confirmado foi condenado à morte por decapitação, quando a Vila fosse tomada! Esta decisão, chegou, rapidamente aos ouvidos do governador que, sabendo o que sabia sobre os templários, logo previu que ia ficar sem o seu amado filho, fosse em combate ou mesmo em caso de rendição! 

A Vila de Monsaraz tinha excelentes defesas naturais que dificultavam a aproximação dos atacantes, como também a instalação das catapultas e de outros instrumentos de guerra, de maneira a alcançarem o Castelo, mas os templários tinham muita experiência em contornar esses obstáculos e quando chegou o dia do ataque final, não foi difícil atingir o alvo e, rapidamente as paredes do Castelo começaram a ceder devido ao impacto das grandes pedras lançadas pelas catapultas! 

O governador estava protegido pelos seus melhores homens a observar e a comandar a peleja, preparado para no momento da entrada dos templários içar a bandeira da rendição, observava o filho a comandar um grupo de guerreiros com muita bravura, mas sabia que a batalha estava perdida, então mandou chamá-lo à sua presença e disse-lhe: 

Governador: Filho, estamos perdidos, não demora os infiéis entram por aqui e não os dominamos, tenho de me render para evitar um banho de sangue!

Azmir: Meu pai, peço-lhe que não faça isso, vamos aguentar até à chegada de reforços, sei que está a chegar um grande exército em nosso auxílio! 

Governador: Não, filho, não está, sei de fonte segura que não conseguiram passar a linha de defesa dos castelhanos, não vem ninguém em nosso auxílio, por isso, só nos resta a rendição ou a nossa morte e o massacre do nosso povo! 

Azmir: Meu pai, eu não me vou render, bem sabe que estou condenado pelos infiéis, então vou morrer a defender o nosso povo!

Governador: Meu amado filho, não posso permitir que sejas morto por esse cães, por isso, tenho uma solução, quer tu queiras ou não, vais ser encantado! 

Azmir: Oh meu pai, não me faça isso, para mim é um ato de cobardia, quero antes morrer a combater pelo nossa fé e pelo nosso povo! 

Governador. Não, filho, já está decidido, encantamento não é cobardia, depois de morto já não podes fazer nada pelo nosso povo, mas se ficares encantado tens oportunidade de mais tarde o servir, porque, depois do desencantamento  serás um homem livre! 

O mouro Azmir não queria aceitar ser encantado pelo pai, mas os homens que o ladeavam deram um passo em frente, como sinal de ameaça e ele deixou cair os braços e prontificou-se a ouvir a explicação sobre o encantamento e o desencantamento e onde estava escondido o tesouro do encantamento! 

Os templários estavam cada vez mais próximos e ainda faltava decidir em que símbolo ou animal o Azmir seria transformado, assim como, a chave do seu desencantamento! Durante a indecisão, os templários abriram grande brecha na parede do Castelo fazendo saltar pedras até junto do governador entre as quais, um bloco quadrado muito bem talhado, ele sobre pressão e num impulso bateu com a bengala nesse bloco de pedra, disse algumas palavras mágicas e acrescentou: Meu filho muito amado, ficas nesta pedra encantado e a mulher que te desencantar, três beijos nela tem de dar! O mouro Azmir desapareceu e, ao mesmo tempo entraram os templários, mataram alguns guerreiros que não se renderam, mas perante a rendição do governador, ficaram em posição de ataque esperando ordens dos seus superiores! 

Após o controlo da situação entrou um oficial e outros comandantes, dirigiram-se ao governador que se curvou em sinal de submissão e com ele entraram numa casa para negociar sobre os deveres e direitos dos mouros que quisessem ficar na Vila e o destino a dar ao governador, ao mesmo tempo começaram a procurar o mouro Azmir para ser decapitado, mas não o encontraram, o pai e todos os guerreiros que foram interrogados até à morte, disseram sempre o mesmo, que ele tinha fugido para a moirama! 

Alguns cavaleiros templários, seguiram os caminhos que iam dar ao rio Guadiana e todas as pessoas que interrogavam afirmavam que tinham visto passar alguns cavaleiros a galope naquela direção, depois, os pescadores que por ali andavam e moravam confirmaram que tinham visto passar os cavaleiros e deles fazia parte o raposa, os templários ficaram convencidos da sua fuga e ao fim de algumas horas voltaram desolados, ao Castelo de Monsaraz! 

Depois de tudo acertado, deixaram partir o governador e começaram, imediatamente a reconstruir a Vila e o Castelo, usando as mesmas pedras do desmoronamento! 

A pedra, na qual Azmir está encantado foi colocada, aleatóriamente na parede do Castelo, como as outras, mas está destacada devido ao seu formato, num lugar de difícil acesso, porque ficou e continua lá, a mais de dois metros de altura, tornando muito difícil o desencantamento do mouro! 

As tentativas feitas por Azmir para convencer as mulheres a procurar um banco ou um escadote para chegar à dita pedra e dar-lhe os três beijos para o desencantar, em troca do tesouro, não têm dado bons resultados, ou as mulheres fugiram assustadas, porque ,pensaram que era uma alma do outro mundo que assim falava, ou atribuíram as palavras a homens que estavam por perto, os quais não se livraram de levar alguns açoites, por isso, o mouro Azmir,  continua encantado no Castelo de Monsaraz, espalhando magia pela Vila nas noites de nevoeiro, esperando a mulher que o vai desencantar e receber o cofre com o seu tesouro.

Fim 


Texto: Correia Manuel 

Fotografia: Isidro Pinto