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domingo, 20 de dezembro de 2020

A MOURA ENCANTADA QUE APARECIA DE MADRUGADA EM MONSARAZ

 

A lenda da moura encantada que aparecia de madrugada em Monsaraz 


História, lendas e tradições da Vila de Monsaraz 



Quando em 1232 a Vila de Monsaraz foi reconquistada, muitos mouros encantaram as filhas, porque sabiam que não escapavam às mãos dos Cristãos, dos quais, se podiam tornar escravas, por isso, existem muitas mouras encantadas e tesouros na Vila de Monsaraz! 

Há cerca de quinhentos anos, durante as madrugadas aparecia uma rapariga trigueirinha a deambular pelas ruas de Monsaraz, os moradores que tinham de sair cedo para trabalhar cruzavam-se com ela, cumprimentavam-na, mas como não a conheciam não metiam conversa com ela! Esta situação começou a ser falada pela Vila, mas ninguém tinha explicação sobre quem era, de onde vinha e onde se recolhia, uma vez que, durante o dia não era vista! 

O tempo foi passando e como ela andava quase sempre na mesma rua, encontrava-se todas as madrugadas com o Manuel Fragoso, até que ele meteu conversa com ela: 

Manuel: Bom dia! A menina não é daqui, pois não? Então de onde é que é?

Moura: Bom dia! Sou, sou, sou daqui, mas não sou de agora! Nasci aqui e sempre tenho estado aqui! 

Manuel: Essa agora! Não percebi nada! Mas é daqui? Ou não é daqui? Não entendo nada! Então, se é daqui é filha de quem? 

Moura: Não conhece os meus pais, moravam aqui nesta rua, naquela casa, mas já há muitos anos! 

Manuel: Ah eram daqui, mas abalaram! Já não são do meu tempo! Então e a menina agora voltou para cá? E mora onde?

Moura: Não voltei, estive sempre aqui, porque eu sou uma moura encantada, quando vieram os cristãos o meu pai encantou-me e ainda hoje estou aqui à espera do desencantamento! 

Manuel: Ai, ai, ai! Oh menina, não mangue comigo, eu acredito lá em mouras encantadas! Isso são contos para os gaiatos! Olhe, passe bem que  já estou atrasado para o trabalho, se me descuido ainda levo algum puxão de orelhas do meu patrão! 

O Manuel apressou-se a caminho do trabalho, mas a conversa com a rapariga não não lhe saia da cabeça! No dia seguinte cruzou-se, novamente com a moura, mas apenas a cumprimentou, bom dia e não parou! Como a situação se repetia todas as madrugadas o Manuel decidiu meter conversa com a moura: 

Manuel: Olhe lá menina, então se é uma moura encantada, pode dizer-me o que é preciso fazer para a desencantar? 

Moura: Posso, sim posso! O meu desencantamento passa por um caminho muito perigoso, por isso, é que ainda ando aqui na Vila de Monsaraz! 

Manuel: Não digo que não! Mas diga lá, pode ser que eu possa ajudar,  já me custa vê-la aqui neste sofrimento todas as madrugadas! 

Moura: Sabe que, o homem que fizer o meu desencantamento, tem de me acompanhar durante a noite, desde esta rua até a margem esquerda do Rio Guadiana quando ele for com cheia e levar duas lamparinas de azeite acesas até lá, se chegarmos à outra margem com as duas lamparinas acesas eu fico desencantada e o homem recebe um cofre com o tesouro da minha família e fica rico, mas se alguma das lamparinas se apagar no barco ele afunda-se, não há desencantamento, o homem morre afogado e até hoje já lá ficaram três que tentaram desencantar-me, por isso eu ainda aqui ando! 

Manuel: Ora essa! Então e porque deixaram apagar as lamparinas? Não as abrigaram no fundo do barco? 

Moura: Já fizeram de muitas maneiras, mas o barco é muito velho e deixa entrar alguma água e se as levantam o vento apaga-as, tem de ser um homem muito esperto, para descobrir uma maneira de não deixar apagar nenhuma das lamparina! 

Manuel: Olhe, lá isso, não é para me gabar, eu sou muito esperto, mas não entro nisso, sei lá se está lá algum cofre com o tesouro, ou se é conversa fiada! 

Moura: Então, se não acredita, uma vez que eu vou consigo, se não for como lhe digo, pode fazer tudo o que quiser de mim, até me pode matar!

Manuel: Não, não, cheira-me a esturro, passe bem que eu não ando atrás dessas fantasias! Olhe, arranje outro!

O Manuel foi trabalhar e durante o dia não lhe saia da cabeça, andava num trabalho tão duro, era um autentico escravo, até chicotadas levava para trabalhar mais e começou a pensar na conversa da moura encantada, se fosse verdade o que ela lhe disse e ficasse rico, aquilo acabava! 

Todas as madrugadas lá encontrava a moura na sua rua e todas as madrugadas ao chegar ao trabalho era mal tratado, até que, depois de ter estudado a maneira de levar as lamparinas acesas até à margem esquerda do Rio Guadiana com cheia, disse-lhe que estava disposto a desencantá-la, apenas queria saber como eram as lamparinas! 

A moura explicou-lhe todos os pormenores e o Manuel disse-lhe que aceitava, mas precisava de alguns dias para se preparar! Na noite e hora combinado, noite dentro, o Manuel foi ter com a moura na sua rua, recebeu as lamparinas e meteu-as dentro de umas panelas grandes de barro com asas e respiradores especiais, de maneira a não deixarem entrar nem água nem vento, feitas por um bom oleiro de S. Pedro do Corval que, em resposta à exigência do Manuel, garantiu-lhe que uma lamparina lá dentro não se apagava, porque havia ar suficiente para respirar  e a água só entrava se fosse totalmente coberta! 

O Manuel ligou umas cordas às asas das panelas e fez umas pegas que facilitaram o transporte, fez o percurso com a moura até ao rio Guadiana, lá estava um barco velho e desconjuntado, ligou-lhe uma corda bem apertada da ré á proa, apanhado todo em volta para unir bem as tábuas, colocou as panelas com as lamparinas lá dentro a meia altura do barco, em cima de umas tábuas, ajudou a moura a entrar e começou a remar para a outra margem, passou por muitas dificuldades e alguns sustos, mas cumpriu o que era exigido no desencantamento e quando chegaram à margem esquerda do rio Guadiana, faltava a altura de dois dedos para a água chegar ao respirador das panelas, não podia tirar água, porque ao largar os remos do barco, já não o segurava na forte corrente e afogava-se, chegou com elas acesas e quando puseram os pés em terra deu-se o desencantamento, a moura entregou-lhe o cofre com o tesouro da sua família e desapareceu por terras de Castela a caminho da moirama! 

O Manuel Fragoso levou o cofre dentro de um saco de serapilheira e escondeu-o bem escondido em casa, nesse dia já não foi trabalhar e com algumas moedas de ouro, começou a comprar boas roupas, botas caras e passados uns meses comprou uma grande casa na melhor rua da Vila de Monsaraz! 

Os montesarenses andavam intrigados e perguntavam-lhe onde tinha arranjado o dinheiro para aqueles luxos e a resposta do Manuel era que tinha recebido uma herança de uns tios lá da Guarda de onde eram os pais, que não tinham filhos e a herança veio parar-lhe às mãos e, quase todos acreditaram! 

O Manuel começou a ajudar os montesarenses mais pobres e, depressa se tornou muito popular em Monsaraz! O seu estatuto social mudou completamente e começaram a surgir muitas pretendentes, entretanto começou a namorar com a filha de um lavrador da Vila e passado cerca de um ano estava casado, comprou algumas terras e chegou a ser o homem mais ricos da Vila  Monsaraz! 

Quando falavam em mouras encantadas na Vila de Monsaraz, ele era o primeiro a afirmar que não acreditava nisso, porque não passavam de contos para gaiatos, para ele, tinha sido um sonho, dentro do qual viveu o resto da sua vida.

Fim 

"Texto: Correia Manuel "

"Fotografia: Isidro Pinto"



quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

SAUDOSO GUADIANA OS NOMES SUBMERSOS

 SAUDOSO GUADIANA

OS NOMES SUBMERSOS



A Vida é feita de mudanças, jamais questionarei aquilo que hoje é inquestionável, o Alqueva, o Alqueva que apesar das muitas vozes discordantes, ou concordantes, quanto à sua utilização é sem dúvida alguma uma importante reserva de água. Não há bela sem senão e muitas foram também as perdas patrimoniais e imateriais. Para que não se percam, e possam ficar na memória das gerações vindouras, hoje lembramos aqui aquilo a que eu chamo o “0S NOMES SUBMERSOS”.

São nomes que fizeram parte da toponímia do Guadiana e dos seus afluentes, numa área que vai de Miguéns ao Mendonça, e, que de uma forma ou de outra também fizeram parte das nossas vidas, deixando em algumas gerações uma saudade imensa.

São nomes que marcaram vidas, sinónimos de alegrias e tristezas, de trabalho e lazer, de fome e abastança, de amor e ódio, de lágrimas e alegrias e de encontros e desencontros.

Tenho saudades do moinho de Miguéns, da Volta, do Porras, do Calvinos, do Gato, do Mendonça, do Coronheiro, do Catacuz, das Piteiras, do Ramalho e do Manjor.

Tenho saudades da Foz da Areosa, do Cuncos, do Azevel, do Ribeiro de Agosto, do Ribeiro da Velha, do Ribeiro do Monte e do Ribeiro da Cruz.

Tenho saudades do Pego da Barca, do Pego da Maia, do Caldeirão, das Péguias, de Calvinos e do Pego Soldado.

Tenho saudades do Porto Touro, do Porto das Carretas, do Porto de São Gens, da Fraga do Manjor, da Fraga de Ginebra, da Rocha do Grifo, da Fonte dos Sapateiros, da Enxertia do Sol, da Oliveira da Preguiça, do Tarrafeiral e da Cabeça Alta a que a mente humana tão engenhosamente rebatizou de “Ilha do Ouro”.

Tenho saudades das Lagoas da Malcega, das Lagoas de Calvinos, das Lagoas do Porto Touro, da Lagoa das Carnaçarias, das Lagoas do Gato e das Lagoas do Franco.

Tenho saudades da pesca à Lapa, dos Guitos, dos Galrritos, das Nassas, das Cordas, da Atarrafa, dos Barbos, das Eiroses, das Bogas, dos Bordalos, das Sebatelhas e dos Achigãs pescados no Chabouco do Calvinos, ou no Caneiro do Gato.

TENHO SAUDADES DO GUADIANA 

“Texto  de Isidro Pinto”    

 Fotos: Net



                                           SAUDOSO GUADIANA



Hoje quando caminhava junto às águas do Alqueva, veio-me à memória fevereiro e março de 1979. Quando o Guadiana corria turvo e caudaloso, empurrando para um descanso forçado os moleiros, que em alguns casos não fossem os redemoinhos à superfície, ou alguma das referências de margem, perdiam completamente o norte aos seus moinhos naquela imensidão de água. Leva uma bela cheia, ou já tem os moinhos todos tapados, eram expressões muito próprias da época
As cheias eram também o renovar de um ciclo tão necessário ao equilíbrio de todo o ecossistema, as cheias traziam nutrientes que fertilizavam as terras e renovavam a água das lagoas, levando também os detritos indesejáveis depositados nas margens, era podemos dizer, um mal necessário que muito contribuía para um renovar de vida.
Eram as águas turvas e caudalosas, época de excelência dos guitos e das cordas iscados com lesmas, quantas e quantas vezes a subida das águas era de tal ordem, que apenas com o passar da noite se transformava a euforia em frustração, aquela piorneira onde tinhas prendido a corda, quando chegavas de manha já lá não estava, demorando por vezes vários dias até que as águas descessem e conseguisses recuperá-las. Era também com as cheias a época de ouro das Bogas, (hoje em extinção) quando a foz do Azevel se estendia até ao moinho do Coronheiro, não era necessário tarrafa ou qualquer outro apetrecho de pesca, as Bogas subiam em tão grande quantidade pelos pequenos ribeiros, neste caso o do Coronheiro, que se apanhavam à mão, bastando para tal fazer um feixe de esteva com o qual se lhe cortava a passagem e assim se apanhavam as que queríamos e quantas queríamos, escolhiam-se as mais gordas porque estavam cheias de ovas.
Referi atrás o ano de 79 que por razões familiares me ficou na memória, recordo que esse ano, connosco foi também o Ti Cacharamba e a sua respetiva burra, as Bogas no ribeiro do Coronheiro eram tantas que depressa enchemos uma saca que fizemos chegar ao Ferragudo na Burra do Cacharamba, na maioria das vezes distribuíamo-las gratuitamente pelos vizinhos, sendo as sobras para fritar nas tabernas para o petisco.
AINDA HOJE RECORDO O SABOR DAS OVAS FRITAS.
" Texto.
Isidro Pinto
Fotos. Net"



sábado, 5 de dezembro de 2020

A LENDA DO CORDÃO DE OURO DO MOURO DE MONSARAZ

A lenda do cordão de ouro do mouro de Monsaraz

História, lendas e tradições da Vila de Monsaraz 

Na madrugada do dia 20 de maio de 1300, pelas três horas da madrugada, uma sexta-feira, a porta da Cristã Ti Maria Thereza, parteira de Monsaraz, quase saiu dos cachimbos devido às pancadas fortes dadas por um homem que a chamava em grande aflição! 

Ela levantou-se da cama estremunhada, gritando que já ali estava e perguntando o que queria? O homem pediu-lhe para o acompanhar, porque a esposa estava a dar à luz mas o parto não corria bem e precisavam muito da sua ajuda! 

A Ti Maria Thereza que, até ali só tinha um olho aberto, ao conhecer o homem, abriu os dois e disse-lhe: 

Ti Maria: Olhe lá, você não é daqueles que moram lá para os fundos, na mouraria? 

Mouro: Sou, sou, mas precisamos da sua ajuda, a minha esposa está em risco de vida e só a senhora a pode salvar! 

Ti Maria: Mas porquê eu? Não têm lá a sua parteira? Eu não sei se posso lá ir! 

Mouro: Por favor, tem mesmo de ir, eu pago o que quiser, está lá a nossa parteira, mas ela não pode fazer mais nada e mandou chamá-la! 

Ti Maria: Então se foi ela que mandou, eu vou, mas não posso garantir que vou salvar a vida da sua esposa! Acho melhor chamar o físico! 

Mouro: Não, não, o físico não! Tem de ser a senhora, foi o que disse a nossa parteira! 

Ti Maria: Então, vou preparar-me, espere que já lá vamos! 

A Ti Maria foi contar ao marido o que se passava e disse-lhe que tinha de lá ir, assim, se corresse mal, ficava de consciência tranquila! Preparou-se e seguiu com o mouro para a sua casa! 

Quando a ti Maria Thereza chegou, ouviu a versão da outra parteira sobre o ponto da situação, depois preparou-se, pediu água quente, muito sabão, toalhas e continuou o trabalho de parto que, com muitas dificuldades, durou quase uma hora, mas finalmente conseguiu trazer um mourinho ao mundo, sem nenhum defeito! 

A mãe moura ficou esgotada e, enquanto a outra parteira tratou da criança, a Ti Maria tratou da moura e no fim da madrugada a mãe e o filho estavam bem e livres de perigo! 

A Ti Maria tinha o seu trabalho feito e muito bem-feito, despediu-se e, naquele momento, o pai mouro perguntou-lhe quanto lhe devia! A Ti Maria respondeu que não levava nada a ninguém, cada um dava-lhe o que podia e entendia! 

O mouro agradeceu-lhe por ter salvo as vidas da sua esposa e do filho e como reconhecimento apanhou um cesto muito bonito, todo trabalhado, tapado com um pano de linho, entregou-o à Ti Maria e avisou-a bem avisada que não podia, em caso algum, dizer mal dele ou da sua família, porque levava ali parte de um tesouro da família e se ela não cumprisse, a peça desaparecia, era uma maldição e ela ficava sem nada! 

A Ti Maria não percebeu nada do que o mouro lhe disse, mas exclamou. Ora essa! Porque havia eu de dizer mal de si ou da sua família? Fique descansado homem, isso nunca vai acontecer!

Quando pegou no cesto ficou desconfiada, porque estava a pensar que o cesto estava cheio de queijos, uma vez que eles tinham uma queijaria, por isso, ficou admirada por não pesar quase nada, mas agradeceu e saiu! 

A curiosidade da Ti Maria pelo que levava no cesto era tanta que, ao afastar-se da casa do mouro, não aguentou e levantou o pano de linho, meteu a mão e só encontrou palha lá dentro e por mais voltas que deu, não encontrou mais do que palha, naquele momento, chegou-lhe a mostarda ao nariz e começou a chamar todos os nomes ao mouro e à sua família, dizendo que, era velhaco, tinha-se servido dela para salvar as vidas da  esposa e do filho e, agora pagava-lhe com um cesto cheio de palha, era fazer pouco dela! 

A Ti Maria continuava o caminho para casa, ia encontrando vizinhança que lhe perguntavam o que lhe tinha acontecido para ir tão zangada! 

Ela não explicava que vinha da casa do mouro, mas continuava  a praguejar contra ele e sua família, antes de chegar a casa havia uma estrumeira e lembrou-se de despejar a palha, não a queria para nada, assim, ao menos aproveitava o cesto que era muito bonito, como estava quase a nascer o sol já se via bem, tirou a palha e reparou que, no fundo do cesto ficou um objeto a brilhar, meteu a mão para ver o que era e verificou que era um lindo cordão de ouro trabalhado, como ela nem imagina que existisse, deixou-o ficar debaixo do pano e seguiu o caminho, mas com outra alma, de tão contente que ficou, em vez de continuar a praguejar, começou a cantar! 

A Ti Maria chegou à porta de casa e antes de entrar, não se conteve e tirou o seu lindo cordão de ouro do cesto e com ele pendurado entre os dedos levantou-o à altura dos olhos para o ver melhor e deu um grito: Meu Deus, eu estou rica! O marido estava acabando de comer umas migas para sair, ouviu o grito tão estridente da mulher, deu um salto e ficou entre portas, surpreendido com o que viu, a Ti Maria andava de gatas arranhando o chão com as unhas e balbuciando palavras que ele não entendia! 

Quando a Ti Maria olhava para o seu lindo cordão de ouro, assim que lhe deu o sol, ele deslizou-lhe pelos dedos, caiu no chão e desapareceu! A Ti Maria estava de cabeça perdida, o marido não percebia nada do que ela dizia, mas pensou que era doença repentina, ajudou-a a levantar-se levou-a para dentro de casa e meteu-a na cama, onde esteve dois dias sem se levantar! 

A ti Maria Thereza foi melhorando e depois de lhe passar pela memória  o que tinha acontecido, compreendeu que a culpa tinha sido dela, por ter falado antes de tempo, tinha sido apressada a julgar o mouro, antes de ver o que estava no fundo do cesto, tinha sido bem avisada para em caso algum dizer mal dele ou da família e não tinha cumprido o prometido, por isso, não podia estar contra o mouro! 

Foi uma grande lição de vida para a ti Maria Thereza que, a partir daquele dia passou a ser outra pessoa, mais humana, mais solidária e mais prudente e ficou sem nenhuma repulsa contra o mouro e sua família!

Sobre o lindo cordão de ouro oferecido pelo mouro, a ti Maria Thereza nunca mais lhe encontrou o rasto, mas até ao fim da sua vida, cada vez que entrava ou saia de casa, os seus olhos fixavam-se no lugar onde ele se tinha sumido, onde ainda hoje se encontra, na Rua dos Celeiros em Monsaraz. 

 

Fim  

"Texto: Correia Manuel 

Fotografia: Isidro Pinto"

domingo, 29 de novembro de 2020

A LENDA DO CAVALEIRO TEMPLÁRIO E DA PAIXÃO PELA MOURA DE MONSARAZ

 

História, lendas e tradições da Vila de Monsaraz 



A lenda do cavaleiro templário e da sua paixão pela moura de Monsaraz 

No ano de 1232 as terras do Alto Guadiana, estavam quase todas, sobre o domínio dos Cristãos, porém, a Fortaleza de Monsaraz continuava na posso da moirama, graças às suas defesas naturais! A elevação da montanha, dificilmente permitia a subida das máquinas de guerra e da cavalaria, além das vantagens dos arqueiros que, da altitude lançavam as flechas mortíferas a grande distância, mas essa situação não podia continuar, porque era uma ameaça às terras Cristãs, assim, após o estudo do terreno o Rei D. Sancho II incentivado pelo mestre da Ordem dos Templários, mandou avançar as suas tropas em conjunto com os cavaleiros templários para a reconquista da Vila de Monsaraz! 

Na noite de trinta de Abril de 1232, sexta-feira, as tropas do Reino cercaram a Vila de Monsaraz e pediram a rendição da moirama que, obviamente não aceitou! O cerco destinava-se a cortar o auxilio militar, assim como de armas e mantimentos, no entanto, o cerco podia demorar meses, até à rendição do governador! 

Durante essa noite chegaram as tropas da Ordem do Templo com o seu arsenal pesado, catapultas, arietes/carneiros, escadas e outros instrumentos de guerra! A cavalaria não era muito numerosa, uma vez que, o campo de batalha previsto não permitia o uso da muita cavalaria, neste caso, devido ao terreno, eram necessárias outras técnicas de guerra! A cavalaria era mais útil em batalhas em campo aberto e no caso dos cavaleiros templários, como cada um, tinha direito a um escudeiro e três cavalos e podia ter um quarto cavalo em algumas situações, logo, mesmo não sendo muitos cavaleiros, obrigava a grande quantidade de cavalos que eram bem treinados, bem tratados e bem ferrados, exigindo muitos homens para estas tarefas! 

O exército templário constituído pelos respetivos freires cavaleiros, instalou-se num campo que foi limpo e preparado para a instalação das suas célebres tendas e de um dia para o outro edificaram uma cidade! Começaram, imediatamente a trabalhar, cada um nas suas áreas específicas, os alvanéus (pedreiros) levantaram a Ermida de Santa Catarina, fundamental para as suas orações, outros a fazer e reparar as vestimentas oficiais dos freires guerreiros, a reparar e fazer armamento, a tratar dos cavalos e outras tarefas! 

Os engenheiros militares e os mineiros já conheciam as características do terreno envolvente da Vila de Monsaraz fornecidas pelos espiões, sabiam que, o Castelo ficava no alto de uma montanha, envolto por terrenos ingremes e irregulares que dificultavam o acesso! Como já traziam os desenhos, mandaram abrir caminhos por onde iam subir as máquinas de guerra para, se fosse necessário, destruir o Castelo e permitir a subida de homens e cavalaria, no assalto final!

Passado cerca de um mês de preparação para o ataque, com várias escaramuças entre sitiados e sitiantes e grandes chuvadas de flechas, algumas certeiras, vindas do Castelo, na noite do dia 25 de Maio, estava tudo a postos e as catapultas foram colocadas no lugar mais próximo que conseguiram do Castelo, com os arqueiros colocados a seu lado, começaram a disparar grandes pedras contra as paredes e para o interior, assim como, flechas contra os mouros mais aventureiros que se expunham lá no alto e não demoraram a abrir brechas nas paredes e a provocar baixas nos arqueiros mouros e quando os cristãos se preparavam para lançar escadas e a entrar, os mouros içaram a bandeira da capitulação, evitando a destruição total da Vila e, principalmente que a população fosse dizimada!  

O governador mouro entregou-se e depois das negociações, participaram aos habitantes de Monsaraz que podiam ficar, mediante algumas condições severas, mas eles eram montesarenses, gostavam da sua Vila, por isso, a maioria aceitaram, mesmo perdendo as suas casas e todos os direitos, incluindo o de propriedade, ficavam na esperança de um dia a Vila voltar à moirama! 

Depois de tudo resolvido, a Vila de Monsaraz foi doada por D. Sancho II à Ordem dos Templários que, ficou a receber os tributos em troca da sua defesa, ficando nela, uma guarnição comandada pelo cavaleiro Pedro Sanches, com a missão de acabar com as bolsas de resistência dos mouros, nas imediações e se necessário, acudir às Vilas vizinhas! Os Templários começaram, imediatamente a erguer os edifícios e, principalmente o Castelo que, tinha ficado arrasado! 

A maioria dos mouros que ficaram na sua terra, Monsaraz, trabalhavam nestas obras e nos campos, mas pouco ganhavam, eram escravos dos cristãos, com impostos muito pesados, em alguns casos, acima dos seus rendimentos, embora alguns tivessem dinheiro das suas economias escondido, não conseguiam suportar a situação e como a comunidade tinha sido empurrada para um canto da Vila, conseguiam comunicar entre si e nomearam um mercador chamado Amin Caled que, decidiu ficar em Monsaraz com a sua família para em nome de todos falar com D. Pedro Sanches, e dizer-lhe que, ou reduzia os tributos para metade, ou os mouros abandonavam a Vila de Monsaraz!  

O mercador Mouro Amin Caled pediu para falar com o cavaleiro templário e depois de autorizado foi acompanhado da sua filha mais velha chamada Rosana, muito bonita e dona de uns lindos olhos que, levava as contas bem feitas, sobre o rendimento da sua comunidade e os tributos que pagavam aos Templários, acima dos rendimentos e fez a demonstração das contas a D. Pedro Sanches com tanta segurança e desembaraço  que, o deixou impressionado, e mais do que isso, perdido de amor por ela, talvez por isso, logo ali lhe garantiu a redução dos impostos e depois de ouvir que a comunidade queria abandonar a Vila de Monsaraz levou as mãos à cabeça e pediu-lhe para não o fazerem, uma vez que lhe concedia tudo o que pediam e, pensou que a Vila despovoada, não lhe servia para nada, nem podia receber impostos e não existiam povoadores por perto! Acertaram a negociação e despediram-se!

O cavaleiro templário Pedro Sanches cumpriu o que prometeu e a vida económica e social dos mouros de Monsaraz mudou completamente, para melhor, decerto, também por efeitos da paixão dele pela moura Rosana, os olhos dela, talvez ela tivesse feito por isso, tinham-se apoderado da sua alma e a todo o momento, de noite e dia se lembrava dela e quanto mais a tentava esquecer, mais a imagem dela se apoderava dele, porém, seria um amor impossível, não só por ser uma moura, mas por ele ter jurado celibato, como todos os cavaleiros templários!

Como a Vila de Monsaraz não tinha grande dimensão, o cavaleiro andava constantemente a cruzar-se com Rosana, talvez fizessem ambos por isso, porque também ela estava apaixonada pelo cavaleiro barbudo, até que, um dia deu-se um encontro inesperado, onde ela, sem se aperceber, se entregou completamente a D. Pedro Sanches! 

Desse encontro, nasceu um filho a quem deram o nome de Omar Sanches que, o cavaleiro não podia assumir, sabia que era seu filho e, como amava a Rosana, dava-lhe tudo, incluindo proteção à família, mas vivia num grande dilema, porque sabia que aos olhos de Deus estava condenado, por isso, para se redimir do pecado partia em campanhas contra os mouros, lutando com audácia, não se importando de cair no campo de batalha, mas não conseguia, voltava sempre a Monsaraz e aumentava o pecado, porque continuava a envolver-se com a sua amada Rosana!

Na despedida para uma das campanhas que fazia contra a moirama, o cavaleiro templário entregou uma carta a Rosana e disse-lhe que era o legado do seu filho, assim, se ele não voltasse a Monsaraz, para reclamar o que estava na carta que, era a herança dos seus bens!

Uma noite, foram bater à porta de Rosana e disseram-lhe que fosse, rapidamente ao Castelo, a Rosana sabia que era o seu amado que tinha chegado e decerto queria vê-la, não imaginava o que a esperava! Mandaram-na entrar para os aposentos do cavaleiro, ao entrar viu-o em agonia, fixou-a nos olhos, balbuciou algumas palavras, caiu-lhe nos braços e faleceu! 

O cavaleiro Templário tinha sido gravemente ferido numa batalha contra os mouros em terras distantes, mas em grande sofrimento conseguiu chegar à Vila de Monsaraz para se despedir da sua amada Rosana, falecendo nos seus braços! 

O cavaleiro foi sepultado em Monsaraz e passados alguns meses Rosana entregou a carta aos Templários que, sabiam da relação entre ambos, por isso, cumpriram a sua vontade e entregaram-lhe todo o legado do cavaleiro Pedro Sanches e continuaram a proteger a sua família! 

O filho Omar Sanches, recebeu uma educação esmerada, ficou rico com a herança do pai e, como não podia ser cavaleiro devido às origens de sua mãe, estudou para físico (médico) e dedicou-se a praticar o bem às gentes de Monsaraz.

Fim 

"Texto: Correia Manuel "

"Fotografia: Isidro Pinto"

 


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

GENTE DA NOSSA TERRA DR. QUEIMADO

 GENTE DA NOSSA TERRA

De seu nome próprio Francisco Caeiro Queimado, conhecido por todos nós por Dr. Queimado.

Licenciado em farmácia, viria a abrir nos finais da década de 50 a farmácia do Telheiro, tendo-se destacado nesta área, com a criação de alguns produtos de marca própria, nomeadamente na cosmética capilar e dermatologia.

Dedicou toda a sua vida a estas causas e á sua, nossa freguesia. Com o declínio populacional das nossas aldeias nos anos 60-70 viria anos mais tarde, a exercer o cargo de diretor técnico de uma farmácia em Reguengos, que acumulava com a atividade de docente no colégio da referida vila.

Falar do Dr. Queimado é falar de um PEQUENO GRANDE HOMEM de trato afável e esmerada educação, que sempre esteve ao lado da sua comunidade, interagindo com ela nas mais diversas formas. Quem não se recorda de ir ao cinema ao casão (esplanada) do Dr. Queimado, para onde viria a adquirir equipamento de projetar e onde ele próprio projetava os filmes, possibilitando assim, que muita gente da nossa comunidade, pudesse ver pela primeira vez cinema, eram frequentes os cortes na fita, mas nada que o Dr. Queimado não resolvesse. Ainda me recordo de álguns filmes de sucesso á época, nomeadamente um filme cujo título era O HOMEM DO RIBATEJO e que por o enrredo decorrer em ambiente rural, fazia as delícias da assistência. Tempos houve em que a única televisão existente no Telheiro (e arredores) era a do Dr. Queimado e que vezes sem conta, mas principalmente nos dias de transmissão de alguma tourada o Dr. Queimado metia a televisão entre portas, virada para a rua e onde a assistência, trazendo a cadeirinha de casa, fazia da estrada esplanada (parece impossível, não é?).

Personalidade por vezes fantasiante, mas deliciosamente encantadora. Daqueles que o conhecemos de perto, quem não se lembra dos seus épicos SAFÁRIS EM ÁFRICA ou das suas BRIGAS da Lisboa boémia dos anos 50, onde os adversários sempre o superavam em tamanho, vezes sem conta o meu pai, pessoa de reconhecida robustez física, servia de exemplo, o adversário era sempre um homenzarrão assim como o Bento.

Muitos somos aqueles, que fomos alunos ou explicandos do Dr. Queimado e muitos mais os que fomos transportados gratuitamente, no tempo em que os transportes escasseavam de e para Reguengos pelo Dr. Queimado. Não importa que a buzina já não funcionasse e que nas curvas apertadas das ruas de Reguengos, tivesse que ser eu a meter a mão de fora e á sua ordem, com uma corneta de fole fazia PÓ PÓ. 

É desta forma simples, mas sentida que recordamos as gentes da nossa terra, a quem estamos eternamente gratos. Obrigado Dr. Queimado. Que descanse em paz.

“Texto Isidro Pinto”

"Fotos retiradas da NET"




sábado, 14 de novembro de 2020

A LENDA DA MOURA ENCANTADA E DO ALMOCREVE, MERCADOR


História, lendas e tradições da Vila de Monsaraz 

A Lenda da Moura Encantada e do Almocreve, Mercador de Monsaraz 

Rocha da moura encantada - Monsara

Quando o mestre guerreiro Azovel, (Azevel) caudilho cordovés, Lugar tenente de Texufine do Reino Mouro de Badajoz descia o Rio Guadiana com os seus 1.000 cavalos, nos anos de 1120, até à Vila de Monsaraz para reconhecimento da região e para proteger o transporte dos tributos, demorava-se cerca de oito dias nas grandiosas festas do fim do verão, com muita diversão, danças do ventre feitas por bonitas raparigas da região, tendo como figuras centrais Azovel e os seus homens, apresentados ao povo como heróis do Reino nas lutas contra os cristãos! 

Durante as festas, era normal o envolvimento das raparigas com os guerreiros, era considerada uma honra para as famílias por serem escolhidas pelos heróis, mas esta situação não era bem vista pelo governador que, achava uma indecência, ou mesmo um atentado à honra e à fé muçulmana, mas nada podia fazer contra o poderoso caudilho, por isso, enquanto duravam as festas, escondia  as três filhas mais velhas, numa casa perto do Moinho do Mendonça, para não assistirem às festas e ficarem salvas de eventuais tentações do mestre guerreiro! 

Azovel descia o vale do Rio Guadiana até Monsaraz com o seu exército, pelo menos uma vez no ano e informava sempre o governador com antecedência sobre o dia da chegada, porque era enviada uma embaixada de boas vindas ao seu encontro que, o recebia no lugar onde se encontra a atalaia de calvinos, perto da foz da Ribeira de Azevel com o Rio Guadiana, sendo, acompanhado até à Vila com grande pompa! 

No início do mês de Setembro do ano de 1121, Azovel chamou um dos seus homens de confiança, um espião e disse-lhe para mandar avisar o governador da Vila de Monsaraz que, na quinta-feira dia 8 de Setembro, estaria presente na Vila com os seus homens e para organizar a maior festa de sempre, com todas as raparigas da região e muita música e danças do ventre!

Como o Reino Mouro de Badajoz tinha espiões em todo o lado, também os tinha em Monsaraz, por isso, este espião, sabia todos os passos do governador e, feito manhoso, perguntou a Azovel se as filhas do governador também deviam ser convocadas para as Festas e para as danças do ventre? Como Azovel desconhecia a sua existência, ficou surpreendido e perguntou-lhe: Que idade tinham as meninas e quantas eram? Então, o espião contou-lhe que o governador tinha três filhas muito bonitas, com idades entre os quinze e os dezoito anos que escondia sempre durante as Festas de Monsaraz, porque achava que havia muita indecência e por receio do mestre guerreiro as cativar! 

Azovel sentiu-se traído na sua honra, porque o governador o considerava um selvagem, capaz de abusar das suas filhas, ficou revoltado e exclamou: Depois ajusto contas com ele lá em Monsaraz!

No lugar onde se encontravam, no castelo de Badajoz, estava presente um contra espião amigo do governador da Villa de Monsaraz que, entendeu que o ajuste de contas era para o matar e abusar das suas filhas e mandou, logo um homem de sua confiança a Monsaraz informar o governador sobre o que tinha ouvido e a dizer-lhe que corria perigo de morte!

Quando o governador recebeu a notícia ficou apavorado, sem saber o que fazer, não podia continuar a esconder as filhas e nem podia fugir com elas, porque sabia que estava controlado pela espionagem do Reino, então, chamou os seus homens, contou-lhe o que se passava e pediu-lhe ajuda! Todos apresentaram as suas ideias, uns sugeriram a fuga de Monsaraz, outros a morte do Azovel, mas nenhuma fazia sentido!

Estava a aproximar-se o dia da chegada de Azovel e o governador não encontrava nenhuma solução, na noite da véspera da chegada do mestre guerreiro, uma das amas das suas filhas pediu licença para falar com ele e disse-lhe que tinha o remédio para as salvar! O governador deu um salto da cadeira e pediu-lhe para falar! A ama disse-lhe que tinha de as encantar, ficavam paradas no tempo, mas salvas, mais tarde com uma boa recompensa, alguém as desencantava e seguiam a sua vida normal! 

O governador levou as mãos à cabeça, sentou-se e esteve algum tempo a pensar, depois fez um sinal afirmativo com a cabeça e mandou retirar a ama, ficou algumas horas a dar voltas à cabeça, sobre a chave do desencantamento, assim como, os prós e os contras! Aproximou-se a madrugada sem encontrar outra alternativa, dirigiu-se aos aposentos da esposa, pediu para o acompanhar e foram ter com as filhas, acordou-as, contou-lhe o dilema em que estavam metidos e disse-lhe que, depois de tantas ideias, só restava o seu encantamento! A esposa e as filhas ficaram surpreendidas, mas perante a sua explicação, concordaram com ele! Antes do encantamento, o governador disse-lhe a chave do desencantamento, deram um beijo em cada uma e ele fez o encantamento!

No dia seguinte, quinta-feira, como estava marcado, Azovel chegou à Vila de Monsaraz, muito calmo, durante os primeiros dois dias tratou de vários assuntos com o governador e não mostrou nenhuma hostilidade! 

No sábado, dia dez de Setembro, começaram as Festas, com muita música, danças do ventre e muita diversão, o Azovel não se manifestava sobre as filhas do governador, deixando-o confuso, mas nesse dia à noitinha, chamou-o e disse-lhe para trazer as filhas para a festa! O governador sabia que ele já sabia da sua existência e disse-lhe que era impossível, porque não estavam em Monsaraz! 

Azovel manteve-se calmo e disse-lhe: 

Azovel: Sim, eu sei que não estão em Monsaraz, estão escondidas de mim, por isso, manda buscá-las! 

Governador: Como lhe disse, não estão em Monsaraz, nem em lado nenhum!

Azovel: Não te estou a entender, tu sabes que eu sei que elas existem, agora dizes que não existem?

Governador: A verdade é que existiam, mas já não existem, porque fui avisado que corriam perigo nesta festa e tive de as encantar!

Azovel disse-lhe que não corriam perigo nenhum, porque nunca lhe tinha passado pela cabeça abusar delas, não era homem para fazer uma coisa dessas e essa acusação era uma desonra para ele e exigiu que o governador denunciasse o vil informador! 

O governador respondeu-lhe que nunca o denunciaria, porque era um amigo de infância e acreditava nele! A discussão tomou grandes proporções, Azovel ficou muito ofendido e desesperado, perdeu o controlo, agarrou na espada e num impulso cortou-lhe a cabeça!

No dia seguinte mostrou-se arrependido, mas já era tarde, nomeou outro governador, a seguir reuniu os seus homens, prepararam a partida antecipada e subiram o Rio Guadiana para o Reino de Badajoz, deixando grande tristeza em Monsaraz, porque devido a um mal entendido entre os espiões, morreu o governador e as suas filhas ficaram encantadas! 

Azovel continuou nas suas campanhas no combate contra os cristãos, mas  acabou por morrer na Mata de Montiel, no ano de 1143, às mãos do exército cristão comandado pelo notável cavaleiro espanhol Múnio Afonso, Alcaide-Mor de Toledo!

Quando a Vila de Monsaraz foi, definitivamente cristianizada, foi povoada por cristãos vindos do norte e começou a desenvolver-se em termos económicos, com a agro-pecuária e comércio, sendo criada uma rota comercial entre as principais Vilas e cidades do Alentejo, ligando Évora, Monsaraz. Moura, Serpa e Mértola, nesta última Vila eram transacionados os produtos que eram transportados desde o Algarve por barcos que subiam e desciam o Rio Guadiana, traziam sal, peixe seco, alfarroba, laranjas, amendoas, figos secos e outros produtos e, desciam carregados de cereais, queijos, peles, couros, panos, ferragens e outros! Nesta rota, os produtos eram transportados pelos burros dos Almocreves em caravanas, seguiam pelas ditas localidades onde descansavam e pernoitavam!

Alguns destes almocreves tinham casa e família na Vila de Monsaraz onde se demoravam um pouco mais, no final do mês de Outubro de 1312 saíram da cidade de Évora, por Monsaraz para pernoitarem e de madrugada seguirem viagem para Moura, os burros iam muito carregados e levaram mais tempo do que esperavam para chegara Monsaraz ainda cedo, mas quando se aproximavam já estava escuro, nesse momento, um burro da caravana, inesperadamente, deitou-se debaixo da carga! A caravana parou logo e, os almocreves foram ajudar a levantar o animal, tentaram tudo, mas sem sucesso! O almocreve dono do burro disse aos companheiros para seguirem caminho, porque já se avistava a Vila e ele ia esperar que o burro descansasse e depois seguia, ou mudava a carga para o burro de reserva, usado para durante as caminhadas levantarem um pouco os pés do chão, e deixava-o ali, depois de manhã os filhos iam buscá-lo e ele levava outro burro no lugar dele! 

Tanto insistiu que a caravana seguiu caminho e um ajudante levou os outros burros dele, ele ficou ali com a silhueta de Monsaraz à vista, comeu uma bucha e esperou quase duas horas e o burro continuava pregado ao chão, ele já desesperado, tirou-lhe a carga para o outro e pôs-se em marcha, o burro levantou-se muito fresquinho e começou a segui-los! O almocreve nem queria acreditar, pensou logo que era feitiçaria, mudou alguma carga e seguiu, mas para não dar a volta ao Telheiro, pensou em ir por uma vereda por onde podia chegar mais depressa a casa e meteu-se por ela! Quando estava a passar por uma rocha já perto da Vila, viu duas luzes muito brilhantes viradas na sua direção que o deixaram todo arrepiado, mas como não tinha por onde passar, continuou a andar e quando ia passando confirmou que era apenas um gato, mas comentou em voz alta: - Cheira-me a feitiçaria! Naquele momento, ouviu uma voz muito suave: - Boa noite almocreve! Mau mau, era só o que me faltava, já sei que hoje é noite delas! Comentou o almocreve! O gato continuou a falar e disse-lhe que se chamava Zaida: 

Zaida: Não, almocreve, não é feitiçaria! Espera lá, tenho de falar contigo! 

Almocreve: Era só o que me faltava, estou com pressa e não falo com gatos ou lá o que tu és!  

Zaida: Espera lá, não sou nenhum gato, sou uma moura encantada e se tu me desencantares podes ser o homem mais rico da Vila de Monsaraz e de toda a região! 

O almocreve ao ouvir que podia ficar rico, parou os burros e disse!  

Almocreve: Mas que conversa é essa? Tu pensas que eu acredito nessas lendas das mouras encantadas? Ainda acredito mais em feitiçarias do que nessas balelas! 

Zaida: Oh almocreve, se não acreditas, diz-me lá porque motivo o teu burro se deitou além atrás? Não percebes que foi obra minha para te separar da caravana? Por favor ouve-me, depois não és obrigado a desencantar-me, podes ir embora! 

Almocreve: Mau, mau, não estou a gostar disto, mas diz lá depressa o que queres, já estou muito atrasado e daqui a pouco estão aqui à minha procura! 

Zaida: Quero que me desencantes, mas não é só a mim, é também aqui às minhas irmãs! 

Naquele momento, surgiram por detrás dela, quatro olhinhos também muito brilhantes! 

Almocreve: Então e se eu aceitasse isso, o que tinha de fazer para as desencantar, diz depressa que eu não tenho a noite toda e tenho aqui os animais carregados!

A moura Zaida disse ao almocreve que os burros estavam aliviados da carga e contou-lhe que eram filhas do antigo governador da Vila de Monsaraz do tempo do Reino Mouro de Badajoz e o motivo porque tinham sido encantadas pelo pai, assim como, a chave do desencantamento, tinham de tomar banho no sangue de um cristão, era arranhado da cabeça até aos pés para o sangue jorrar para cima delas, depois tomavam o banho de sangue e em troca recebia o tesouro da sua família, constituído por uma barra de ouro, vinte moedas de ouro e muitas jóias! 

Almocreve: Isso é impossível de aceitar, se me tiram o sangue todo eu morro e depois para que serve ser um rico morto? Não, assim não aceito! 

Zaida: Espera lá almocreve, ainda não acabei de explicar! Dou-te a garantia que não morres, mas ficas muito mal, só até amanhã ao nascer do sol e não vais sentir nada a não ser a primeira arranhadela, depois adormeces e só acordas quando te der um raio de sol e ficas sem nenhuma mazela! Eu e as minhas irmãs seguimos para o reino de Córdova e tu depois de tudo estar calmo vais buscar o cofre do tesouro onde eu te disser! 

Almocreve: Não, não, eu não aceito uma coisa dessas! Sei lá se o que dizes é verdade, e se for, depois o que digo aos meus companheiros à minha família e ao povo de Monsaraz? 

Zaida: Ouve bem almocreve, se não fizermos tudo como te contei, o desencantamento não se realiza! Quando te encontrarem já estás bom,  porque não te vão procurar tão cedo neste lugar, procuram-te no caminho por onde circula a caravana, depois tens de dizer sempre que não sabes o que te aconteceu! E quanto à tua riqueza, dizes que foi de uns bons negócios!

Almocreve: Olha que se isso do tesouro fosse verdade, está aí uma boa justificação! Mas não, não acredito em ti! Cheira-me a feitiçaria e eu nisso não entro!

Zaida: É contigo, se queres ser um desgraçado de um pobre almocreve a vida toda, assim como, os teus filhos e netos, podes ir embora! Porém, se aceitares, com algumas moedas de ouro compras uma boa herdade e mudas-te para lá com a tua família e depois além de lavrador, tornas-te o mercador mais poderoso desta região, compras os cereais, vinho, azeite, peles, couros e gado e vais vendê-los pelo dinheiro que quiseres, de um pobre almocreve passas a ser um rico mercador!

Almocreve: Era bom de mais uma coisa dessas para mim, nunca tive sorte na vida, só me calha trabalho e mais trabalho! Custa-me acreditar nisso, mas se me garantes que não vou morrer e fico rico, eu vou aceitar! 

Zaida: Então, se aceitas, amanhã à noite podes vir buscar  o cofre do tesouro, aqui mesmo debaixo desta rocha, está atrás de uma pedra falsa! Agora, como já estamos atrasadas, vamos lá, tira a roupa, senta-te na rocha, descontrai e encosta-te! 

O almocreve assim fez e ficou nu, sentiu uma arranhadela forte, ainda gritou de dor, mas logo a seguir sentiu um bem estar geral e começou a sonhar que andava num lindo oásis com muita água e palmeiras, mas quando se ia aproximar de uma linda mulher que tomava banho, nas águas da cor do céu, acordou com o sol a dar-lhe na cara, levantou-se atarantado, vestiu-se e pensou que tinha adormecido e não tinha passado de um lindo sonho, percorreu o corpo com as mãos e não estava arranhado, nem havia sinais de sangue! 

Os burros andavam a pastar perto dali, correu para eles, pegou na corda do cabresto e seguiu para casa! Os companheiros e família andavam a procurá-lo desde madrugada  e quando lhe perguntaram o que tinha acontecido, a sua resposta foi, que não sabia, devia ter adormecido com o cansaço e só acordou quando o sol lhe deu nos olhos e, como não tinha outra resposta, acabou por os convencer! 

Na noite seguinte, aproveitando a escuridão, o almocreve levou um dos seus burros, pouco convencido, porque não tinha a certeza, se não teria sido um sonho, mas tinha de lá ir confirmar, deu a volta à rocha e começou a cavar e a pouco mais de meio metro de fundo, encontrou uma pedra que o deixou animado, continuou a cavar até conseguir levantar a pedra e lá estava o cofre! O almocreve quase desmaio com a emoção, faltava ver o que estava lá dentro e quando o abriu e viu o tesouro ficou paralisado, depois sentou-se na rocha no mesmo lugar onde tinha sido submetido ás arranhadelas das gatas, ou seja, do desencantamento das filhas do governador! 

O almocreve nunca mais acompanhou a caravana e, passados alguns meses, surgiu uma boa herdade à venda, foi falar com o Tabelião de Monsaraz para a comprar, mas recebeu grande risada na cara, como é que um pobre almocreve tem dinheiro para esta herdade? Exclamou o Tabelião!  O almocreve explicou que tinha feito bons negócios em Mértola e em Évora e tinha o dinheiro para comprar a herdade, por isso, era dele e entregou o dinheiro ao Tabelião que, com o dinheiro na mão, teve de engolir a sua arrogância e registar a herdade em nome do almocreve! 

A compra da herdade pelo almocreve espalhou-se por Monsaraz e arredores e toda a gente queria saber onde tinha arranjado o dinheiro, mas ele respondia sempre, que tinha sido de uns bons negócios que tinha feito, nem os outros almocreves entendiam, mas como foram aparecendo outras novidades esta foi caindo no esquecimento! 

O almocreve mudou-se com a família para a herdade, deixou acalmar os ânimos e depois começou a comprar gado de boa qualidade e a prosperar a olhos vistos, comprou mais herdades e a fazer grandes negócios, tornando-se o maior Mercador da região! 

Quando a Villa de Mourão foi a leilão, por 11.000 libras, porque o seu dono, D. Raimundo de Cardona, não pagou um empréstimo, no momento em que o mesmo decorria no alpendre da Igreja de Nossa Senhora do Tojal, os homens que estavam presentes diziam que ninguém a comprava por aquele valor, estava quase a terminar o leilão, chegou um cavaleiro, levantou a mão e rematou-a pelo valor pedido, esse cavaleiro, era o mercador de Monsaraz! 

Quando o  Rei D. Dinis, foi informado da compra da Vila de Mourão, pelo mercador de Monsaraz, exigiu que lhe a entregasse pelo mesmo valor e, ele entregou-a, imediatamente ao Rei! 

 Devido à localização de algumas das suas herdades, como a herdade do Mercador, quando foi prestar contas a Deus, ficou sepultado além Guadiana, na Vila de Mourão, mas o seu filho, um cavaleiro do Reino, mandou construir um sarcófago decorado com figuras e símbolos que contam a sua história de vida e levou-o para casa, ou seja, para a Igreja de Nossa Senhora da Lagoa, na Vila de Monsaraz, ficando conhecido como Mercador Martim Silvestre. 

As mouras desencantadas foram recebidas no Reino Mouro de Córdova, casaram, tiveram filhos e foram muito felizes, mas nunca esqueceram aquele almocreve que as desencantou em Monsaraz. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Fotografia: Isidro Pinto





terça-feira, 10 de novembro de 2020

A LENDA DE SÃO MARTINHO

 

SÃO MARTINHO

Não podemos dizer que a vida de São Martinho «se perde na noite dos tempos», porque este santo, nascido em território do império romano - Sabaria na antiga Panónia, hoje Hungria, entre 315 e 317, foi o primeiro santo do Ocidente a ter a sua biografia escrita por um contemporâneo seu - o escritor Sulpício Severo.

             Martinho era filho de um soldado do exército romano e, como mandava a tradição, filho de militar segue a vida militar, como filho de mercador é mercador e filho de pescador devia ser pescador. Martinho estudou em Pavia, para onde a família foi viver, e entrou para o exército com 15 anos, tendo chegado a cavaleiro da guarda imperial. Tinha a religião dos seus antepassados, deuses que faziam parte da mitologia dos romanos, deuses venerados no Império Romano, que, como é óbvio, variavam um pouco de região para região, dada a imensidão do Império. As Gálias teriam os seus deuses próprios, como os tinham a Germânia ou a Hispânia.
             O jovem Martinho não estava insensível á religião pregada, três séculos antes, por um homem bom de Nazaré. Um dia aconteceu um facto que o marcou para toda a vida. Numa noite fria e chuvosa de Inverno, às portas de Amiens (França), Martinho, ia a cavalo, provavelmente, no ano de 338, quando viu um pobre com ar miserável e quase nu, que lhe pediu esmola e Martinho, que não levava consigo qualquer moeda, num gesto de solidariedade, cortou ao meio a sua capa (clâmide) que entregou ao mendigo para se agasalhar. Os seus companheiros de armas riram-se dele, porque ficara com a capa rasgada. Segundo a lenda, de imediato, a chuva parou e os raios de sol irromperam por entre as nuvens. Sinal do céu. Seria milagre?

             Conta a lenda, que no dia seguinte Martinho teve uma visão e ouviu uma voz que lhe disse: «Cada vez que fizeres o bem ao mais pequeno (no sentido social de mais desprotegido) dos teus irmãos é a mim que o fazes». A partir desse dia Martinho passa a olhar para os cristãos de outro modo. Recordamos que o Cristianismo teve dificuldade em se impor como religião, e que um passo importante dado, nesse sentido, foi por Constantino I, que, em 313, permite que o Catolicismo seja livremente praticado no Império. Com o tempo foi aceite como religião do Estado.

             Constantino - o Grande - acreditou que o deus dos cristãos, que ele, de início associava ao Sol, o protegia e que lhe proporcionara a grande vitória contra Maxêncio, em 312. Acabará senhor absoluto do Império, tanto a Oriente, como a Ocidente, depois da vitória sobre Licínio, em 324. Consta que Constantino I terá visto no céu, antes da batalha com Maxêncio, a frase: «In Hoc Signo Vinces (Por este símbolo (cruz de Cristo) vencerás)» e daí o início da sua conversão. A testemunhar essa conversão existe o Arco de Constantino, em Roma, erigido para celebrar a vitória, onde consta a frase «por inspiração da Divindade e pela sua (de Constantino) grandeza de espírito». A testemunhar a sua conversão há o facto de o prefeito pretoriano da Hispânia, Acílio Severo, conhecido por Lactâncio ter sido o primeiro prefeito cristão de Roma, em 326.

             Constantino I fundou a cidade de Constantinopla, onde fez a nova capital do Império, na antiga Bizâncio, e mandou edificar inúmeras igrejas, para o culto cristão, por todo o Império. A cidade foi sagrada no ano 330. As mais importantes igrejas foram a basílica de Latrão, a igreja de São Pedro, em Roma, a igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, bem como basílicas em Numídia e em Trèves. Deu-se origem às fundações da Igreja da Santa Sabedoria (Hagia Sophia), em Constantinopla, que, viria, em 1453 a ser tomada pelos árabes e Constantinopla passou a chamar-se Istambul. Constantino I é baptizado no leito de morte, no ano de 337 e sepultado na basílica dos Apóstolos naquela cidade. Deixa o império dividido pelos seus três filhos Constantino II, Constâncio e Constante, que vão lutar entre si ficando senhor do Império Constãncio II

                Depois do encontro de Martinho com o pobre que seria o próprio Jesus, sente-se um homem novo e é baptizado, na Páscoa de 337 ou 339. Martinho entende que não pode perseguir os seus irmãos na fé. Percebe, que os outros são, na realidade, mais seus irmãos que inimigos. Só tem uma solução - o exílio, porque, oficialmente, só podia sair do exército com 40 anos. Hoje o sentido de irmão está, no Ocidente, perfeitamente interiorizado, mas, na época era algo de totalmente revolucionário. Era uma sociedade estratificada, e os grandes senhores, onde se incluía a classe militar, não se misturavam com a plebe, e muito menos um escravo era considerada pessoa humana. Daí Cristo ter sido crucificado. O amor entre todos, como irmãos que pregava era verdadeiramente contra os usos do tempo. Todos o que o seguiram e praticaram a solidariedade eram vistos como marginais e mais ou menos perseguidos.

             Martinho, ainda militar, mas com uma dispensa vai ter com Hilário (mais tarde Santo Hilário) a Poitiers. Funda primeiro o mosteiro de Ligugé e depois o mosteiro de Marmoutier, perto de Tour, com um seminário. Entretanto a sua fama espalha-se. Muitos homens vão seguir Martinho e optar pela a vida monástica. Com o tempo, as suas pregações, o seu exemplo de despojamento e simplicidade, fazem dele um homem considerado santo. É aclamado bispo de Tours, provavelmente em julho de 371. Preocupado com a família, lá longe, e com todo o entusiasmo de um convertido vai à Hungria visitar a família e converte a mãe.
              
A vida de São Martinho foi dedicada à pregação. Como era prática no tempo, mandou destruir templos de deuses considerados pagãos, introduziu festas religiosas cristãs e defende a independência da Igreja do poder político, o que era muito avançado para a época. Nem sempre a sua acção foi bem aceite, daí ter sido repudiado, e, por vezes, maltratado, Sulpício Severo, aristocrata romano, culto e rico fica fascinado com o comportamento pouco comum de Martinho e escreve, entre 394 e 397 a biografia, daquele que ficaria conhecido por São Martinho de Tours. A obra chama-se apenas Vita Martini (escrito em latim), livro que teve enorme repercussão no mundo medieval. Espalhou-se até Cartago, Alexandria e Síria. Sabe-se que este livro foi muitíssimo lido (Enciclopédia Cattolica, Cidade do Vaticano, 1952, p. 220), o que era difícil numa época em que os livros eram caros e quando só o clero e monarcas mais cultos os leriam, mas o certo é que foi um verdadeiro «best-seller».

             Só em 357 Martinho é dispensado oficialmente do exército e continua a espalhar a sua fé. Morre em Candes, no dia 8 de novembro do ano de 397 e o seu corpo foi acompanhado por 2 000 monges, muito povo e mulheres devotas. Chega à cidade de Tours no dia 11 de novembro. O seu culto começou logo após a sua morte. Em 444 foi elevada uma capela no local. Não foram só as gentes das Gálias que o veneraram, o seu culto espalhou-se por todo o Ocidente e parte do Oriente. Na cidade francesa de Tours, foi erguida uma enorme basílica entre 458 e 489 que viria a ser lugar de peregrinação, durante séculos. 

            Em França há perto de 300 cidades e povoações com o nome de São Martinho e, em Portugal, numa breve contagem, descobrimos 60. É, no entanto, importante frisar que nem todas serão evocações de São Martinho (o da capa), mas também de São Martinho de Dume (na região de Braga), também originário da Hungria (séc. VI).

             Por toda a Europa os festejos em honra de São Martinho estão relacionados com cultos da terra, das previsões do ano agrícola, com festas e canções desejando abundância e, nos países vinícolas, do Sul da Europa, com o vinho novo e a água-pé. Daí o adágio «Pelo São Martinho vai à adega e prova o teu vinho» ou «Castanhas e vinho pelo São Martinho».

 

sábado, 7 de novembro de 2020

A ROCHA DO GEME-GEME


A rocha do GEME-GEME

Chegou até aos nossos dias na memória de alguns de nós, aquilo que ainda hoje continuamos a chamar de ROCHA DO GEME-GEME e que o respeitável padre Carmo Martins na seu bonito romance Monsaraz Vila Morta a ela se refere da seguinte forma:

“Tratava-se de uma conversa noturna. Ele e outros, solidários no mesmo desejo de ganhar a vida, buscavam o escuro para não serem rondados os seus passos, ouvidas as suas palavras. É que temiam a fria, a vil denúncia de algum inimigo ou a inconfidência ingénua de amigos tagarelas. Por isso combinaram a uma hora adiantada da noite e um lugar escuso, onde a rocha se abria em caverna e, segundo uma lenda popular de eriçar os cabelos, se ouvia, em certas noites e a horas que ninguém adivinhava, uma voz de queixa – alma penada ou bruxa. O povo, na sua crendice, em que o humano e o divino se misturavam confusamente, chamava-lhe a “Rocha do Geme-Geme”. Alguns dos que ali passavam em noites tempestuosas de Inverno, quando as sombras das árvores parecem dançar e as cabeças dos rochedos assomam nos visos dos outeiros, contavam histórias de medos: fantasmas deslizando em busca de descanso eterno, pedindo rezas ou monologando fundas tristezas do além-mundo.”

“Foto Isidro Pinto”                                    

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

O PAPELA E OS PEIXES NAS ARMADILHAS

 O PAPELA E OS PEIXES NAS ARMADILHAS




Era um mês de Dezembro já avançado, tinha chovido bastante esse inverno e os ribeiros tinham engrossado o Guadiana que tinha perdido a sua calma e corria agora turbulento em direção a terras mais a sul. As águas iam agora turvas e isso era um bom pronuncio para boas pescarias com os guitos (corda de nylon com um ou dois anzóis) e as cordas (semelhante aos guitos mas normalmente com muitos anzóis, 10, 20,30, dependendo se era lançada de barco ou de margem). A dois passos do Guadiana no monte do Xerês viviam agora o Espenica e o seu irmão Papela, já que o seu progenitor ti Manuel era ali o moiral das porcas, o Espenica sendo o mais velho contribuía já para o sustento da família com o magro soldo de ajuda do seu pai, o Papela um pouco mais novo passava os dias aos grilos e aos pássaros com as armadilhas. Nesse dia era Domingo e como tal apesar de não ser dia de folga era o ti Manel um pouco mais condescendente não obrigando o Espenica a acompanhá-lo no maneio das porcas, sabendo ele disso tinha de véspera preparado os guitos e já muito á tardinha depois de encerrado o gado deu um salto ao rio e uns com minhoca outros com lesma lá os foi lançando á água antes que escurecesse, agora era só esperar e voltar na manhã seguinte. O Papela sabia muito bem como se armavam as armadilhas tinha passado o dia de sábado aos bichos e á tardinha quase noite umas com bicho outras com azeitonas lá as foi armando por forma aproveitar as melhores horas que são as primeiras da manhã. Já o dia começava a clarear quando o Espenica por força do hábito acordou, lembrou-se que não tinha que ir com o seu pai e deu mais uma volta na tarimba que ficava ao lado da do Papela que dormia ainda profundamente, tentou dormir mais um pouco mas a claridade que entrava já através da cortina da pequena janela e a excitação do que podia ter nos guitos não deixaram, levantou-se, afastou a cortina que servia de porta, e já na cozinha calçou as botas de borracha, junto ao lume a velha panelinha de barro com o café esperava-o, espreitou para o armário de madeira com portas ás ripinhas, onde a sua mãe guardava a comida, para se certificar se havia sobrado algum toucinho cozido das sopas de couve do dia anterior, pouca sorte a sua não havia nada, apenas um bocado de queijo e algum pão, felizmente o pão era mole, o avio (designação que se dava ao aprovisionamento dos bens alimentícios para a semana ou quinzena conforme os casos) era feito ao sábado no Telheiro á da Carminda ou no Ferragudo á do Bento para toda a semana. Era um domingo solarengo com a luminosidade própria dos frios dias de Inverno, bebeu o café, comeu um naco de pão, e, estava pronto para sair, abriu a porta da rua e o branco das ervas deixava adivinhar as características geadas próprias desta época do ano, voltou ao quarto para procurar algo mais de agasalho, o Papela ainda dormia, mas agora um pouco mais agitado, talvez esteja a sonhar com os tordos que terá nas armadilhas pensou o Espenica. A geada estalava-lhe debaixo dos pés, tomou o caminho do ribeiro da tapada do Xerez por ser dos mais curtos e por saber que os guitos estavam na foz do referido ribeiro, cujas águas cristalinas vindas das ábas da Serra e da Fonte dos Sapateiros formavam pequeninas cascatas quebrando o silêncio dos campos e dando a este quadro o mágico ruido de um ribeiro a correr, caminhava já á algum tempo e o campo fervilhava de vida, os coelhos corriam as dezenas á sua frente a esconderem-se nos cováis, (buracos no solo que comunicam entre si e que servem de esconderijo aos coelhos) os tordos e os melros chilreavam nas milenares oliveiras, aqui e ali assobiava uma cotovia, mais além ouviam-se cantar as perdizes, de tão absorvido por tudo isto quase ia pondo o pé encima de uma armadilha, salvou no ultimo momento ter visto a terra mexida, eram as armadilhas do Papela, sempre ávido por lhe pregar partidas logo começou a magicá-la, mas ficaria para depois, agora a prioridade era ir ver os guitos, tinha feito alguns sinais para não os perder, á sua frente estava já uns ramos de piorneira partidos, era o sinal ali estava uma corda com alguns anzóis, pegou na ponta e começou a puxar com algum cuidado par não encalhar, primeiro anzol não tinha nada continuou e ao todo essa corda tinha três barbos pequenos, passou á seguinte e essa sim tinha dois barbos grandes e um enguia, tirou ao todo quatro ou cinco quilos de barbos e duas enguias, meteu tudo dentro da sacola e retomou o mesmo caminho de regresso ao monte, ao todo o Papela teria armado sete oito armadilhas, a esta hora algumas já teriam pássaros, passou pela primeira que era a ultima porque agora vinha em sentido inverso, e essa tinha um papinho amarelo, deixou-o ficar, a seguinte tinha um melro e também ficou, a terceira não tinha nada e essa sim, tirou um peixe da sacola e meteu-o na armadilha como se este tivesse mordido o isco e caído na armadilha, fez este procedimento a mais duas ou três e seguiu para o monte imaginando antecipadamente a cara do Papela ao ver os peixes nas armadilhas. Ao chegar ao monte já o irmão com o passo acelerado que lhe hera característico dava passadas largas na direção do ribeiro do monte, viu as primeiras duas armadilhas e estas sim tinham pássaros, uma um tordo e outra um melro, caminhou um pouco mais na direção das outras e á distancia que estava olhou e viu que algo de anormal se passava, não conseguia ver o que era, mas pensou, talvez uma abibe, era demasiado grande para tordo, apressou um pouco o passo e já mais perto nem queria acreditar tinha apanhado um enorme peixe na armadilha, continuou e tirou mais alguns peixes e pássaros, o resultado não se fez esperar, passado algum tempo vinha o Papela que não cabia em si de contente de sacola ás costas na direção do monte, ainda faltavam alguns metros para a entrada da casa e já ele gritava pai, mãe, !!!! venham ver o que eu apanhei, e ali mesmo na rua do monte pegou pelo fundo do saco, e entre armadilhas e pássaros havia também peixes, só depois de uma exaustiva explicação dos progenitores percebeu que tinha sido enganado pelo irmão, ficou de tal maneira ofendido que ainda hoje passados cinquenta anos ninguém lhe podia perguntar pelos peixes. Que descanses em paz Joaquim.
"Foto da Net Texto Isidro Pinto"
Obrigado aos familiares do Espenica e do Papela pela permissão para publicar esta história.

sábado, 31 de outubro de 2020

O RAMPELHÃO E OS BARRENOS DA PORTA DO BURACO


 

O Rampelhão e os Barrenos da Porta do Buraco.




Estaríamos talvez na década de 50/60 e a falta de maquinaria apropriada e á época pouco desenvolvida obrigava a que as enormes camadas de xisto que se interpunham no caminho tivessem que ser removidas com a ajuda de explosivos. Trabalho árduo e perigoso para alguns, motivo de brincadeira e adrenalina para outros. Quanto mais a estrada se aproximava de Monsaraz mais compacta a rocha se tornava, e mais frequentes eram os barrenos (nome dado às explosões dentro da rocha). Os miúdos de Monsaraz não tinham agora que se deslocar muito para assistir de perto a toda aquela azáfama que tanto os divertia. João não vais lá pró pé dos homens do fogo, recomendava a sua mãe, ó mãe quando o Ti Arrenca grita, FOGO, FUJAM, eu sou dos primeiros a fugir para baixo do arco da Porta do Buraco, e sou dos que corro mais as pedras não me apanham, está bem está bem concluía a mãe. O Rampelhão rapazolas Montesarense todo espevitado, não queria perder pitada dos Barrenos tendo já consciência como se preparavam e dos efeitos demolidores daquela coisa, a sua presença junto dos homens do fogo tornou-se de tal maneira assídua que estes já não sabiam que fazer para se livrar da rapaziada e principalmente do Rampelhão, até que um dia, como era frequente naquela época alguém se lembrou, este um dia temos que o entalar (enganar) e mandamo-lo ir buscar a pedra de afiar os picaretos que ele anda aí um dia inteiro carregado com um barcoeiro, (pedra grande) esperem lá rapazes dizia o Ti Arrenca, tenho ideia melhor, deixem comigo. Um belo dia logo que a rapaziada se aproximou, diz o Ti Arrenca, olhem lá rapazes! qual de vocês é que quer fazer um favor á gente? eu, eu, responderam quase em coro todos os miúdos de onde sobressaía a voz traquinas do Rampelhão, vai o Rampelhão que ele é o mais forte, concluía o Arrenca, o bom do rapaz enchia o peito de ar e dizia para os outros sou o mais forte, então vais lá aos correios lá no largo da Igreja, na casa do Herculano Pinto buscar uma encomenda, mas olha que aquilo é dinamite para os Barrenos e tu tens que ter muito cuidado dizia o Arrenca, eu sei que aquilo é muito perigoso, o outro dia estava eu amagado (agaixado, escondido) debaixo da Porta do Buraco e quando vossemecê gritou Fogo saltou de lá uma pedra prá aí quase do seu tamanho que subiu mais alto que o Varandil, dizia o Rampelhão. Terminado o diálogo apressou-se o Rampelhão a cumprir tão importante missão, Monsaraz à época fervilhava de gente, todas as casas estavam habitadas e de uma maneira geral as famílias eram numerosas o que pressuponha sempre pessoas na rua, passava o Rampelhão a caminho dos Correios e os bons dias eram constantes, não necessitavam que lhe perguntassem onde ia, vaidoso com tão nobre tarefa que lhe haviam confiado, era ele que dizia, vou aos Correios a casa do Herculano Pinto buscar uma encomenda de fogo pró Ti Arrenca, vê lá rapaz olha que isso é muito perigoso, argumentavam alguns, já estou habituado, todos os dias vejo os homens deitarem os Barrenos lá na trincheira da Porta do Buraco dizia o Rampelhão. Sempre bem falante dizia o Rampelhão, bom dia Ti Herculano, olhe venho buscar a encomenda para o Ti Arrenca, olha lá rapaz olha que isto é muito pesado e perigoso não a podes deixar cair senão isto arrebenta tudo, advertia o Herculano, já estava previamente embalado um enorme pedregulho que o Ti Herculano ajudou a meter às costas do rapaz, aguentas-te Perguntava o Herculano? aguento, mas isto é muito pesado, respondia o miúdo, tens razão isso é muita pólvora que aí vai, isso que aí está, dá para rebentar com Monsaraz inteiro, continuava a advertir o Herculano, por isso vê lá se te aguentas. Os primeiros metros foram feitos com alguma facilidade, mas não tardou que os efeitos do excessivo peso se começassem a notar, o cansaço já era evidente, o suor corria-lhe pela face enquanto que as pernas lhe tremiam que nem varas verdes, queria aguentar mas não era capaz, tomou uma decisão, aproveitaria o poial á porta da taberna e tentaria descansar aí um pouco, o dia estava chuvoso e muitos homens não tinham ido trabalhar o que fazia com que a taberna estivesse cheia dentro e fora de portas, e porque também aquela hora já se tinha espalhado a noticia que o Rampelhão havia caído no engano, alheio a tudo isto e tentando ignorar toda esta gente caminhava com imenso esforço o Rampelhão, o poial parecia-lhe cada vez mais longe, finalmente chegou e encostou-se à parede para que com a ajuda desta a carga fosse deslizando suavemente até à altura do poial, aos poucos ia inclinando o franzino corpo e deixando que o próprio peso da carga o fosse empurrando para a frente e deslizando pouco a pouco os pés, esqueceu-se porém que nesse tempo havia imensas galinhas na rua e que para azar o seu uma havia deixado uma enorme larada sobre as pedras no sítio onde agora estavam os seus pés, o escorregão foi de tal ordem que se deu por feliz não ter ficado debaixo da pedra que caiu com um enorme estrondo sobre o poial, de repente lhe veio á cabeça as palavras do Herculano Pinto HÁ AÍ PÓLVORA PARA DERRUBAR MONSARAZ INTEIRO, sem qualquer hesitação desatou rua abaixo numa corrida desenfreada gritando, FUJAM FUJAM, QUE ISTO ARREBENTA TUDO.

Esta é a nossa forma de homenagear e preservar as memórias das nossas gentes. Obrigada a todos os Rampelhões, Serranos, Zé Ferreiras e muitos outos que escreveram as ultimas páginas da História de Monsaraz enquanto Vila VIVA.

Obrigado amigo António Rodrigues (Marreneco) por me ter contado esta estória.

Um grande obrigado á Maria João Ramalho por me ter autorizado a relembrar aqui o seu pai. 

Testo e foros de Isidro Pinto